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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Funcionamento dos partidos políticos

Uma das importantes questões que, hoje, está posta na sociedade é a dúvida se os partidos políticos estão ou não a exercer com eficácia e em todas as dimensões as funções públicas que fundamentam a sua existência.

À parte de outras estorses verificadas na prática política interna e externa dos partidos, a chaga política que tem sido motivo para a sua descredibilização está patente no não cumprimento das propostas apresentadas nos programas eleitorais de governo e dos órgãos autárquicos. Se é fácil propor medidas que, depois, não são ou não podem ser cumpridas, trata-se de alguma demagogia afirmar que foram encontradas situações ocultas que levam ao não cumprimento de determinada promessa por parte da lista vencedora.

Mas também é verdade que, não havendo maioria absoluta da equipa vencedora, a oposição formula e vota propostas de modo a colocar dificuldades à maioria relativa que ganhou as eleições. Isso viu-se, em 2010, na Assembleia da República, e, recentemente, na Câmara do Funchal. Trata-se de um vício democrático que a democracia tolera.
É nesta vertente dos programas eleitorais que muitos partidos políticos falham redondamente. O seu funcionamento interno é, por vezes, de tal modo deficiente que leva ao desleixo dos dirigentes. É posto em causa um trabalho sério junto dos eleitos que, quase sempre, não são apoiados nem coordenada a sua ação política.

Outra vertente do funcionamento dos partidos políticos é a sua organização interna. A lei dos partidos políticos exige uma estrutura mínima de âmbito nacional com competências e composição definidas nos estatutos. Devem existir uma assembleia representativa dos filiados, um órgão de direção política e um órgão de jurisdição. As eleições internas devem ser democráticas. Os cargos partidários não podem ser vitalícios, a menos que sejam cargos honorários. Os estatutos devem assegurar uma participação direta, ativa e equilibrada de mulheres e homens na atividade política e garantir a não discriminação em função do sexo no acesso aos órgãos partidários e nas candidaturas apresentadas pelos partidos políticos.

Quando analisamos os estatutos nacionais dos partidos representados na Assembleia da República, tomamos consciência de que o número de órgãos criados, a nível nacional, por alguns partidos ultrapassa a razoabilidade do funcionamento interno.
Vejamos: o PPD/PSD tem 7 órgãos, sendo 3 com competência deliberativa (Congresso, Conselho e Comissão Política). Tem o Conselho de Jurisdição e a Comissão de Auditoria Financeira. O órgão executivo é a Comissão Permanente, mas o Grupo Parlamentar também tem honras de órgão partidário.

O PS é o que apresenta a maior amálgama criadora de burocracia e poder internos. Tem 11 órgãos, sendo 3 com competência deliberativa (Congresso, Comissão Nacional e Comissão Política). Tem a Comissão Nacional de Jurisdição e a de Fiscalização Económica e Financeira. Como órgãos executivos existem o Secretariado Nacional e a Comissão Permanente. O Secretário-Geral também é um órgão, mas o mais caricato é o facto de o Presidente do Partido e o Secretário-Geral Adjunto também constarem na categoria de órgãos, para além do Grupo Parlamentar.

O CDS também prima por um significativo número de 10 órgãos, sendo 3 com competência deliberativa (Congresso, Conselho e Comissão Política). Tem Conselho de Jurisdição e o de Fiscalização, o Senado, o Presidente do Partido e o Grupo Parlamentar. Como órgão executivo existe a Comissão Executiva.

A estrutura nacional do centralismo democrático do PCP abarca o Congresso, o Comité Central que elege a Comissão Política, o Secretariado e a Comissão Central de Controlo.

O BE tem 9 órgãos com uma inédita classificação: Convenção Nacional, Comissão Política, Comissão de Direitos, Mesa Nacional, Assembleias Distritais ou Regionais, Assembleias Concelhias, Comissões Coordenadoras Concelhias e os Núcleos.

