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sábado, 27 de agosto de 2022

 

Conflitos da Autonomia – Abastecimento de Leite à Cidade do Funchal

 

Em 1970 a Junta dos Lacticínios da Madeira relatava a existência de difícil situação em que os lacticínios atravessavam “expressa no relatório de actividades da Junta no ano transacto, vem suscitando o interesse das entidades responsáveis , bem como do público em geral, dada a sua natural repercussão na economia do Distrito (…) a publicação do Relatório da Junta dos Lacticínios da Madeira referente a 1969, põe-nos ao corrente da actividade desenvolvida no ano transacto e da posição da produção e da industria o enquadramento agro-pecuário distrital, de directas incidências na economia insular.

Conforme se acentua no referido documento, muito objectivo e claro, o sector que a Junta dos Lacticínos coordena atravessa um período particularmente difícil, constituindo preocupação da gerência, e atentas as condições em que sobrevive a lavoura madeirense, empregar esforços para que a crise se não avigore. Isto não impede que se verifique visível progresso nalguns aspectos, como seja a melhoria da qualidade higiénica do leite, para a qual concorreu de forma decisiva a acção dos serviços de fiscalização e laboratórios, na intensificação da campanha da vulgarização, fiscalização e classificação, que permitiu continuar a pagar a dotação de fomento de $40 por litro”.

Como tem sido acentuado, um dos factores que mais concorrem para a baixa produção de leite que se vem registando nesta Ilha é, sem dúvida, a desactualização dos preços pagos à lavoura. De tal forma se faz sentir essa desactualização, agravada ainda pela valorização das carnes, pois o proprietário de gado vem procurando no abate das suas reses uma maior compensação para os sacrifícios de vária ordem exigidos pela respectiva exploração, que, apesar dos estímulos concedidos pelo Governo, não se tem conseguido sustar a queda da produção.

Para se modificar o statu quo, depositam-se as melhores esperanças na entrada em funcionamento da unidade fabril da Paria Formosa, que possibilitará o pagamento do leite inteiro e uma melhoria nos preços, além de que se tornará realidade o abastecimento em natureza à cidade do Funchal, satisfazendo os requisitos de ordem higio-sanitária.

À data da publicação deste número do «Serviço Informativo» (107-1970), já a União das Cooperativas Agrícolas e de Lacticínios da Ilha da Madeira terá adquirido, para a sua frota de recolha de leite, dois camiões munidos de depósitos isotérmicos com a capacidade de 6000 litros cada. Estes depósitos, compostos de 3 tanques independentes de 2000 litros de capacidade, destinam-se ao transporte do leite entregue pelos produtores nos postos de recepção e refrigerado nos cinco postos de concentração, que estão projectados, para a estação de tratamento, de onde após a pasteurização e o empacotamento será distribuído aos consumidores (…).

 

Uma das grandes e legítimas aspirações da população local, em matéria de produtos pecuários, acaba de entrar em vias de plena satisfação: abastecimento de leite higienizado e outros produtos complementares, cuja importância, quer do ponto de vista do consumo, quer da produção, desnecessário se torna esclarecer, até porque várias vezes acentuada neste «serviço Informativo».

No dia 6 de Junho findo, foi assinalada, em cerimónia simples, a abertura do primeiro posto de venda de leite classificado, seleccionado e refrigerado, natas frescas, batidos e iogurtos da União de Cooperativas de Produtores de Leite da Ilha da Madeira, a quem foi concedido o exclusivo do abastecimento público (…)”.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

 

Conflitos da Autonomia – Feiras de Gado

 

No âmbito das competências da Junta de Lacticínios da Madeira (JLM) cabe a assistência técnica à produção e à indústria e defender a qualidade do leite. Era importante o apoio que a JLM prestava na realização das diferentes feiras de gado já realizadas em algumas localidades da Madeira.

Desde a primeira «Feira do Gado» nas «Portas da Vila», Santa, Porto Moniz, por volta de 1955, outras tiveram lugar, tais como:

- «I Feira de Gado de Santana», no dia 19 de agosto de 1962, da iniciativa do município e sob o patrocínio da Junta Geral do Distrito e com colaboração da Junta dos Lacticínios, do Grémio da Lavoura, da Cooperativa anexa, e da Circunscrição Florestal do Funchal. A organização da feira esteve especialmente a cargo dos técnicos e funcionários da Junta Geral e da Junta de Lacticínios.

A concentração do gado efetuou-se no sítio da Ribeira do Eixo, “num vasto recinto arborizado, artisticamente embandeirado, oferecendo ao visitante um cenário deveras surpreendente. Ali se encontravam expostos 784 bovinos, 90 caprinos, 46 ovinos, 31 suínos e ainda patos, pombos, cobaios e furões.

