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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Não sejam coveiros da Autonomia (5)

Na saga das vicissitudes do Estatuto Político-Administrativo da Madeira, em 30/11/2004 o PS-M apresentou um projeto de alteração do Estatuto de 1999, seguindo-se os projetos do PSD-M (29/12/2004) e do CDS (07/01/2005).
A 25/01/2005, a comissão eventual remeteu o texto para ser discutido em plenário da Assembleia, tendo, a 12 de abril, sido discutido na especialidade. Uma vez aprovada na Assembleia Legislativa Regional, a proposta foi remetida para a Assembleia da República.
As alterações que esta pretendeu introduzir levaram a Assembleia Regional a requerer, em 28/06/2005, a retirada da proposta, que não contém qualquer alteração ao artº 75º, que regula o estatuto remuneratório dos deputados e dos membros do governo, onde cabem as subvenções dos ex-titulares, com remissão para o que determina a Lei 4/85, de 9 de abril, bem como as garantias dos direitos adquiridos (nºs 19 e 20 daquele arº 75º ).

E quando, no plenário da Assembleia da República do dia 30/06/2005, na discussão da proposta do Governo para revogar as normas da citada Lei nº 4/85 que dizem respeito às subvenções (viria a ser a Lei 52-A/2005), na intervenção do deputado do PS, Ricardo Rodrigues, este referiu o seguinte:
“Na verdade, por força dos diferentes regimes jurídicos em vigor nas regiões autónomas, nos Açores vigora, neste domínio, o princípio da recepção material, e por isso a presente alteração aplicar-se-á na Região Autónoma dos Açores, enquanto que na Região Autónoma da Madeira vigora, neste domínio, o princípio da recepção formal, pelo que esta alteração, se nada se fizer, não vigorará nesta Região Autónoma”.
Aliás, na edição preparada e comentada pelo deputado José Magalhães ao Estatuto de 1999, é referido o seguinte: “O regime previsto no nº 19, por remissão para legislação concretamente identificada, não é alterado automaticamente quando esta for revista, ao contrário do que decorre da redacção adoptada no nº 2 da disposição homóloga do Estatuto dos Açores”.

De relevante no projeto de proposta de lei à Assembleia da República em 2005,  cabe referir que ele teve em conta as alterações havidas na Constituição da República em 2004. Esta estabeleceu:
- acabar com as famigeradas leis gerais da República, sobre as quais, apesar do larguíssimo debate, não tinha sido possível clarificar o seu conceito nas revisões anteriores;
- ficou estabelecido o desaparecimento do conceito de «matérias de interesse específico», descritas no artigo 40º do Estatuto, mas o artigo 46º da Lei Constitucional nº 1/2004, como norma transitória, estabelece que “Até à eventual alteração das disposições dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, prevista na alínea f) do nº 6 do artigo 168º, o âmbito material da competência legislativa das respectivas regiões é o constante (…) do artigo 40º do Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira”;
- o artigo 47º daquela Lei Constitucional clarifica a reserva da iniciativa legislativa em matéria de lei eleitoral para as assembleias legislativas, bem como de estatutos político-administrativos, matérias que constam no artigo 226º  e na alínea e) do nº 1 do artigo 227º, da Constituição;
- a particularidade quanto à matéria eleitoral da Região Autónoma da Madeira, foi a de ter ficado estabelecido, no nº 3 do citado 47º, que o número de deputados seria fixado entre 41 e 47, o que aconteceu na revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa, Lei Orgânica nº 1/2006, de 13 de fevereiro, alterada pela Lei Orgânica nº 1/2009, de 19 de janeiro, na qual foi fixado em 47 o número de deputados.

 (continua)



segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Não sejam coveiros da Autonomia (4)

Decorridos cerca de sete anos da entrada em vigor do Estatuto Definitivo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, o PS-M tomou a iniciativa, em 19 de março de 1998, de apresentar um projeto de alteração àquele Estatuto. Seguiram-se outros projetos do PSD-M (13/4/1998), do CDS (16/4/1998) e da UDP (16/4/1998). A CDU apenas em 10 de janeiro de 1999 apresentou propostas de alteração à proposta de revisão saída da Comissão Eventual para a Revisão do Estatuto.
Concluído o processo de revisão pela Comissão, o Plenário da Assembleia Regional aprovou-o em 14 de janeiro de 1999 pela Resolução n.º 4/99/M, enviando para a Assembleia da República. Esta discutiu a proposta regional, tendo-lhe introduzido alterações que foram remetidas para a Assembleia Regional.
Em 28 de junho de 1999, pela Resolução 16/99/M a Assembleia Regional aprovou, por unanimidade, as alterações propostas pela Assembleia da República que, no dia 2 de julho de 1999, aprovou, também por unanimidade, o texto definitivo que foi publicado em 21 de Agosto pela Lei n.º 130/99.
Se é certo que muitas propostas dos partidos da oposição não foram aceites pela maioria regional, certo é que a profundidade da discussão de todas as normas, mesmo as do PSD-M, produziu um importante resultado, fazendo com que possa afirmar que a Região ficou com um Estatuto novo, a que posso apelidá-lo de ESTATUTO da UNANIMIDADE. É este Estatuto que, passados 16 anos, na sua essência regula a Autonomia da Madeira, tendo apenas sofrido uma alteração a norma do nº 2 do artigo 15º, pela Lei nº 12/2000, de 21 de junho, depois de ter sido considerada inconstitucional pelo Acórdão nº 199/2000. Neste caso, tratou-se de atribuir 2 deputados aos círculos do Porto Santo e do Porto Moniz.

Com a revisão da Constituição de 1982, o seu artº 233º, nº 5, estabelece que “O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos”.  Cabem no âmbito do estatuto dos deputados e dos membros do Governo alguns direitos e deveres, de entre eles as imunidades, incompatibilidades, impedimentos, garantias profissionais e estatuto remuneratório. É neste último que se encaixa o regime das subvenções vitalícias e do subsídio de reitegração, tal como tinham direito os deputados da Assembleia da República e os membros do governo da República. O regime regional está consagrado no artº 75º, nº 19, do Estatuto Político-Administrativo de 1999, que estabelece o seguinte: “O regime constante do Título II da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 16/87, de 1 de Junho, 102/88, de 25 de Agosto, e 26/95, de de 18 de Agosto, aplica-se aos deputados à Assembleia Legislativa Regional e aos membros do Governo Regional”. E para reforçar os direitos, o nº 20 daquele artigo refere: “O estatuto remuneratório constante da presente lei não poderá, designadamente em matéria de vencimentos, subsídios, subvenções, abonos e ajudas de custo, lesar direitos adquiridos”.

A normalidade estatutária que existia constituía o garante dos anos de vigênca do atual Estatuto aprovado por unanimidade pelas duas assembleias – a Regional e a da República - em coerência política no reconhecimento e respeito pelos inalienáveis direitos não só autonómicos, mas também adquiridos ao longo dos anos de regime democrático, independentemente de serem direitos gerais e/ou particulares.
E mesmo quando houve iniciativas posteriores para alterar o Estatuto, este resistiu a elas, mas passou a ser violado por coveiros institucionais da Autonomia.
(continua)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Não sejam coveiros da Autonomia (3)