Os Verdes apresentam 5 órgãos nacionais: Convenção, Conselho Nacional, Comissão Executiva, Comissão de Arbitragem e Comissão de Fiscalização e Contas.




quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Finalidades dos partidos políticos

Com a vitória da liberdade conquistada com o «25 de Abril de 1974», abriu-se a possibilidade de criar associações e partidos políticos, para além de legalizar os já existentes. Ficava para a história a União Nacional, como única associação política admitida pelo Estado Novo, apesar de uma nesga aberta pela «primavera marcelista» quanto à permissão de candidaturas da oposição nas eleições para a Assembleia Nacional.

O programa do MFA ao prever a liberdade de reunião e de associação permitiu a formação de associações políticas, “possíveis embriões de futuros partidos políticos”. Claro que já existiam partidos políticos na clandestinidade, mas o reconhecimento legal só foi possível com a publicação do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de novembro, que revogou a Lei nº 1901, de 21 de maio de 1935, os Dec-Lei nº 39.660, de 20 de maio de 1954 e 520/71, de 24 de Novembro, respeitantes ao direito à livre associação, bem como do Dec-Lei nº 595/74, de 7 de novembro, alterado pelos Decretos-Lei nº 126/75, de 13 de março, 195/76, de 16 de março, e pela Lei nº 110/97, de 16 de setembro, que criou o regime jurídico dos Partidos e Associações Políticas, atribuindo-lhes personalidade jurídica para exercerem os direitos e deveres de acordo com o exercício da sua função política.

A atual lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica nº 2/2003, de 22 de agosto) não só revogou toda a legislação anterior, mas também atualizou os princípios e direitos que os devem reger, para lém de regular as regras de constituição, extinção, filiação, organização e eleições internas, no sentido da garantia dos direitos, liberdades de participação política dos cidadãos.  
 No conjunto dos fins que estão na base da existência de partidos políticos estão, nomeadamente, os de contribuirem para o esclarecimento prural e para o exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos; estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e internacional; apresentar programas políticos e preparar programas eleitorais de governo e de administração; promover a formação e a preparação políticas de cidadãos para uma participação direta e ativa na vida pública democrática; contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das instituições democráticas.

É importante salientar que o papel dos partidos políticos ultrapassa os interesses individuais dos seus militantes, tendo uma abrangência social de interesse público para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização política do poder e da democracia na base da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros. Este interesse geral é fundamento bastante para a atribuição de financiamento público que a Constituição da República remete para a lei geral.

O financiamento dos partidos, a que se junta o das campanhas eleitorais, tem sido tratado por alguns setores da opinião pública como um gasto público indesejado e, por vezes, hipocritamente tratado pelos próprios partidos sob pressão social. E quando se verifica que as estruturas dos partidos nas Regiões Autónomas não teem direito a subvenção pública regional com base nos votos obtidos para a Assembleia Legislativa, devido a um estúpido e complexo vírus, adquirido em 1993 pelos Deputados da Assembleia da Republica, por não serem permitos partidos regionais, tal anómala decisão legal motiva, simplesmente, o financiamento aos grupos parlamentares, cujo cumprimento da lei (anómala) é severamente exigido pelos órgãos de soberania que fiscalizam, sem dó nem piedade, tais dinheiros.

No plano da organização interna nacional dos partidos a lei apenas obriga a existência de uma assembleia representativa dos filiados, um órgão de direção política e um órgão de jurisdição. Mas se analisarmos – não agora -  o estatuto de alguns partidos, a quantidade de órgãos criados ultrapassa a razoabilidade do funcionamento interno, que mais se compara a uma amálgama de órgãos criadores de burocracia sem igual.





