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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Do primeiro Estatuto Definitivo ao «estatuto da unanimidade»

- O primeiro Estatuto Definitivo surge em 5 de junho de 1991 com a publicação da Lei nº 13/91, na sequência da apresentação na Assembleia Regional, em 25 de setembro de 1989, pelo PSD-M, de um projeto de proposta de lei e outro pelo PS-M, em 2 de novembro do mesmo ano. Em 22 de fevereiro de 1990, a Assembleia Regional aprova o Estatuto pela Resolução nº 5/90/M, para ser remetido à Assembleia da República. Esta introduziu alterações ao projeto da Assembleia Regional, a quem deu conhecimento. Por sua vez, esta remeteu àquela um parecer que conclui: “a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, reunida em Plenário de 06 de Novembro de 1990, para a apreciação referida no citado artigo 228º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, emite o parecer de que deve ser aprovado, na íntegra, o texto do Projecto de Estatuto inicialmente enviado, não se justificando, em boa lógica democrática, as alterações introduzidas pela Assembleia da República”.
Em 28 de novembro de 1990, foi aprovado pela Assembleia da República e enviado ao Presidente da República para promulgação. Este enviou-o ao Tribunal Constitucional, que apreciou o documento, declarando somente a inconstitucionalidade dos artigos 10º, n.º 4 e 11º, n.º 2 do Decreto 293/6 da Assembleia da Republica.
Em 24 de abril de 1991, a Assembleia da República aprovou a proposta final, que foi publicada pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, não tendo constado o capítulo originário referente à Organização do Poder Judicial na Madeira.

- Em 2 de março de 1993, o Ministro da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação da legalidade do artigo 28º do Estatuto definitivo. Este artigo, que trata da adaptação do estatuto remuneratório dos deputados regionais, foi considerado inconstitucional pelo Acórdão 637/95.
- Decorridos cerca de sete anos da entrada em vigor do Estatuto Definitivo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, o PS-M tomou a iniciativa, em 19 de março de 1998, de apresentar um projeto de alteração àquele Estatuto. Seguiram-se outros projetos do PSD-M (13/4/1998), do CDS (16/4/1998) e da UDP (16/4/1998). A CDU apenas apresentou, em 10 de janeiro de 1999, propostas de alteração à proposta de revisão saída da Comissão Eventual para a Revisão do Estatuto.
Concluído o processo de revisão pela Comissão, o Plenário da Assembleia Regional aprovou-o em 14 de janeiro de 1999 pela Resolução n.º 4/99/M, enviando para a Assembleia da República. Esta discutiu a proposta regional, tendo-lhe introduzido alterações que foram remetidas para a Assembleia Regional.
Em 28 de junho de 1999, por Resolução 16/99/M, a Assembleia Regional aprovou, por unanimidade, as alterações propostas pela Assembleia da República.
No dia 2 de Julho de 1999, a Assembleia da República aprovou, também por unanimidade, o texto definitivo que foi publicado em 21 de Agosto pela Lei n.º 130/99

Recordo o trabalho empenhado de todos os deputados da Comissão, presidida por Cunha e Silva, na análise de todas as propostas apresentadas. Se é certo que muitas propostas dos partidos da oposição não foram aceites pela maioria regional, certo é que a profundidade da discussão de todas as normas, mesmo as do PSD-M, produziu um importante resultado, fazendo com que possa afirmar que a Região ficou com um Estatuto novo, a que posso apelidá-lo de ESTATUTO da UNANIMIDADE. É este Estatuto que, passados quinze anos, na sua essência ainda regula a Autonomia da Madeira, tendo apenas sofrido uma alteração no nº 2 do artigo 15º, pela Lei nº 12/2000, de 21 de Junho, depois de ter sido considerado inconstitucional pelo Acórdão nº 199/2000. Neste caso, tratou-se de atribuir 2 deputados aos círculos do Porto Santo e do Porto Moniz.

- Em 30 de Novembro de 2004, o PS-M apresentou um projeto de alteração do Estatuto Político-Administrativo que tinha sido aprovado em 1999, seguindo-se os projetos do PSD-M (29/12/2004) e do CDS (07/01/2005).
Uma vez aprovado na Assembleia Legislativa Regional, o texto foi remetido à Assembleia da República, que pretendeu fazer alterações que não eram do agrado do PSD-M.
Invocando não haver condições políticas para rever o Estatuto, em 28 de Junho de 2005 a Assembleia Regional requereu a retirada da proposta da Assembleia da República.

-Quando, em 24 de Janeiro de 2008, o PS-M apresentou um projecto de alteração do Estatuto, apenas sobre a matéria de incompatibilidade e impedimentos dos deputados e, em 13 de Dezembro de 2011, onze deputados (9 do CDS, 1 do PCP e 1 do PAN) apresentaram uma proposta  também sobre incompatibilidades e impedimentos, não conseguiram tal intento.
Face a isso, mantém-se em vigor o Estatuto da Unanimidade de 1999, sem alterações até que nas duas Assembleias (a Regional e a da República) estejam deputados com coerência política no reconhecimento e respeito pelos inalienáveis direitos não só autonómicos, mas também adquiridos ao longo dos  40 anos de regime democrático, independentemente de serem direitos gerais e/ou particulares.