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, (que substituiu o estatuto provisório que vinha desde 1976) ao especificar no artº 28º que “A Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República aos deputados àquele Assembleia” e o artº 48º, nº 2, quanto ao estatuto dos membros do Governo da República aos membros do Governo Regional, tudo parecia ficar claro que a Assembleia Regional poderia legislar essa matéria por decreto legislativo ordinário. Foi isso que a Assembleia da República aprovou na sessão plenária do dia 24/04/1991.
Com base no referido arº 28º, em 29/12/1992 a Assembleia Regional aprovou uma alteração ao estatuto remuneratório dos deputados, que foi publicada pelo DLR nº 1/93/M, de 5 de Fevereiro, especificando no artº 3º, nº 3, que “O disposto nos artigos 4º do Decreto Legislativo Regional nº 14/85/M, de 28 de Junho, e 12º do Decreto Regional nº 9/81/M, de 2 de Maio, mantém-se em vigor até que a Assembleia delibere nos termos do número anterior”.
A normalidade estatutária que parecia existir foi posta em causa quando em 02/03/1993 o Ministro da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação da legalidade do artigo 28º do Estatuto Político-Administrativo, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, bem como “das normas constantes dos quatro artigos do Decreto Legislativo Regional nº 1/93/M, de 5 de Fevereiro”.
 A apreciação da matéria constante do requerimento do Ministro da República foi apreciada e decidida pelo Acórdão nº 637/95, publicado no Diário da República de 26/12/1995. A decisão foi a de declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido artigo 28º, por violar os artigos 164º, alínea b), 228º, nºs. 1 a 4, e 233º, nº 5, da Constituição, bem como todas as normas do DLR nº 1/93/M, por violar aquelas disposições e ainda a do artº 229º, nº 1, alínea a).
Os efeitos deste acórdão foram a partir da sua publicação, com o seguinte fundamento:
“No presente processo, considera-se que a segurança jurídica exige que os efeitos de inconstitucionalidade sejam limitados, produzindo-se apenas a partir da publicação deste acódão, a fim de evitar que tenha de haver reposição por terceiros de prestações remuneratórias percebidas de boa fé”.
Dos juízes conselheiros que aprovaram a inconstitucionalidade destacam-se Monteiro Diniz (que veio a ser Ministro da República) e Assunção Esteves.
Mas a decisão não foi por unanimidade. O juiz Bravo Serra votou vencido por discordar dos outros dez juízes, referindo na declaração de voto o seguinte:
“ (…) Sendo esta a minha perspectiva, e porque leio o artigo 28º do Estatuto Político-Adeministrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) no sentido de o critério que aí se visou ser o de haver uma equiparação ou, se se quiser, uma correspondência entre as remunerações dos deputados da Assembleia Legislativa daquela Região e as remunerações dos Deputados à Assembleia da República, com as adaptações que se tornem necessárias impostas pela especificação regional, o que vale dizer que unicamente se deixou por concretizar os valores dessas remunerações – concretização que seria levada a efeito por diploma emanado da Assembleia Legislativa Regional -, então sou levado a concluir que o falado artigo 28º não ofende qualquer norma ou princípio constitucional (…) como na vertente de o Decreto Legislativo Regional nº 1/93/M, de 5 de Fevereiro, sofrer, por si e também consequentemente, de idêntico vício”.
(continua)


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Não sejam coveiros da Autonomia (2)

Na sequência do texto da semana passada, verifica-se que foi pelo facto de o nº 2 do artº 1º da Lei 4/85 não incluir os membros do Governo e os deputados das regiões autónomas, pelo respeito do poder autonómico, que aquela lei não abrange os titulares de cargos políticos destas regiões. Foi precisamente por isso que a Assembleia Regional, na sessão plenária em 30 de Abril de 1985, aprovou o DLR nº 14/85/M que adapta aquela lei à Região, quanto aos artigos 24º a 31º do Título II .
O preâmbulo do decreto legislativo regional refere que “é necessário agora, como de elementar justiça, adaptar à especificidade da Região Autónoma da Madeira a Lei nº 4/85, de 9 de Abril, através do competente órgão de governo próprio”.
O artº 1º do DLR 14/85/M estabelece que “É aplicado aos membros do Governo Regional da Madeira e aos deputados à Assembleia Regional da Madeira o título II da Lei nº 4/85, de 9 de Abril”. Aquele título é o que trata da atribuição das subvenções dos titulares de cargos políticos da Assembleia da República e dos membros do Governo da República.
O art. 2º, nº 1, do DLR 14/85/M refere que “Os deputados à Assembleia Regional da Madeira percebem mensalmente um vencimento correspondente aos deputados à Assembleia da República, menos a diferença entre as letas A e B da tabela de vencimentos dos funcionários da Administração Púlica”.
Por sua vez, o artº 5º estabelece que “Mantêm-se em vigor todas as disposições legais referentes ao estatuto dos membros do Governo Regional da Madeira que não sejam contrariadas pelo presente diploma”. O estatuto dos membros do Governo referido naquele artº 5º está estabelecido no Decreto Regional nº 2/76, de 21 de Outubro, referindo no seu artº 13º, nº 1, que “Os membros do Governo Regional vencerão pela letra A, a que acrescem 1000$ mensais para cada Secretário Regional e 4000$ para o Presidente do Governo Regional”.

Em 1985, vigorava o Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto-Lei nº 318-D/76, de 30 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 427-F/76, de 1 de Junho, estabelecendo no artº 18º, nº 3, que os deputados têm direito a “subsídios a determinar em decreto regional”.

A primeira lei que alterou os artºs 24º, 26º, 27º, 29º e 31º do Título II da Lei 4/85 foi a Lei nº  16/87, de 1 de Junho. O que de relevante consta daquela alteração é o facto de o arº 27º , nº 1,  passar a referir que “A subvenção mensal vitalícia prevista no artº 24º é cumulável com pensão de aposentação ou de reforma a que o respectivo titular tenha igualmente direito, com sujeição ao limite estabelecido nos Decretos-leis nºs. 410/74, de 5 de Setembro, e 607/74, de 12 de Novembro”. E o nº 3 do mesmo artigo estabelece que “O processamento da subvenção mensal vitalícia é feito pela Caixa Geral de Aposentações”.

Com a entrada em vigor do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, são feitas algumas referências aos direitos dos membros do Governo Regional e dos deputados da Assembleia Legislativa, sem especificar quantias de natureza financeira e nada referir expressamente ao que está previsto no Título II da Lei 4/85, alterada pela Lei 16/87. Apenas o artº 28º, refere que “A Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República aos deputados àquele Assembleia” e o artº   48º, nº 2, quanto ao estatuto dos membros do Governo da República aos membros do Governo Regional.
 (continua)



terça-feira, 24 de novembro de 2015

Não sejam coveiros da Autonomia (1)

Notícias vindas a público revelam que a Assembleia Legislativa da Madeira iniciou o processo para rever o Estatuto Político-Administrativo. Embora seguindo o estabelecido no artigo 226º da Constituição da República, no artigo 37º, alínea a), do Estatuto em vigor, e nos procedimentos regimentais (arigo 165º e seguintes), é necessário que a Comissão Eventual para aquele efeito tenha um cuidado muito especial para não incluir no projeto de alteração normas de natureza remissiva quanto à definição do estatuto dos deputados e dos membros do Governo Regional.
Em 1999, com a alteração do Estatuto, o texto final foi enviado para a Assembleia da República. Em 28/06/1999, pela Resolução 16/99/M a Assembleia Regional aprovou por unanimidade as alterações propostas por aquela Assembleia que, no dia 2 de julho daquele ano, aprovou por unanimidade o texto definitivo, publicado pela Lei n.º 130/99.
Por ter participado na revisão do Estatuto, nunca imaginei que a norma do nº 19 do artigo 75º, estabelecendo que “O regime constante do Título II da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 16/87, de 1 de Junho, 102/88, de 25 de Agosto, e 26/95, de 18 de Agosto, aplica-se aos deputados à Assembleia Legislativa Regional e aos membros do Governo Regional”, servisse de arma mortífera contra a Autonomia da Madeira,  usada por órgãos de soberania agindo como se fossem coveiros da Autonomia.

O Título II da Lei nº 4/85 (artº 24º a 31º)  trata das subvenções dos titulares de cargos políticos (ex: deputados da Assembleia da República e membros do Governo da Republica), nas modalidades de «subvenções vitalícias» e «subsídio de reintegração», definindo forma de cálculo, acumulação e direito por incapacidade e, no caso de morte, o direito do cônguge sobrevivo e dos filhos a uma percentagem.
A condição para ter direito a «subvenções vitalícias» é ter exercido o cargo durante 8 ou mais anos, seguidos ou interpolados. Este direito passou a ser de 12 ou mais anos, com a alteração feita pela Lei nº 26/95. E com a Lei nº 16/87 a subvenção mensal vitalícia é cumulável com pensão de aposentação ou de reforma, com sujeição ao limite da subvenção base do cargo de ministro.
É atribuído um «subsídio de reintegração» a quem não tivesse exercido o cargo durante 8 (depois) 12 anos “durante tantos meses quantos os semestres em que tiverem exercido esses cargos, de montante igual ao vencimento mensal do cargo à data da cessação de funções”.