No local, foram montados vários «Stands» de propaganda de produtos destinados à lavoura, entre os quais um do Grémio da Lavoura, onde figuravam farinhas alimentares para gado e sementes para forragens, e, ainda, outros de algumas firmas comerciais. Viam-se também expostos em lugar próprio diversos artigos de indústria caseira, como tapetes, panos de linho, cobertores, utensílios de madeira etc.

É de frisar que pela primeira vez na Madeira se realizou um certame desta natureza, com carácter de feira pròpriamente dito. Com efeito, além e figurarem diferentes espécies de animais, não houve apenas o objectivo de se apresentar gado para exposição, mas sim o de transação comercial dos animais e dos produtos expostos” (in boletim «Serviço Informativo da Junta os Lacticínios da Madeira», nº 75, Terceiro Trimestre, 1962).

No dia 21 de julho de 1963, realizou-se a «II Feira de Gado de Santana», no mesmo lugar da anterior.

 

- «I Feira de Gado de Ponta do Sol», realizada no dia 7 de julho de 1963, no sítio do Lanço de Água, freguesia dos Canhas. Ali deu-se a concentração do gado e a instalação de «Stands» da Cooperativa Agrícola, anexa ao Grémio da Lavoura e de algumas firmas comerciais. Foram apresentados 1.010 animais de várias espécies entre os quais 838 bovinos.

 

- «I Feira de Gado de São Vicente», da iniciativa do Dr. Alcino Júlio Drumond, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente. Foi instalada no sítio das Feiteiras, com cerca de 1.058 animais dos quais 747 bovinos, representando diversos sítios. Foram instalados diversos pavilhões que estiveram a funcionar durante os dias 10, 11, e 12 de Agosto de 1963.

Na sua intervenção, o Presidente da Câmara Municipal de São Vicente salientou:

“A I Feira de São Vicente foi concebida e nasceu de vários factores que impunham a sua realização, sendo um dos principais o facto de a freguesia constituir , desde há muito, um dos mais importantes centros abastecedores de vacas leiteiras da costa oeste da Ilha. É nesta freguesia que se pratica, em grande escala, a recria de vitelas para esse fim. Só por esta circunstância se impunha, efectivamente, a realização da Feira.

Mas, além disso, existem ouros motivos de justificada importância, como sejam o facto de São Vicente e Boa Ventura terem outrora constituído grandes centros de artesanato, onde ainda hoje encontramos (…)”. (in boletim «Serviço Informativo da Junta os Lacticínios da Madeira», nº 79, Terceiros Trimestre, 1963).

domingo, 14 de agosto de 2022

 

Conflitos da Autonomia – no 30º Aniversário da Junta de Lacticínios

 

No 30º Aniversário (1966) da criação da Junta dos Lacticínios da Madeira (JLM), o suplemento do seu Boletim Informativo nº 90 do segundo trimestre de 1966 associou-se às comemorações do 40º Aniversário da Revolução Nacional.

Com uma fotografia do Dr. Salazar na primeira página, segue-se o seguinte texto: “Associando-se às comemorações de tão significativa efeméride, a Junta dos Lacticínios da Madeira, interpretando o sentir de quantos se encontram ligados às actividades coordenadas, rende a Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho as suas mais respeitosas homenagens”.

A JLM continua a autoelogiar-se relevando a sua ação “Quando em 1933 se pensou na urgente necessidade de organizar de regulamentar os lacticínios, a indústria estava a dois passos da ruína total, ruína que arrastaria atrás de si os interesses de milhares de produtores de leite. O número de unidades fabris, sem as mínimas condições higiénicas, crescera de tal maneira que atingiu uma capacidade excessiva em relação ao volume de matéria-prima a laborar.

Bastará referir que no primeiro «Mapa de Rateio», elaborado pela Junta em 1936, figuravam 51 industriais dos quais 20 tinham uma laboração igual ou inferior a 19 kg diários e apenas 4 com laboração igual ou superior a 100kg. Não era, pois, de estranhar que os industriais se lançassem numa feroz concorrência, da qual sairiam arruinados se o Governo não pusesse cobro a situação tão crítica como desastrosa.

Na luta pela posse da matéria-prima, um determinado industrial querendo obter leite numa zona de influência de outro, actuava, muito simplesmente, abrindo um posto de desnatação a dois passos do antagonista, fazendo subir o preço do leite. Imediatamente se verificava um afluxo de fregueses para o novo posto até que o antigo desistia da luta. Uma vez senhor do campo, o industrial «invasor» fazia baiar o preço do leite, ficando de novo à mercê de outro concorrente!

Foi este inconcebível processo que originou a disseminação de postos por toda a Ilha, a ponto de em 1935 atingirem o número de 1301, dos quais 1.108 em laboração, com médias diária de 40 a 45 litros de leite.

Dos pontos de vista técnico e higiénico, a indústria madeirense, por alturas de 1935, encontrava-se num estado verdadeiramente desolador: péssimas instalações, pessoal incompetente, e, na grande maioria, dominava uma falta de higiene inacreditável.