Região Autónoma sem expressa referência à autonomia financeira

Pese embora o contínuo reforço do poder centralizador do Estado Novo, o Estatuto do Distrito Autónomo prevê, expressamente, a autonomia financeira do Distrito, o que não acontece com a Constituição de 1976. Só a expressa referência, nos artigos 229º e 233º, aos poderes regionais quanto aos seus planos e respectivos financiamentos, bem como a competência exclusiva da Assembleia Regional para aprovar o Orçamento e o Plano Económico Regional, é que, tacitamente, as Regiões Autónomas teem autonomia financeira.

De “pessoa moral de direito público”, prevista no Estatuto do Distrito, a Constituição de 1976 define as regiões autónomas como “pessoas colectivas de direito público” com órgãos de governo próprio, consubstanciados num órgão legislativo - a Assembleia Regional - e um executivo - o Governo Regional.
Não restam dúvidas de que fica consagrada uma forma descentralizada de poder legislar por parte da Assembleia Regional “em matérias de interesse específico para a região que não estejam reservadas à competência dos órgãos de soberania e não meramente regulamentar” - alínea a) do nº 1  do artº 229º.  A Assembleia Regional também fica com o poder de iniciativa legislativa e de apresentar propostas de lei à Assembleia da República - alínea c) do nº 1 do artº 229º.

A Constituição de 1976 integra na competência da Assembleia Regional e não na do Governo Regional, que é politicamente responsável perante aquela, a regulamentação das “leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar”. E na competência do Governo Regional apenas a regulamentação dos decretos regionais, hoje decretos legislativos regionais - alínea b) do nº 1 do artigo 229º.
 O que aconteceu muitas vezes foi o facto de o Governo Regional ter aplicado à Região decretos-leis por portaria regional ou por decreto regulamentar.
A Assembleia Regional pode solicitar ao Conselho da Revolução (extinto com a revisão da Constituição de 1982) “a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas emanadas dos órgãos de soberania, por violação dos direitos das regiões consagrados da Constituição” - nº 2 do artº 229º. Mas um grupo de deputados da Assembleia Regional não pode pedir ao Tribunal Constitucional a verificação da legalidade/constitucionalidade de diplomas regionais, ao contrário do que acontece na Assembleia da República.
Ao contrário do que sucede com a Assembleia da Republica poder delegar, por lei, competência legislativa no Governo da República, a Assembleia Regional não tem, ainda hoje, competência semelhante. O Governo Regional apenas regulamenta, por decreto regulamentar regional, os decretos regionais.

Apesar do novo figurino da autonomia, a sua amplitude tem restrições expressas no texto constitucional com a inclusão de normas bastante limitadoras que criam um sistema que complicou a elaboração dos mesmos, bem como no âmbito do respeito pelas restantes limitações:
- Uma delas é a que prevê (artigo 228º) que o Estatuto Politico-Administrativo seja elaborado pela Assembleia Regional e remetido à Assembleia da República para ser de novo discutido e aprovado. Se for rejeitado, volta de novo à Assembleia Regional.
- Outra limitação é a que cabe exclusivamente à Assembleia da República aprovar a lei eleitoral para as eleições regionais.
- Outra restrição no poder da Região Autónoma tem a ver com o facto de qualquer lei regional aprovada ter de respeitar a Constituição da República, como é logicamente aceitável. Mas a limitação de respeitar as leis gerais da República é que, pela formulação genérica imposta, viria, ao longo dos anos, criar dúvidas quanto à falta de uma definição correcta do que era e que caraterísticas materiais tinha uma lei geral.
As alterações à Constituição promovidas em 1982, 1989, 1997 e 2004 trataram de matérias vastas e em vários domínios normativos, alguns destes com reflexos nas Regiões Autónomas. A revisão de 1992 incidiu apenas em seis artigos para permitir essencialmente a ratificação do Tratado de Maastricht e atualizar o artigo 284º que trata precisamente do tempo de revisão constitucional.
A revisão de 2001 incidiu em seis artigos tendo em conta a aceitação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, embora acrescente um nº 3 ao artigo 11º referindo que a “A língua oficial é o Português”.
A revisão de 2004 acabou com as famigeradas leis gerais da República que, apesar do larguíssimo debate, não tinha sido possível clarificar o seu conceito na revisão de 1989. Também estabeleceu que, com a revisão do Estatuto Político-Administrativo, desapareceria o conceito de «matérias de interesse específico», descritas no artigo 40º.
A revisão de 2005 apenas aditou o artigo 295º, prevendo a possibilidade de convocação de referendo sobre a aprovação de tratado que “vise a construção e aprofundamento da união europeia”.
TM, 10-10-2014