Uma questão que pode e deve ser colocada é a de saber a razão de a Lei 4/85 apenas ser aplicada aos deputados da Assembleia da República, membos do Governo da República e outros cargos nacionais. A resposta é simples: porque já estavam institucionalizadas as duas regiões autónomas dos Açores e da Madeira e, naquela altura, houve o cuidado de deixar a definição do estatuto dos deputados regionais (incompatibilidades, remunerações, subvenções…) para diploma regional próprio e, depois, a obrigatoriedade de incluir essa matéria no estatuto político-administrativo de cada região.
Por isso é que o artº 1º da Lei 4/85 especifica:
“1 – O presente diploma regula o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.
2 – São titulares de cargos políticos, para efeitos do presente diploma: a) O Presidente da República; Os membros do Governo; Os deputados à assembleia da República; Os ministros da República para as regiões autónomas; Os membros do Conselho de Estado.
3 – São equiparados a titulares cargos políticos para os efeitos da presente lei os juízes do Tribunal Constitucional”.
(continua)



segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Estatísticas do Emprego são irreais

O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado no corrente ano, intitulado «Perspetivas Sociais e de Emprego no Mundo - Mudança nas modalidades do emprego», confirma que os critérios estatísticos  do mercado laboral não refletem a realidade social nos países da União Europeia e noutros que odotam semelhante critério que é aplicado desde 1993. E nós, parvos, julgávamos que o Eurostat e os INE`s dos Estados tinham um sistema de contagem tão apurado que refletia todas as situações laborais: o número exato da população ativa e inativa; o número real de desempregados; os trabalhadores que não contam para o número de desempregados por estarem em cursos de formação; os que estão a recibo verde e/ou a tempo parcial; o serviço doméstico que não conta para o número de desempregados; os que emigram por não arranjarem trabalho…! 
É, na verdade, percetível a existência de um rol de situações na atual Classificação Internacional da Situação no Emprego que está desajustado da realidade. Essa constatação levou a 19ª Conferência Internacional dos Estaticistas da OIT, realizada entre os dias 2 e 11 de outubro de 2013, em Genebra, a iniciar o processo de revisão. Ainda bem que o Eurostat reconhece a necessidade da revisão, em coordenação com o respetivo organismo dos Estados membros, prevendo a entrada em vigor dos novos critérios para 2019. Até lá, continuaremos desconexados com a realidade social, que mostra mudanças profundas na economia global incapaz de fazer aumentar postos de trabalho.
A OIT reconhece que o “emprego informal continua a ser comum em muitos países e, na base das cadeias de abastecimento mundiais, os contratos de muito curta duração e os horários de trabalho irregulares estão a tornar-se uma prática generalizada”, sendo cada vez menos representativo o emprego clássico. Outra constatação é o facto de “os trabalhadores temporários e da economia informal, os trabalhadores a tempo parcial e os trabalhadores familiares não remunerados, muitos dos quais são mulheres, também são desproporcionalmente afectados pela pobreza e exclusão social”. Pelo que as políticas públicas devem ser tidas em consideração para garantir a proteção adequada para os trabalhadores em todas as novas modalidades de emprego.
No âmbito da legislação da União Europeia, a recente decisão do Conselho, do dia 10 do corrente mês, refere que é encorajada a ratificação das convenções internacionais sobre o trabalho classificadas como atualizadas pela OIT, com vista a contribuir para os esforços da União para a promoção dos direitos humanos e do trabalho digno para todos e para erradicar o tráfico de seres humanos dentro e fora da União, em que a proteção dos princípios e direitos fundamentais no trabalho constitui um aspeto fundamental.
A Convenção sobre o trabalho forçado, de 1930, da OIT, completada pelo Protocolo de 2014, é uma convenção fundamental da Organização Internacional do Trabalho e tem incidência sobre as regras que fazem referência às normas laborais fundamentais.
Além disso, os Estados-Membros são autorizados a ratificar, no que se refere às partes que incidem sobre matérias da competência da União nos termos do artigo 153.o, n.o 2 do TFUE, o Protocolo de 2014 relativo à Convenção sobre o trabalho forçado, de 1930, da Organização Internacional do Trabalho, além de que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para depositar os respetivos instrumentos de ratificação do Protocolo junto do Diretor-Geral do Secretariado Internacional do Trabalho o mais rapidamente possível, de preferência até 31 de dezembro de 2016.



terça-feira, 10 de novembro de 2015

A praga da Ação Executiva

Na sequência da recente realização do I Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução da Comarca da Madeira, o Bastonário e o presidente da Delegação de Lisboa da Ordem falaram do drama dos cerca de 3 500 processos que estiveram encravados nas “gavetas” de uma tal Agente de Execução, Maria João Marques. E que a Ordem atua disciplinarmente nos casos de condutas ilegais de associados. Recordo que o JM, de 02/02/2015, noticiou que o Agente de Execução, do Continente, “Francisco Duarte, fica em prisão domiciliária (…) até estarem reunidas as condições técnicas para a colocação da pulseira electrónica”.
Nada tenho a ver com nenhum daqueles Agentes de Execução, nem confundo a árvore com a floresta, porque em todas as profissões existem muitas marias marques e franciscos duartes!

Até o dia 15/9/2003, as ações executivas foram sempre atribuídas aos tribunais, sem qualquer influência externa. Com o Dec-Lei 38/2003, de 8 de março, o Governo de Durão Barroso introduziu no instututo das ações executivas uma espécie de praga ao privatizá-las a favor dos solicitadores de execução (designados em 2009, como agentes de execução), a quem foram atribuídos poderes importantíssimos nas diligências processuais, deixando apenas aos tribunais o papel de controlo e supervisão do processo. Foi reduzida a intervenção do juiz no processo executivo mas passou a ser uma espécie de fiscal controlador da atividade do agente de execução.
O preâmbulo daquele dec-lei, aprovado em Conselho de Ministros de 20/12/2002 e subscrito por Durão Barroso, Manuela Ferreira Leite, Celeste Cardona e Bagão Félix, refere que “Os atrasos do processo de execussão tem-se traduzido em verdadeira denegação da justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça (…) e os factores de bloqueio do processo executivo (…)”.
Se a privatização do processo executivo teve como fundamento torná-lo mais célere, o certo é que obrigou a mais leis criadoras de nova burocracia, em vez de reformular e atribuir mais meios humanos e técnicos aos tribunais. Por estranho que pareça, o novo modelo acabou por ser pior do que existia nos tribunais naquele domínio, tendo sido necessário criar um sistema informático de suporte da atividade dos agentes de execução (SISAAE).

A degradação constante do novo figurino obrigou o Governo do PS, em 2008, a uma intervenção para reformular a reforma de 2003. Depois de um consenso político na Assembleia da República, concretizado pela Lei 18/2008, de 21/4, estavam em causa garantir três objetivos: simplificar e desburocratizar; promover a eficácia das execussões, através de uma comissão para o efeito – a CPEE; evitar ações judiciais desnecessárias, tendo sido criada a Lista Pública de Execuções.