terça-feira, 12 de novembro de 2013

Estatuto dos partidos e a disciplina de voto

Os estatutos de quase todos os partidos políticos com representação parlamentar na Assembleia da República apresentam normas impositivas que obrigam os deputados a seguir a orientação de voto que a direção do grupo parlamentar exige. Alguns estatutos também atribuem poderes a determinado órgão partidário para dar orientações ao respetivo grupo parlamentar no sentido de impor determinada orientação de voto.
O recente caso do deputado Rui Barreto do CDS-PP constituiu apenas um exemplo do que pode acontecer a qualquer deputado de outro partido, que é coagido a seguir um sentido de voto que não é o que mais entenda ser adequado.
De uma forma mais ou menos expressa, a cegueira orientadora de controlar o voto dos deputados é transversal a todos os partidos que desprezam o artigo 155º, nº 1 (primeira parte) da Constituição da República, ao estabelecer que “Os Deputados exercem livremente o seu mandato (…)”. Basta que o regulamento do grupo parlamentar estabeleça um conjunto de matérias, sobre as quais a orientação de voto tem de ser cumprida pelos deputados, o que torna ineficaz o conceito de mandato exercido livremente. Mas como a liberdade do deputado não abrange apenas a presença física, também está inerente a sua consciência de escolher o sentido de voto que entenda, a todo o momento e em todas as matérias em votação, ser a melhor opção para os interesses gerais dos cidadãos.

Os estatutos do Partido Socialista (artigo 77º - disciplina de voto) são os que melhor expressam a imposição do sentido de voto em algumas matérias específicas que “relevam para a governabilidade, designadamente o programa de Governo, o Orçamento de Estado, as Moções de Confiança e de Censura e os compromissos assumidos no programa eleitoral ou constantes de orientação expressa da Comissão Política Nacional, veiculada em deliberação aprovada com tal efeito”. Estas são as exceções ao princípio da liberdade de voto que está expresso no número 1 daquele artigo. No entanto, para além das matérias que constem do regulamento do grupo parlamentar, sobre as quais os deputados são obrigados a seguir a orientação de voto, a Comissão Política Nacional pode, em qualquer caso, aprovar o sentido de voto que tem de ser cumprido pelos deputados. A curiosa contradição – até para efeitos disciplinares de deputados militantes do partido – aparece no artigo 75º que estabelece: “A participação de independentes eleitos nas listas do Partido nos Grupos de Representantes e Parlamentares pode ser solicitada a qualquer momento (…)”. Isto é, levando à risca o cumprimento dos estatutos e do regulamento do grupo parlamentar, um deputado independente tem mais liberdade de voto (o que é natural, face ao artigo 155º da CRP) que um deputado militante do partido.

Os estatutos do Partido Social Democrata (artigo 7º) contemplam nos deveres dos militantes não só a exigência de serem leais “ao Programa, Estatutos e directrizes do Partido, bem como aos seus Regulamentos”, mas também determinam que “Os Deputados e os eleitos em listas do Partido para as Assembleias das Autarquias comprometem-se a conformar os seus votos no sentido decidido pelo Grupo que integram, de acordo com as orientações políticas gerais fixadas pela Comissão Política competente, salvo prévia autorização de dispensa de disciplina de voto, por reserva de consciência, nos termos do Regulamento desse Grupo”. Só aparentemente o PPD/PSD é liberal na disciplina de voto dos deputados. A reserva de consciência invocada por um deputado não é, certamente, atendida quando está em causa uma matéria que o Grupo Parlamentar considera crucial. Quando muito, o deputado vota no sentido que foi imposto, mas faz uma declaração de voto, cujo efeito é zero no resultado da votação.

Os estatutos do Partido Comunista Português não especificam o sentido de voto dos deputados. Mas como está elaborado com uma ampla visão de forma, baseada na estrutura orgânica e no funcionamento do Partido, “no desenvolvimento criativo do centralismo democrático”, acaba por vincular os deputados no sentido de voto determinado pelo grupo parlamentar, sob pena de, violando a disciplina, estarem sujeitos a sanções disciplinares (artigo 58º).

Os Estatutos do Bloco de Esquerda e os do Partido Ecologista «Os Verdes» não tratam da obrigatoriedade de voto imposta aos deputados. Apenas, genericamente, exigem dos militantes o respeito dos estatutos, o que se pode endender que nesse respeito cabem todas as orientações dos respetivos órgãos partidários.
Quanto aos estatutos do Partido Popular (CDS/PP), a eles já me referi no texto da passada semana.





terça-feira, 5 de novembro de 2013

Deputados com voto controlado

A pena de suspensão, por cinco meses, que o Conselho Nacional de Jurisdição do CDS-PP aplicou a Rui Barreto, em funções de deputado na Assembleia da República, levanda algumas questões jurídico constitucionais de legalidade de tal sanção.