Vicissitudes do Estatuto Político-Administrativo da Madeira

Em 1976, a Região Autónoma da Madeira iniciou a sua nova caminhada autonómica com o Estatuto Provisório, aprovado pelo Decreto-Lei nº 318-D/76, de 30 de abril, que vigorou durante quinze anos, depois de ter sofrido alteração em oito artigos pelo Dec-Lei nº 427-F/76, de 1 de junho. O Estatuto Provisório foi um imperativo da Constituição da República, previsto no nº 2 do artº 302º, ao estabelecer que a Junta Regional proporia ao Governo da República para este elaborar um Estatuto Provisório.
A sua elaboração teve início quando a Madeira era governada pela Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional, abreviadamente designada Junta Regional. A primeira das quatro reuniões extraordinárias – a 11ª do conjunto de reuniões – da Junta Regional realizou-se no dia 26 de abril de 1976, tendo como único ponto da ordem de trabalhos a apreciação do projecto de estatuto provisório para a Madeira que foi “elaborado com base em projectos regionais de partidos e no projecto de Estatuto para a região dos Açores”.
O projecto foi redigido pelo Dr. Fernando Rebelo, a quem a Junta Regional encomendou, por deliberação na reunião ordinária realizada no dia 13 de abril. De entre as vinte deliberações desse dia, a primeira consistiu em “Contratar o Licenciado Fernando Pereira Rebelo para elaborar, até ao dia 26 do corrente, o projecto de estatuto provisório para a Região Autónoma da Madeira e bem assim o projecto da Lei Eleitoral para a primeira Assembleia Regional”.
 Refere ainda a acta que não foi dada divulgação a tal documento devido ao limite de tempo curto para essa apreciação, e porque o “Presidente da República pediu urgência”. Na sequência disso, o projecto definitivo foi aprovado pelo Conselho da Revolução e promulgado pelo Presidente da República, em 30 de abril, data em que foi publicado no 3º Suplemento do Diário da República. Depois de publicado o Estatuto, a JR, numa segunda reunião extraordinária - a 14ª da ordem – realizada no dia 6 de maio, voltou a apreciá-lo, mas certamente com vista a compará-lo com o inicialmente proposto. O Estatuto Provisório só mais tarde, na reunião ordinária de 20 de julho, foi tido em conta na deliberação que aprovou a despesa de 80.000$00 de honorários a atribuir ao autor do projecto.

Entre o Estatuto Provisório e o Estatuto Definitivo, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de junho, houve algumas iniciativas para alterar a provisoriedade do primeiro.
-Em 17 de Maio de 1977, a Assembleia Regional aprovou o Estatuto Definitivo e envia-o à Assembleia da República. Mas não chegou a ser apreciado em virtude da dissolução desta. A novidade da proposta é prever um círculo eleitoral por cada concelho, um círculo abrangendo os madeirenses residentes do restante espaço nacional e outro abrangendo os madeirenses residentes no estrangeiro, cada um elegendo um deputado.

-Em 4 de março de 1980, é aprovado um novo Estatuto Definitivo e enviado à Assembleia da República que introduz alterações e reenvia, em abril, à Assembleia Regional. A nova apreciação ocorre na sessão da Assembleia Regional de 25 de Junho, sendo a Resolução nº 22/80/M enviada para a Assembleia da República que, em 27 de junho, aprova o Estatuto, sob a forma de Decreto nº 322/I. Posteriormente, este Decreto foi considerado inconstitucional em oito normas, pelo Conselho da Revolução, por Resolução n.º 293/80, de 6 de agosto, na sequência do Parecer nº 26/80, de 31 de julho, da Comissão Constitucional.

-Em outubro e novembro de 1984, o PSD-M e o PS-M entregaram na Assembleia Regional o respetivo projeto de alteração do Estatuto Provisório. Tendo por base os dois projetos, a Comissão Eventual elaborou um documento único que foi votado na generalidade e por unanimidade em 12 de março de 1985, no plenário da Assembleia Regional. O projeto aprovado, sob a forma de Resolução nº 13/85/M, resultou de um entendimento entre os líderes do PSD-M e do PS-M. Apesar de tudo correr normalmente, a iniciativa regional caducou em virtude de a Assembleia República ter sido dissolvida, dando origem às eleições antecipadas, realizadas no dia 6 de outubro de 1985.

- Em maio de 1988, o PSD-M apresentou na Assembleia Regional uma alteração ao artº 7º, nº 2 do Estatuto Provisório, que eleva de 3500 para 4000 e de 1750 para 2000 o número de recenseados, ou uma fração, necessário para eleger um deputado em cada um dos círculos eleitorais. Foi aprovado na Assembleia da República o Decreto nº 99/V, mas o Presidente da República, em 19 de julho de 1988, requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade do artigo 1º daquele decreto, tendo sido este considerado inconstitucional pelo Acórdão nº 183/88.

O que depois aconteceu com as alterações ao Estatuto Provisório, dando lugar ao Estatuto Definitivo, veremos no próximo texto.