A CPEE, com 11 membros, inicou as suas funções no dia 31/03/2009, dispondo do poder de acesso a todas as informações sobre a ação executiva. Emite recomendações, garante a qualidade técnica dos agentes de execução e faz relatórios da sua atividade. Desde 31/03/2009 até final do ano de 2010, a CPEE destituiu 6 agentes de execução, suspendeu de funções 21, com bloqueio das contas-clientes, como medida cautelar; suspendeu 5 de receberem novos processos, como medida cautelar; instaurou 258 processos disciplinares; expulsou 3 de funções; fiscalizou 731 agentes de execução. Nos anos subsequentes, a sua atividade não parou, até ser substituída pela CAAJ – Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, criada pela Lei 77/2013, de 21/11, abarcando aqueles auxiliares os agentes de execução e os administradores judiciais, bem como outros auxiliares da justiça que a lei determine.



segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O PS-Madeira de 1 de setembro de 1974

Com a «Revolução de Abril de 1974», não tardou muito tempo para o Partido Socialista estender a sua acção à Madeira. Gil Martins, um dos fundadores do partido na Alemanha, regressou à Madeira em junho de 1974, tendo a tarefa política de encontrar aderentes junto das pessoas mais identificadas com a esquerda. Os primeiros contactos levados a cabo por Gil Martins teriam sido junto dos padres progressistas do Pombal.
Com reuniões, primeiro em casas particulares e depois na sua sede da Rua de João Tavira, o certo é que o recrutamento foi avançando até que, no dia 01/09/1974, o grupo dinamizador fez a inscrição oficial dos primeiros aderentes ao Partido Socialista. Poder-se-á, assim, considerar que a data oficial da criação do PS-M foi naquele primeiro dia de setembro do ano da Revolução.

Mas o papel desenvolvido pelo grupo dinamizador do PS não se limitou a encontrar e inscrever aderentes. Teve também a função de participar em reuniões com as entidades oficiais com vista a definirem a estratégia administrativa regional na fase de transição. Não se poupou a manifestar-se publicamente sobre a situação política então vivida, preocupando-se com a realidade madeirense e do futuro da Autonomia. Daí, no dia 08/11/1974, a Secção do Funchal (assim era designada a estrutura regional) assinou e fez publicar no Diário de Notícias do dia 10 um memorando que analisa a problemática sócio-económica da Região e propondo algumas medidas gerais para a sua resolução. Aliás, não só foi o primeiro documento em defesa da descentralização do Poder Político e da Autonomia, como também o primeiro Partido a fazê-lo.
O PS, no memorando de Novembro de 1974, teve em conta:
- “O Estado fascista nunca tratou os madeirenses como portugueses de pleno direito”;
- reclama  “a anulação do estatuto de autonomia fascista e colonial de Marcelo Caetano”;
- propôs “a construção de uma nova autonomia baseada numa Assembleia Regional”;
- critica os “ grupos ligados à burguesia parasitária madeirense”;
- defende a “reforma administrativa e financeira e o planeamento total do arquipélago com vista a ultrapassar a  falta de estruturas e a incapacidade das existentes”;
- “dar  garantias de autonomia financeira e administrativa com um Plano Regional controlado politicamente por uma Assembleia eleita por sufrágio regional”;
-  refere que  “a economia madeirense continuava a ser uma economia de sobrevivência”;
- utilizando o conceito de economia planificada, então vigente no programa e discurso do PS,  afirma com  convicção  que “Vive-se ainda com demasiada fé nos mecanismos de mercado, sem dar atenção à planificação com finalidade social das actividades”;
- propunha-se “acabar com o regime da Colonia defendendo uma reforma agrária e a reestruturação do artesanato (bordados e obra de vimes) e a implementação da construção civil”;
- propôs que “ A economia da Madeira necessita de soluções especiais devido à sua tipicidade e à sua unidade geográfica que só devem ser limitadas no que vierem a contrariar os interesses nacionais (...)”, acrescentando que “o PLANO ECONÓMICO DO PAÍS não é a simples soma dos planos das suas regiões”;
- propõe que “a Madeira seja declarada zona piloto de planificação regional”.

O PS continuou a sua campanha de implantação na Região solicitando escolas para sessões de esclarecimento e encontro de jovens no Ginásio da Escola Industrial e fazendo comunicados sobre vários aspectos da vida social e económica madeirense.
Dois anos depois, a Autonomia constitucionalmente consagrada determinou uma via que, em muitos planos de ação, abarcou algumas propostas do PS-M.



segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Um Cavaco impertinente e sectário

“Serei Presidente dos Portugueses que me honraram com o seu voto mas também daqueles que o não fizeram. É perante todos, sem excepção, que aqui assumo o compromisso solene de cumprir e fazer cumprir a Lei Fundamental da nossa República”.
Cavaco Silva - discurso na tomada de posse na Assembleia da República, 09/03/2011
“Das eleições para a Assembleia da República dependerá também a formação do novo Governo, não sendo admissíveis soluções governativas construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e dos partidos políticos (…) para alcançar a estabilidade, é frequente na Europa formarem-se governos de coligação. Dos 28 governos dos países da União Europeia, 23 são governos de coligação de dois ou mais partidos. Cabe aos partidos a responsabilidade pelo processo de negociação visando assegurar uma solução governativa estável e credível que disponha de apoio maioritário no Parlamento. Os acordos interpartidários, como é evidente, só têm consistência e solidez se contarem com a adesão voluntária e genuína das forças políticas envolvidas (…)  por isso, no dia 4 de outubro, todos os cidadãos devem exercer o seu direito de voto, de forma livre, consciente e informada” .
Cavaco Silva -  22/07/2015
“Das eleições para a Assembleia da República dependerá a formação do novo Governo. Não são admissíveis soluções governativas construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e das forças partidárias”.
Cavaco Silva -  03/10/2015.
“Tendo em conta os resultados das eleições para a Assembleia da República, em que nenhuma força política obteve uma maioria de mandatos no Parlamento, encarreguei o Dr. Pedro Passos Coelho de desenvolver diligências com vista a avaliar as possibilidades de constituir uma solução governativa que assegure a estabilidade política e a governabilidade do País”.
Cavaco Silva -  06/10/2015
“Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador (…) se o Governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o País precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas”.
Cavaco Silva -  22/10/2015

Um Cavaco impertinente e sectário é o que temos e o que tivemos. Certamente lembram-se: “as acções vendidas na Bolsa são «gato por lebre»; acabou com o IX Governo Constitucional (do Bloco Central) quando chegou à liderança do PSD; construiu o Centro Cultural de Belém deixando derrapar o seu custo em milhares de contos; deixou um “buraco” na Segurança Social de 330 milhões de contos; deixou (1994) o país com um défice de 6,2% e a dívida em 70,4% do PIB; deixou a agricultura e as pescas com estrangulamento estrutural; em 1994, gastou 22 milhões de contos a mais nos concursos das grandes obras públicas; no último Governo, todos os ministérios integraram nos seus quadros dezenas de assessores, adjuntos e altos funcionários, fazendo aumentar o número de funcionários públicos.
Já agora, não foi um Cavaco que transformou em piscina de 10 metros, escavacando a horta que Salazar tinha deixado nos jardins do Palácio de São Bento?




terça-feira, 20 de outubro de 2015

O «Tratado Orçamental» é uma fraude

Quando, a 7/2/1992, os doze Estados membros da União Europeia subscreveram, em Maastricht, o Tratado da União Europeia, ficou consagrado no artº 104-C o princípio de que “Os Estados membros devem evitar défices orçamentais excessivos”, cujos valores de referência foram especificados em Protocolo anexo, estabelecendo:
- “3% para a relação entre o défice orçamental programado ou verificado e o produto interno bruto a preços de mercado;
- 60% para a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto a preços de mercado”.

Na assinatura daquele tratado, conhecido por Tratado de Maastricht, Portugal foi representado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, João de Deus Pinheiro, e pelo Ministro das Finanças, Jorge Braga de Macedo. E, depois, foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 40/92, a 10/12/1992, ratificado pelo Presidente da República, Mário Soares, a 17 daquele mês, tendo sido referendado nesse mesmo dia pelo Primeiro-Ministro, Cavaco Silva.