O castido aplicado ao deputado deveu-se ao facto deste ter votado contra o Orçamento do Estado para 2013, tendo desrespeitado o regulamento do seu Grupo Parlamentar, que determina a obrigatoriedade de todos os deputados terem o mesmo sentido de voto que o Grupo determinar em cada momento – no caso do Orçamento do Estado (OE), o voto devia ser a favor, dada uma invocada relevância política que tem o OE.

É precisamente essa obrigação de um deputado votar num determinado sentido, por imposição do grupo parlamentar, que no meu entender a norma concreta do regulamento viola o artigo 155º, no 1 (primeira parte) da Constituição da República, ao estabelecer que “Os Deputados exercem livremente o seu mandato (…)”.

E por muito que se invente subterfúgios para impor o voto num determinado sentido, certo é que o mandato do deputado exercido livremente não abrange apenas a presença física, mas está também inerente à sua consciência de escolher o sentido de voto que entenda, a todo o momento e em todas as matérias em votação. A não ser assim, é o grupo parlamentar que se sobrepõe ao interesse do povo que o deputado representa e enteda ser a melhor opção.

No âmbito nas imunidades dos deputados, o artigo 157º, nº 1, da Constituição estabelece que “Os Deputados não respondem civil, criminal e disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”.

No meu entender, ao abrigo desta norma constitucional o deputado Rui Barreto não podia ser alvo de um processo disciplinar movido pelo Partido, ou por qualquer entidade, caso contrário um qualquer deputado pode ser sancionado por iniciativa arbitrária do grupo parlamentar, mesmo que este seja estatutariamente um órgão do Partido.

Também a lei geral, que regula o regime dos partidos políticos, estabelece (artigo 24º) que “Os cidadãos eleitos em listas de partidos políticos exercem livremente o seu mandato, nas condições definidas no estatuto dos titulares e no regime de funcionamento e de exercício de competências do respectivo órgãos electivo”.

Ora, o Estatuto dos Deputados (artigo 10º) não só repete a norma do artigo 157º, nº 1, da Constituição, acrescentando “e por causa delas”, mas também estabelece que devem observar (artigo 14º, nº1, al. f) o Regimento da Assembleia da República.

E o regimento ao permitir que uma das formas de votação seja por “levantados e sentados”, também estabelece no artigo 94º, nº 3, que “Nas votações por levantados e sentados, a Mesa apura os resultados de acordo com a representatividade dos grupos parlamentares, especificando o número de votos individualmente expressos em sentido distinto da respectiva bancada e a sua influência no resultado, quando a haja”.

Em parte alguma da Constituição da República, do Estatuto dos Deputados e do Regimento está estabelecido que um deputado deve votar de acordo com o regulamento do grupo parlamentar, apesar de o Regimento estabelecer que “Os deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos podem constituir-se em grupo parlamentar” (artigo 6º, nº 1) e que um dos direitos de cada grupo parlamentar seja o de “Eleger a sua direcção e determinar a sua organização e regulamento internos” (artigo 9º, al. a) ).

Na qualidade de filiado no CDS-PP o deputado Rui Barreto aderiu à Declaração de Princípios e ao Programa do Partido Popular e tem o dever de respeitar os “Estatutos e os Regulamentos aprovados pelos órgãos competentes, bem como acatar as directrizes dos órgãos do Partido” (artº 6º dos Estatutos). Mas tem o direito de “manter a sua liberdade de opinião desde que, ao exercer esse direito na qualidade de membro do Partido, se conforme com o programa do Partido Popular e com as directrizes dos respectivos órgãos” (artº 7º). Mas a questão do sentido de voto como deputado não pode caber no respeito das diretrizes de qualquer órgão.

O artigo 31º, nº 2, da Lei dos Partidos Políticos determina que “Da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional”.
E como a interpretação de normas de direito não é uma ciência exata, gostaria de saber o resultado de um hipotético recurso. Aliás, se porventura o Rui Barreto não fosse membro do CDS-PP, mas integrasse o grupo parlamentar e tivesse votado contra o Orçamento do Estado, qual seria a sanção a aplicar?