A recolha de natas era tão deficiente que não podia deixar de ter influência nas condições de fabrico e na qualidade do produto. O elevado número de postos e a reduzida laboração de cada um deles forçavam o industrial a reunir um determinado posto as natas obtidas em vários, ao mesmo tempo que espaçava a recolha para reduzir as despesas.

Deste modo, não raro se verificava a chegada à fábrica de natas com 5 e mais dias de fermentação, de que resultava a má qualidade e o reduzido poder de conservação da manteiga assim fabricada (…) contra a desorganização vigente, o decreto forneceu  à JLM duas armas poderosas: o rateio do leite e das natas e a administração dos postos (…) logo nos primeiros tempos da sua actuação, a Junta prestou à Indústria incalculáveis serviços de ordem económica, promovendo o encerramento de postos de desnatação inúteis. Dos 1.061 postos que se encontravam em laboração em Dezembro de 1935 foram encerrados 741, ficando por conseguinte em funcionamento apenas 320 (…) A administração dos postos pela Junta foi outro grande passo para a melhoria da qualidade do leite”.

domingo, 7 de agosto de 2022

 

Conflitos da Autonomia - «Revolta do Leite» 1936

 A carta-resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral faz referência aos lacticínios apenas escrevendo o seguinte: “Está em estudos a organização para que já há bases suficientes, mas neste momento nada posso ainda dizer-lhe”.

Cerca de um ano após a carta foi publicado o contestado Decreto-Lei nº 26.655, de 4 de junho de 1936, que instituiu a Junta dos Lacticínios da Madeira (JLM), tendo provocado muita contestação dando origem à designada «Revolta do Leite». As animosidades que Salazar nutria para com a Madeira, na sequência de revoltas anteriores, motivou a imediata deslocação de forças militares apoiadas por dois navios de guerra, bem como reforço com elementos da PIDE.

Naquela época a criação de gado para a produção de leite constituía uma das principais atividades económicas da Madeira, com cujos recursos financeiros subsistia a maioria das famílias madeirenses.

João Abel de Freitas, no seu livro a «Revolta do Leite Madeira 1936, de Abril de 2011» refere:

“Quando se torna público o dia do começo da execução da lei, 1 de Agosto, anunciado em entrevista do Presidente da Junta de Lacticínios, publicada em 23 de Julho de 1936, o povo começa a reagir fortemente, com as autoridades de governação da Ilha inicialmente a fazerem jogo duplo. Era do seu interesse esse jogo na perspectiva de que o Governo viesse a fazer cedências, o que explorariam junto das populações (…) Os dias finais de Julho e o mês de Agosto de 1936 foram críticos e os mais visíveis da Revolta do Leite”

A revolta ocorreu em várias freguesias da Madeira, tais como Faial, zonas altas do Jardim da Serra, Ribeira Brava, Tabua e Funchal

 

A Revolta não demoveu o Poder político. Pelo contrário, quer o acusado “líder” da Revolta, o pároco da freguesia do Faial, padre Teixeira da Fonte, quer cerca de uma centena de revoltosos, acabaram por ser encarcerados na cadeia do «Lazareto», no Funchal, tendo o padre Teixeira da Fonte sido enviado para a prisão de Caxias, em Lisboa.

Em entrevista ao Jornal da Madeira, de 1 de maio de 1982, Teixeira da Fonte descreve as  situações decorrentes da revolta, bem como as condições da cadeia do Lazareto: “O povo pediu-me e exigiu que eu o acompanhasse na sua reclamação. Eu como pároco da freguesia conhecia o problema e tinha obrigação de conhecer. Acompanhei o povo ordeiramente, até porque a população se comportava com dignidade e ordem (…) Estive no Lazareto, cerca de onze meses e o resto foi para Caxias … a prisão mais perigosa e rigorosa. Entretanto, nunca perdi o moral, mesmo no Lazareto, desculpe, no meio daquela (…) toda! Fazíamos as nossas necessidades maiores e menores à vista de todos, em latas de folha, então usadas em petróleo… Cortavam as tampas da parte superior das latas, nem sequer fazíamos assento nas mesmas e, com licença, … à vista de todos.

Não havia sanitários. Era então o Lazareto, o casarão enorme destinado a empestados…Os presos depois levavam essas latas da porcaria para o mar. Só tive pena de não carregar uma dessas latas, a «pide» não me deixou. No Lazareto havia cerca de 300 ou 400 prisioneiros…

Fizeram uma montagem de tarimbas em toda a volta do salão, rés do chão… Uns dormiam nas tarimbas e outros no chão. Também quis dormir no chão, mas os presos não me deixaram. (…).

A minha prisão foi tida como um facto político, de me intrometer no assunto que não me dizia respeito e que não dizia respeito aos interesses do povo. Quando era precisamente o contrário.

(…) Interessei-me, porque os paroquianos pediam que intercedesse por eles…”