Ao longo dos anos, a rigidez daqueles valores foram sempre ultrapassados por quase todos os Estados membros, mesmo por aqueles que são considerados o motor da economia europeia e que impõem medidas destruidoras aos Estados financeira e economicamente mais frágeis. Apesar disso, exigem a subjugação de Estados a tomar medidas para atingir um défice orçamental de 3% do PIB e a não ultrapassar a dívida em 60% do PIB. Apesar de haver exceções temporárias para tal cumprimento, desde que as circunstâncias o justifiquem, os governos subservientes de direita, em vez de cortarem nas “gorduras do Estado”, fazem os cidadãos apertar o cinto, cortando salários, pensões, congelando careiras dos funcionários públicos, aumentando os impostos e reduzindo o investimento. Tudo em nome dos «mercados» – credores – que exigem o seu direito de preferência no pagamento do dinheiro que emprestam.

Foi precisamente devido às políticas financeiras especulaticas movidas pelos incompetentes dirigentes europeus que surge a ideia parasitária de fazer aprovar o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, abreviadamente designado «Tratado Orçamental». O argumento foi estabilizar a zona euro e recolocar a Europa na rota do crescimento económico e do emprego, mas exigindo mais apertada disciplina orçamental do que a estabelecida no Tratado de Maastricht: o défice estrutural passaria a ser de 0,5% do PIB a preços de mercado, e se a dívida pública exceder os 60%, o Estado membro deve reduzi-la um vigésimo por ano como padrão de referência. Sem alterar o Tratado de 1992, este novo Tratado é uma verdadeira fraude no direito europeu, a qual estende-se aos Estados subscritores.

Aprovado em Bruxelas a 2/3/2012, o Reino Unido e a República Checa não  subscreveram o Tratado Orçamental, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013. Portugal, com o obediente Governo de Passos Coelho, foi o primeiro Estado a ratificar aquele Tratado, o que aconteceu pela Resolução da Assembleia da República nº 84/2012, aprovada no plenário de 13 de Abril de 2012, e ratificado por Cavaco Silva a 25 de Junho do mesmo ano.

Proposta a ratificação pelo Governo, naquele fatídico dia 13/4/2012 o fraudulento Tratado Orçamental foi aprovado pelo PSD, CDS e PS. Votaram contra o PCP, BE e Verdes.
Dos deputados do PS, Rui Pedro Duarte e Pedro Alves abstiveram-se e fizeram declaração de voto. Os deputados do PS, João Galamba, Isabel Moreira e Pedro Nuno Santos votaram a favor mas fizeram declaração de voto. Dos deputados do PSD, Duarte Pacheco e Miguel Frasquilho, embora votando a favor, fizeram declaração de voto.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Que Governo teremos?

Após seis governos provisórios e dezanove após a aprovação da Constituição da República, segue-se o vigésimo, sem ainda sabermos como e por quem será constituído. No dia em que escrevo este texto, quem está a dialogar com todos os partidos representados na nova Assembleia da República é António Costa. A maioria relativa da coligação «PàF» está expectante quanto a saber se o PS apoia um governo PSD/CDS ou se forma um governo apoiado pelo BE e pela CDU.
Como é o PS que tem a chave e a decisão na mão, estamos num momento histórico de ser possível um governo do PS, desde que o BE e a CDU (PCP e Verdes) o queiram. Mas se isso acontecer é necessário as três forças políticas acertarem os termos de um acordo escrito que seja cumprível. Sabemos as diferenças programáticas entre o PS e os restantes. Aquele mais moderado ao centro-esquerda, estes com políticas radicais e antagónicas em pontos-chave da vida nacional: quanto à União Europeia, Euro, Tratado Orçamental e Programa de Estabilidade…
Se o PS, BE e CDU abdicarem de algumas propostas fraturantes e desde que encontrem um caminho largo a percorrer para atingir uma meta que seja favorável e que a coligação «PàF» não seja capaz de o fazer, não vejo razão para não experimentar um governo PS com apoio parlamentar daqueles partidos. E o PS a apoiar a nova coligação? Se houver impossibilidade com os restantes, a alternativa pode ser óbvia, mas com segurança e compromissos com Passos Coelho e Paulo Portas só escritos, não vá o diabo tecê-las.
Relevante é o facto de 2 734 770 votos serem o total do PS, BE e CDU. E 1 979 132 votos foi quanto a coligação «P à F» obteve.

Para mal dos pecados socialistas, foi António José Seguro e o seu grupo parlamentar na Assembleia que fez coro múltiplo na aprovação do Tratado Orçamental, subjugando-se a ordens impostas não só do exterior, mas também vindas do Governo PSD/CDS, obrigando o País a cumprir metas orçamentais mais restritivas do que aquelas que vigoram no Tratado de Maastricht, desde 1992. Para a direita europeia e nacional, a ação é aprovar tratados de qualquer maneira, numa diarreia legislativa, em estado de mendicidade política. 

A discussão de projetos de resolução na sessão da Assembleia da República, no dia 24 de abril de 2015, revelam bem a posição dos partidos proponentes e a recusa do PSD e CDS quanto aos projetos da oposição. Foram rejeitados os projetos de resolução:
- nº 1416/XII (4.ª) que recusa a continuação da política de direita e propõe uma política alternativa, patriótica e de esquerda (PCP);
- nº 1440/XII (4.ª) — Para garantir um caminho de desenvolvimento em Portugal, com justiça e igualdade (Os Verdes);
- nº 1442/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo que proceda a uma revisão do Programa de Estabilidade 2015- 2019 de modo a incluir medidas de política que promovam o investimento, o crescimento e o emprego (PS);
- nº 1443/XII (4.ª) — Medidas necessárias para romper com a austeridade (BE).

Mas foi aprovado o projeto de resolução n.º 1441/XII (4.ª) — Sobre o Programa de Estabilidade 2015- 2019 (PSD e CDS-PP). Com a aprovação desta resolução, a extinta Assembleia da República resolveu:
- Assumir como prioridade para o próximo quadriénio a promoção de um crescimento económico sustentado, criador de emprego e facilitador de uma mais rápida inclusão social; melhorar a remuneração salarial, embora aprovar a estratégia orçamental definida no Programa de Estabilidade 2015-2019; recuperar o emprego e a recuperação do rendimento dos portugueses, constituindo uma nova fase de progresso económico e social.





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Surpresa eleitoral

Na 14ª eleição para a Assembleia da República, as surpresas ultrapassaram o limite das expetativas dos resultados obtidos pelos partidos políticos numa onda inflacionista de concorrentes. Quando alguém quer entrar na política ativa para mandar e ser o primeiro da lista em qualquer tipo de eleição, a via mais certeira é criar um partido político, com ou sem ideologia definida. Por vezes, o tiro sai pela culatra! Foi o que aconteceu nesta última eleição. Trata-se de um dos princípios da liberdade que cheira a oportunismo puro.

Independentemente do que as sondagens anunciaram, a não obtenção de maioria absoluta pela coligação «PàF» constituíu uma das maiores virtudes do ato eleitoral. Com menos de 37% dos votos obtidos pela coligação, apenas em 2005 é que o PSD, por si só, obteve 28,77%, e somado com o CDS tiveram 36%. E quando o PSD, CDS e PPM formaram a AD, a percentagem rondou os 50% dos votos.

O contrário do que se perspetivava há poucos meses, o PS não foi capaz de mobilizar o eleitorado a seu favor. Quando se faz um programa eleitoral é para explicá-lo aos eleitores durante a campanha eleitoral com linguagem clara e percetível a qualquer cidadão. As falhas foram graves, apesar de, ainda assim, ter obtido 32,5% de votos com 83 deputados. Em 2011 a votação apenas chegou a 28% com 74 deputados. Bem fez António Costa não se demitir na noite das eleições. Mas já existem candidatos a exigirem um novo congresso, só porque Costa prometeu ganhar as eleições quando Seguro ficou sem segurança ao propor votação direta para candidato a primeiro-ministro. Este foi, a meu ver, o maior anedotário de António José Seguro que, apesar de ser deputado na Assembleia da República, desapareceu da cena política, mas deixou seguidores que, agora, destroçam o partido, também com Maria de Belém candidata a Belém.

A maior surpresa foi o aumento de votos e de deputados da CDU e do BE. Ambos são como o cão e gato em concorrência a ver quem mais sobe em votos e deputados, mas sem um guia diretivo quando e como se aplica o princípio dos direitos adquiridos, para além de serem seguidores dos que defendem a saída de Portugal do Euro e da União Europeia.
E se o PAN conseguiu um deputado, já os restantes partidos, novos ou mais idosos, demagogos ou alienados, ficaram fora do pote da Assembleia da República, onde querem entrar sem dizer com sinceridade porquê.

No âmbito do círculo eleitoral da Madeira, o PSD perdeu votos e um deputado, ficando com uma percentagem de 37,7%, que foi a mais baixa de sempre. Mesmo quando apenas teve 3 deputados em 1995, 1999 e 2005, a percentagem nunca foi inferior a 45,24%.

O PS-M (2 deputados) e o BE (1 deputado) foram os partidos que beneficiaram da perda do deputado pelo PSD e pelo CDS. A degradação regional e a promessa de Albuquerque em juntar-se à «PàF» como forma de beneficiar a Madeira teria estado na razão pura da baixa de votos. Para além de muitos sociaisdemocratas não terem votado “nesta lista”. O CDS ao não eleger um deputado reflete a não adesão à proclamada “experiência” na Assembleia da República por José Manuel Rodrigues.
O PS-M apenas teve 2 deputados na Assembleia da República nas eleições de 1995, 1999 (com António Guterres) e 3 em 2005 (com José Sócrates). A percentagem naqueles anos foram, de 32,86%, 35,05% e 34,98%. Os quase 21% nesta eleição, também teve a ver com alguns efeito Costa, apesar dos resultados nacionais.
A concentração dos 6 deputados no PSD, PS e BE constituíu uma penalização para os partidos da inflacionada lista do boletim de voto. Todos os que não elegeram deputados perderam o objetivo traçado: eleger pelo menos um deputado…


«PàF» é estrondo de bomba atómica
A coligação «PàF» entre PSD e CDS não passará de um grande estrondo de bomba atómica, destruidor do escondido programa eleitoral de mentira para enganar os incautos, se existir o perigo de ganhar as próximas eleições.
A receita é já conhecida e não resultou, apesar das promessas feitas antes das eleições de 2011. O PSD e o CDS afirmaram ter tudo estudado e previsto para governar o País. Mas, chegados ao poder, todas as medidas aprovadas foram totalmente antagónicas às que prometeram, ampliando as que constavam no acordo com o FMI, Comissão Europeia e BCE.
E se depois do 25 de Abril de 1974 o País não resistiu aos graves problemas financeiros, também resultantes da crise internacional, tendo sido obrigado a recorrer ao FMI, em 1977 e em 1983/1984 (depois da política desastrosa do Governo da AD – PSD+CDS+PPM), ninguém de boa memória poderá invocar que essas duas intervenções financeiras do FMI foram por culpa exclusiva dos seis governos provisórios (1974 a 23/7/1976) e dos oito governos seguintes, em que participaram como primeiro-ministro Mário Soares, Nobre da Costa, Mota Pinto, Maria Lurdes Pintassilgo, Sá Carneiro e Pinto Balsemão.
Mas nada mudou no PSD e no CDS. O querem fazer é repetir a dose.

* Passos Coelho, 30/4/2011:Nós calculámos, por excesso, e posso garantir-vos: não será necessário cortar mais salários, nem despedir gente, se formos governo (…)”

* Paulo Portas (24/5/2011): “Ninguém tem incentivo a trabalhar mais se o produto do seu esforço suplementar for para entregar ao Estado”.

* Passos Coelho, 31/5/2011: Nós não viemos fazer promessas vagas nestas eleições, nós viemos dizer aos portugueses o que é que íamos fazer no governo (…) o PSD preparou-se bem para ser governo, foi o único partido que se apresentou aos portugueses com um programa que não é um mero programa eleitoral, é praticamente um programa de governo”.

* Passos Coelho, 27/10/2011:
 “Não vale a pena fazer demagogia sobre isto, nós sabemos que só vamos sair desta situação empobrecendo – em termos relativos, em termos absolutos até, na medida em que o nosso Produto Interno Bruto (PIB) está a cair (o que estamos a fazer é para sair da recessão, não é para agravar a recessão (…) sinto que estamos a fazer aquilo que é preciso, que a nossa direção é a direção certa”.

* Passos Coelho, 18/12/2011: “Nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que ou consegue fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se como professores, pode olhar para todo o mercado da língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”.

* Passos Coelho, 11/05/2012, na apresentação do Programa Estratégico para o Empreendedorismo e Inovação:
 “Estar desempregado não pode ser um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida”.

* Paulo Portas, em Torres Vedras, 12/5/2012:
“Acho que a economia portuguesa precisa de crescer e não há crescimento sustentado com aumento da carga fiscal. O caminho deve ser disciplinar os gastos do Estado”.

* Passos Coelho, 29/10/2012:
 “Irei, ainda amanhã, formalizar um convite ao PS para que se junte ao PSD e ao CDS-PP e, neste caso, também ao Governo, para, entre o sexto e o sétimo exames regulares da troika, programar a forma como haveremos de encontrar um programa de reavaliação das funções do Estado (…) esta reavaliação é necessária para que o Estado possa assumir as suas responsabilidades, no âmbito do estado social (…) não é impossível que tenhamos de rever alguns aspetos da Constituição para esse efeito, mas não é uma pré-condição”.


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Refugiados sem terra prometida
O atual drama dos refugiados constitui um fenómeno e desacerto humanitário pior que o movimento dos povos revelado pela história da antiguidade oriental e das grandes guerras dos séculos posteriores.
Quando, cerca do ano 1900 antes de Cristo, Abraão deixou a Caldeia e emigrou com seu povo e rebanhos para a Palestina e, depois, para o Egipto, fixou-se nos melhores terrenos agrícolas, tendo-os desenvolvido, chegando a enriquecer e aumentar a população do povo Hebreu. Com inveja da prosperidade dos Hebreus, os Egípcios iniciaram uma violenta perseguição contra aqueles. Apostando na aniquilação dos Hebreus, o faraó egípcio ordenou que fossem lançados ao rio Nilo todos os recém-nascidos varões, filhos de Hebreus. Mas quando o menino Moisés foi salvo do Nilo e se tornou o chefe dos Hebreus, estes quiseram sair do Egipto para regressar à sua terra prometida – a Palestina - mas foram impedidos  pelo rei, porque, embora odiados, faziam falta no trabalho. O êxodo dos Hebreus apenas foi permitido quando o Egipto foi assolado com muitas calamidades, chegando à Palestina 40 anos depois, mas sem o chefe Moisés, por ter falecido.

Quando, em 1940, estavam eminentes ataques da Alemanha, liderada pelo nazi Hitler, a  Gibraltar que foi transforma numa base militar, cerca de 14 mil gibraltinos foram obrigados a abandonar tudo o que tinham e refugiarem-se noutros países até terminar a II Guerra Mundial. Daqueles refugiados, a Madeira prontificou-se a acolher cerca de 2500, tendo chegado ao Funchal entre 21 de julho e 13 de agosto daquela ano, na sua maioria mulheres e crianças. Ficaram instalados em casas particulares, pensões e hotéis, integrando-se perfeitamente na sociedade madeirense.

Por causa de guerras de natureza diferente, mas causadoras de insegurança e fome, o século XXI está a ser fértil em refugiados que estão localizados em alguns países do norte de África e no Médio Oriente. Dos cerca de 20 milhões de habitantes da Síria, cerca de 12 milhões estão deslocados. Mas já desde 1991 funciona o Centro Português de Refugiados e, em 2005, vieram para Portugal alguns refugiados da Palestina. E, desde 2006, o Centro de Acolhimento, na Bobadela, já acolheu centenas de refugiados.
Agora, nem há “terra prometida” porque os migrantes/refugiados da nova vaga desesperam por encontrar refúgio em países, cujos governos a muito custo os aceitam. Querem entrar em países da União Europeia, onde os fracos e hipócritas dirigentes são incapazes de tomar medidas rápidas de acolhimento de milhares de deslocados que fogem da morte, acabando por encontrar entraves de toda a ordem com ausência de proteção. E muitos morrem sem atingir o desejado destino. Não há rio Nilo mas há Mar Mediterrâneo que serve de sepultura a muitos dos cerca de 500 mil deslocados!

Muitos «muros da vergonha» foram e são construídos para travarem o avanço seguro dos migrantes e refugiados. Nem convenções internacionais, nem Tratado de Chengen dão adequada proteção internacional a quem não tem outra forma de sobreviver senão deixar tudo o que tem e partir para lugar incerto. Nem são emigrantes nem terroristas.  É a sobrevivência que está em causa.
A Hungria, país membro da União Europeia, construiu muros de arame farpado para estancar a entrada de refugiados, sem oposição dos dirigentes das instituições europeias. Mas outros muros, noutros países e regiões do globo foram construídos com fins semelhantes. A Muralha da China, estrutura de arquitetura militar, tinha a função de defesa. O Muro de Berlim servia para impedir a passagem de pessoas da Alemanha de Leste para ocidente. O muro na fronteira dos Estados Unidos da América com o México, iniciado em 1994, serve para impedir a entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos.
Da história dos imigrantes ilegais/refugiados ressalta, atualmente, duas questões importantes a ter em conta: a primeira é haver capacidade dos governos para estancar a saída de população, modificando e acabando com fatores militares, económicos e sociais que estão na origem dos movimentos dos povos para lugares não garantidos; a segunda é aceitar nos países de destino os que não podem regressar ao país de origem, tratando-os como pessoas de direito, mas cuidando da sua segurança e enquadramento no meio, sem demagogia e sem laxismo. A Madeira pode e deve dar o exemplo dos Gibraltinos!




quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Emigrantes que não votam
Apesar do nº 2 do artigo 44º da Constituição da República (CRP) garantir aos cidadãos o direito de emigrarem, já quando se trata de atribuir o direito de voto a mesma CRP e as respetivas leis eleitorais contemplam graves contradições e limitações, conforme se trata de eleições europeias, nacionais, regionais e locais.
O recenseamento e o voto dos emigrantes nos consulados ou em postos suplementares no estrangeiro não incentiva o dever cívico de votar. Outra das contradições é o facto de se verificar que o número de recenseados no estrangeiro nada tem a ver com o total de emigrantes e seus descendentes com nacionalidade portuguesa. É que o recenseamento é obrigatório para os residentes no território continental e nas regiões autónomas, mas não é para os portugueses que vivem nos países de acolhimento.

Dados referentes a 1998, fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, apontam para a existência de 1.256.800 portugueses na Europa e 3.280.388 fora da Europa. Ora, bem vistos estes números, que razões existirão para que dos 4.537.188 emigrantes portugueses (cerca de um milhão são de origem madeirense) apenas 162.612 estejam inscritos no recenseamento eleitoral?
E que apenas votaram nas eleições para a Assembleia da República de 2002, 39.711 (24,42%)?
Nas eleições de 2011 para a Assembleia da República, apenas estavam inscritos 195 111 emigrantes nos cadernos eleitorais (75 053 na Europa e 120 058 fora da Europa). Mas apenas votaram 33 311 (18 191 na Europa e 15 120 fora da Europa) equivalente a 17,7% dos inscritos.

Outro dado anacrónico revela disparidade com os números referidos. É o facto de, na primeira eleição para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), realizada em 27 de abril de 1997, estarem inscritos nos Consulados portugueses 2.520.485 emigrantes, tendo apenas votado 34.529. Ou seja, dos quatro milhões e meio de emigrantes, pouco mais de metade está inscrita nos Consulados e podia votar para o CCP, mas somente 178 mil, naquele ano, estavam inscritos no recenseamento eleitoral com direito a voto para a Assembleia da República! No fundo, a realidade da emigração portuguesa tem muito que se diga: baralha os resultados eleitorais quanto à abstenção; os novos emigrantes não se riscaram dos cadernos eleitorais e não votarão nas próximas eleições porque não sentem confiança nos governantes que os aconselharam emigrar. Passos Coelho, em 30/4/2011 garantiu “não cortar mais salários, nem despedir gente” e o seu ministro Miguel Relvas, em 7/1/2012, concretizou: “Se nós olharmos para a nossa história, sabemos que sempre que nos encostaram ao oceano foram os momentos de maior glória da nossa história. A verdade é que nos últimos 20 anos estivemos demasiado preocupados com a Europa (…) Portugal é forte quando olha para o mundo (…) está na hora de sabermos aproveitar essa condição natural dos portugueses, pois foi também por dificuldades que vivemos à época que nós fomos à vida, à procura de outros mundos e de outros mercados”.

De julho de 2011 a junho de 2012 emigraram 65 000 jovens. Nos últimos 4 anos (2011 a 2014) emigraram cerca de 400 000 portugueses. Nestes, estão muitas centenas de madeirenses. O fenómeno nacional e regional é aterrador e pior que a fuga à tropa por causa da Guerra Colonial, entre 1961 e 1974. Com a grave situação da perda constante de população ativa e ausência de nascimentos. A estimativa atual de emigrantes madeirenses e seus descendentes até a terceira geração é cerca de 1 110 000. Em 1960, a população residente na Madeira era de 268 937. O censo de 2011 indica apenas 267 785.




terça-feira, 8 de setembro de 2015

 Da emigração tradicional ao êxodo atual

“Emigrante, vou partir,
Levo uma esperança a sorrir
Dentro do meu coração.
Porque não hei-de cantar
Se vou em busca do pão?!”

1938 - In Canção do Emigrante da Revista «Sol de Inverno».

Com maior ou menor fluxo a Madeira foi sempre terra de emigrantes, quer no conceito tradicional do termo, quer no atual conceito de sazonalidade. Os primeiros são os que, desde o século XVI, procuraram trabalho fora da Madeira. Os segundos são tidos como os que vão trabalhar, por curtos períodos, para países europeus. Hoje, estes últimos transformaram-se já em emigrantes definitivos, porque a Autonomia da Madeira, consagrada constitucionalmente em 1976, não foi capaz de fixar os madeirenses no seu território. Diria que temos uma Autonomia que expulsa a população ativa! Com a adesão de Portugal à União Europeia, o fenómeno da livre circulação de trabalhadores contribuiu para que o conceito de emigrante tomasse outro sentido, embora na prática continuem a existir emigrantes que parecendo sazonais são permanentes. 

Não se pode analisar a Região sem ter em conta o fenómeno emigratório passado e presente. Ele tem reflexos nas remessas financeiras e também na baixa do desemprego. Se tivermos em conta a análise comparativa entre o número de desempregados e de emigrantes ao longo dos tempos, verificamos que, sempre que aumenta o número de pessoas que emigra, baixa a taxa de desemprego. Também a emigração tem efeitos na população residente.
Nas suas memórias, Frei Gaspar da Madre de Deus refere que, por volta de 1525, já havia emigrantes madeirenses na Capitania de São Vicente do Brasil, especialmente empenhados “na introdução e ensino da cultura da cana sacarina” e que “Antão de Leme, madeirense de nascimento, era juíz ordinário” daquela Capitania.
Na «Epopeia do Emigrante Insular», Mota de Vasconcelos refere que em 1753 saíram muitos indivíduos para os Estados Unidos da América, quase sempre clandestinamente, para fugirem “à miséria que afligia a população da Madeira”. E que em 1792 emigraram muitas famílias madeirense para aquele país por causa da perseguição que os mações sofreram nesse ano. Entre 1835 e 1855 saíram da Madeira “cerca de quarenta mil emigrantes com destino ao Brasil e Estados Unidos da América”. E que “a emigração da Madeira para as Ilhas Canecas (Sandwich ou Hawai) teve início em 1878”, bem como “De 1883 a 1887 saíram novas levas de emigrantes para aquelas ilhas distantes, o mesmo sucedendo em 1809 e 1911, e ainda noutros anos”.
A forte emigração de madeirenses para Demerara teria começado por volta de 1840 e seguintes, em cerca de 5 000 por ano. Desde 1842, o governo inglês pagava os transportes, devido à falta de mão-de-obra. Depois de meados do século XIX, a doença nas vinhas tradicionais da Madeira provocaram um grande fluxo de emigrantes para fugirem à fome.
Entre 1939 e 1950 saíram da Madeira 18 772 emigrantes, não por espírito de aventura, mas por necessidades económicas e, durante os treze anos de Guerra Colonial, milhares de jovens emigraram para fugir à guerra, por vezes famílias completas. Um estudo elaborado em 1979 estimou terem emigrado da Madeira, entre 1961 e 1977, 34.100 pessoas, dos quais 20.100 entre 1961 e 1974 (fase da Guerra Colonial).

Os emigrantes de hoje abrangem também jovens licenciados com as mais diversas formações académicas para fugirem à «guerra financeira» e aos ataques ao desenvolvimento e à redução acentuada de salários. O fenómeno é tão grave que é bastante revelador da acelerada decadência da economia da Madeira.




segunda-feira, 31 de agosto de 2015

QUESTÕES SOCIAIS DOS EMIGRANTES

Os emigrantes madeirenses e os de outras regiões do Continente, nos países de acolhimento não tratam apenas de negócios. Sentem necessidade extrema de conviverem nos mais variados aspetos sociais, recordando e mantendo as tradições culturais da sua terra. Constituem um veículo da cultura, para além de serem empreendedores em negócios que não teriam oportunidade de alguma vez os promover na sua terra de origem.

Especialmente os que estão radicados nos países tradicionais de acolhimento (Brasil, Venezuela, Curaçau, EUA, Canadá, África do Sul e Austrália) constituíram e manteem: movimentos associativos; grupos folclóricos e conjuntos musicais; emissões de rádio e publicação de jornais; arraiais madeirenses nas igrejas católicas, muitas das quais por si construídas; promovem importantes realizações culturais, incluindo espectáculos musicais e concursos de misses; é constante a deslocação de artistas portugueses, grupos folclóricos e conjuntos musicais às comunidades; muitas Dioceses da Igreja Católica portuguesa, incluindo a do Funchal, teem disponibilizado padres que prestam assistência religiosa aos emigrantes; junto destes não faltam  representações de Bancos portugueses com a finalidade de angariarem depósitos  e concederem financiamento para investimentos em Portugal, agora com reservas de credibilidade devido aos casos de má gestão e falências de grupos financeiros, coisa que antes  era impensável.

A imagem de riqueza que era transmitida nos finais dos anos sessenta e princípios de setenta do século passado, especialmente quando alguns traziam da Venezuela um grande e espampanante carro americano, incentivava ainda mais muitas famílias madeirenses a emigrarem, especialmente as que sentiam dificuldades de sobrevivência, a par  da necessidade dos jovens fugirem à Guerra Colonial. Era a época em que um funcionário das câmaras municipais estava a tempo inteiro a elaborar processos de emigração.

Mas como não há rosas sem espinhos, o sucesso de milhares de emigrantes foi e é, em muitos casos, acompanhado pelo infortúnio de muitos.
Quando, em 1997 e 1998, visitei a Venezuela, tive oportunidade de constatar uma realidade tão diferente da que antes tinha. O envelhecimento dos emigrantes estava a alterar o panorama da comunidade, quer por força da integração total dos descendentes no país de residência, quer com as preocupações de ordem económica e social de muitos emigrantes, especialmente por falta de rendimentos de reforma e de outros apoios sociais. De tal ordem que muitos voltariam à sua terra se alguém lhes pagasse a viagem!
Visitei algumas associações culturais, cujos associados eram cerca de 70% madeirenses ou seus descendentes. Mas fiquei perplexo com a falta de bens culturais (livros, revistas, jornais, etc.), editados no Continente e na Madeira, naquelas associações.

Se o panorama existente na Venezuela foi aquele, certamente não seria diferente nos restantes países de emigração. Por isso, é que não entendi e continuo a não perceber a razão porque os diversos governos regionais, que fizeram dezenas de deslocações às comunidades madeirenses, não tiveram uma política de apoio efetivo no fornecimento daqueles bens culturais. A mesma grave omissão tiveram os governos da República. É que não basta receberem programas de rádio e da televisão.
Também ainda não percebi o que fizeram os conselheiros do Conselho das Comunidades Portuguesas e os do Conselho das Comunidades Madeirenses, bem como os congressistas que, de quatro em quatro anos, se reuniram na Madeira para discutir a política de emigração apesar com denúncia de muitos problemas.


quinta-feira, 27 de agosto de 2015


Reforma da Divisão Administrativa da Madeira (2)

A questão do número de municípios/concelhos na ilha da Madeira deve ser equacionada a partir dos existentes e que reforma poderá ser implementada. Mas é imperioso debater publicamente a reforma a levar a efeito, uma vez que ninguém terá a ousadia de alterar seja o que for sem primeiro haver debates localizados, embora possam e devam existir propostas claras e adequadas a cada realidade. Não esquecendo que qualquer alteração na divisão administrativa tem efeitos nos serviços de finanças e conservatórias com tutela regional e nacional. Mas não serão estes “inconvenientes” que devem impedir a discussão e os acertos adequados. Se fosse por isso, ainda hoje teríamos três Capitanias com reduzido número de municípios.
A questão legal não se coloca, uma vez que a Região tem competência para criar e alterar os municípios existentes, bastando apenas adaptar a lei-quadro da criação de municípios, o que ainda não aconteceu, pelo facto de, ao longo dos 40 anos de autonomia, a Região ter feito tabú quanto a esta temática.

A história da divisão administrativa mostra metamorfoses várias à medida que os municípios/concelhos eram criados e, por vezes, extintos para renascerem de novo. Não se tratando de uma matéria sagrada nem criada por qualquer divindade é, por isso, passível de ser modificada em cada momento, de acordo com os interesses dos cidadãos.
Defendendo eu uma reforma da divisão administrativa, mais ou menos revolucionária e não acomodada à atual cristalização do modelo caduco e ultrapassado no tempo, não faria sentido deixar de apresentar um modelo que, naturalmente, é discutível. É mesmo para discuti-lo que apresento um modelo baseado na fusão de alguns municípios, passíveis de acertos nos seus limites com outros, mas com vantagens numa administração mais consolidada quer em termos financeiros, quer sob o ponto de vista de abrangência geográfica.

A maior revolução será criar o Município do Oeste, abrangendo os municípios da Calheta, Ponta do Sol e Ribeira Brava, passando a freguesia do Campanário para Câmara de Lobos que perderia o Curral das Freiras a favor do Funchal. O novo município ficaria com uma população e área consideráveis e mais consistentes.
Outra mudança será criar o Município do Norte, juntando os municípios de São Vicente e Porto Moniz, ficando com uma população e área mais equilibradas com outros que se manteem como atualmente estão.
Nos municípios que permanecem, o de Câmara de Lobos perde o Curral das Freiras, mas retoma a freguesia do Campanário.
O município de Santa Cruz perde todo o território (ou parte) da freguesia do Santo da Serra que pertence àquele, o qual é integrado no de Machico.

Uma das questões que deve ser discutida é a localização da sede dos novos municípios originados pela fusão de outros. A resolução apenas será difícil para quem não acredita na descentralização dos serviços municipais. Problema que já atualmente se coloca em muitas freguesias afastadas do centro dos municípios hoje existentes.


Proposta para nova divisão administrativa
Municípios
Área
Km2
População
Censo 2011
Atuais municípios abrangidos
Município do Oeste
211,3
29 176
Calheta;  P. do Sol; Ribeira Brava 
(-Campanário)
Município do Norte
161,7
8 434
S. Vicente; Porto Moniz
Município C. de Lobos
38,2
38 247
+Campanário
- Curral das Freiras
Município do Funchal
101,8
113 893
+ Curral das Freiras
Município do Santa Cruz
66,7
42 069
- Santo da Serra 
(S. Cruz)
Município de Machico
83,2
22 764
+ Santo da Serra 
(S. Cruz)
Município de Santana
95,6
7 719

Município do Porto Santo
42,6
5 483