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domingo, 23 de janeiro de 2022

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (67)

 

Nas críticas ao Governador Civil, Dr. Fernando Rebelo, também o sindicato da Construção Civil não poupou feroz, promovendo manifestações contra a sua atuação, como foi a que teve lugar no dia 21 de outubro de 1974. 

Em meados de novembro daquele ano, foi desejo do Dr. Fernando Rebelo deixar o cargo e demitiu-se. Mas a sua saída definitiva só se concretizou em março do ano seguinte, dando lugar ao Brigadeiro Carlos Azeredo que tomou posse no dia 23. O mais insólito foi o facto de o Dr Fernando Rebelo ser de esquerda, e quem mais o criticou foram precisamente os partidos de esquerda. Talvez pelo facto de o Governador do Distrito não ter aderido a nenhum deles. Por isso é que apenas teve a solidariedade do “seu” MDM -Movimento Democrático da Madeira.

Com 224 dias de mandato à frente do cargo de Governador do Distrito, o Dr Fernando Rebelo passou o testemunho a um militar, mais precisamente ao Brigadeiro Carlos Azeredo que já era conhecedor não só das funções que voltaria a desempenhar, mas também de toda a problemática política e social vivida na época. Carlos Azeredo teve a confiança do III Governo Provisório que o nomeou, tendo tomado posse no dia 23 de março de 1975, e sobreviveu a todas as mudanças de governos provisórios. Com a rigidez e austeridade próprias dos militares de carreira, Carlos Azeredo esteve à frente dos destinos políticos e na superintendência administrativa da Madeira como rei e senhor todo poderoso até a entrada em funções do I Governo Regional (01/10/1976).

 

 O mandato do novo Governador iniciou-se num período novo no panorama revolucionário, a poucos dias após ter ocorrido o «11 de Março». O papel de Carlos Azeredo, com os poderes civis e militares concentrados, não foi pacífico:

- Completou a exoneração e nomeação das Comissões Administrativas das Câmaras Municipais; - Presidiu à Junta de Planeamento, criada em março de 1975, que passou a tutelar a Junta Geral do Distrito Autónomo e a Comissão Regional de Planeamento; 

- Na qualidade de Governador Militar superintendeu no COPMAD, criado em 6 de dezembro de 1974; 

- Também com as funções de Governador do Distrito Autónomo presidiu à Junta Regional, criada em fevereiro de 1976;

- Convocou e até mandou prender pessoas que defendiam o separatismo;

- Enfrentou e respondeu, em conferências de imprensa, aos protestos das forças políticas de esquerda que o acusaram de dar cobertura aos independentistas, e respondeu a outros partidos sobre matérias efervescentes da conjuntura política vivida;

Ameaçou mandar civis para substituírem os enfermeiros do hospital que ameaçaram entrar em greve;

No fundo, durante algum tempo, os poderes do Governador do Distrito e os dos novos órgãos que sucessivamente foram criados confundiram-se e foram concentrados numa só pessoa. Mas o certo é que o Distrito Autónomo do Funchal e o seu Governador só foram efetivamente desativados com a entrada em funções do I Governo Regional. Tanto assim foi que, em 17 de julho de 1976, o «Diário de Notícias» da Madeira publicou um aviso do “GOVERNO DO  DISTRITO AUTÓNOMO DO FUNCHAL”, subscrito pelo Secretário,   avisando “todas as pessoas inscritas no navio VERDI com destino a La Guayra e Curaçao, a sair do Funchal no dia 14/8/76, que deverão comparecer na Secretaria do Governo do Distrito dentro das horas de expediente, a fim de tratar de assunto do seu interesse”.

 

(continua)

 

domingo, 16 de janeiro de 2022

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (66)

Na posse do Dr. Fernando Rebelo como Governador do Distrito, o Ministro Costa Braz salientou o facto de o empossado ser “o primeiro governador civil que inicia o exercício dessas funções após o 25 de Abril”. Salientando algumas das ações que esperava dos “governos locais e que for possível:

- a gestão honesta, austera, participada, eficiente e eficaz dos negócios públicos;

- a sã defesa dos interesses das populações, empenhando os maiores esforços na sua promoção socio-económica;

- a intransigente salvaguarda da liberdade conquistada, com plena responsabilidade e no respeito mútuo;

- a promoção das condições necessárias à existência de uma incontroversa representação das populações e da sua vontade;

- a permanente defesa dos ideais democráticos que nortearam o movimento de 25 de Abril e que hão-de construir o PORTUGAL RENOVADO E LIVRE que ambicionamos na paz, no trabalho e na liberdade”.

Um apelo do Ministro ao novel Governador do Distrito: “(...) que se rodeie de bons colaboradores; interessa que tenha consigo o apoio, boa vontade, o desejo de ajudar todos os interessados no progresso real do distrito. Tem desde já, e no que lhe for possível, o do ministro e através dele, o do Governo”.

 Por sua vez, o novo Governador do Distrito, no discurso em que também abordou  problemas  concretos da vida real madeirense (fez referências ao Porto do Funchal, ao aeroporto, ao turismo, aos bordados, aos vimes, etc.) depois de ter manifestado a sua lealdade política ao Presidente da República, ao MFA e ao Governo Provisório, bem como a colaboração com o Governador Militar, pondo em destaque que “É este o primeiro cargo público que vou exercer na minha vida, já com toda a juventude algo distante, exilado que sempre obrigaram a ser na sua própria Pátria, o democrata, com presença anti-fascista de dezenas de anos, que sempre fui”. 

Dirigindo-se ao Ministro disse com toda a clareza que “Longe e descrente do Poder Central, que sempre o traiu, o madeirense volta-se desesperadamente, para quem esse poder representa: para o governador do seu distrito autónomo (...) o governador, nesta ilha, não pode ser, apenas, o responsável político, que preside à estruturação da vida administrativa. Tem de ser o homem (...) ao qual se pede a solução (...) de todas as incorrecções, a emenda de quanto aflige, seja individual, seja de conjuntura, seja de estrutura a sua origem. Estão errados os próprios quadros jurídicos que definem a vida política e administrativa do Arquipélago”.  Se é verdade que outras organizações já defendiam uma outra autonomia para a Madeira, o Dr. Fernando Rebelo não podia ser mais claro ao evidenciar que “A Madeira não pode viver sem uma autonomia, de amplitude a determinar, mas autêntica. Só a descentralização é democrática e nela está a tradição mais nobre do Povo português”. Por fim concluiu afirmando: “De olhos nos olhos. Sem maledicências. Lealmente. Serei leal para com todos. Aguardo que todos sejam leais para comigo”. (Boletim nº 8», agosto de 1974, Junta Geral do Funchal, publicação mensal).

Apesar de aparentemente tudo normalizado, com a esperança de tudo correr sobre rodas bem oleadas, o Dr. Fernando Rebelo, que iniciava funções, não teve tarefa fácil. Pois teve de intervir em todos os acontecimentos perturbadores da vida política e social, bem como na nomeação de novas figuras para as Câmaras Municipais e para a Junta Geral. Por isso, foi permanente a ação 

dos partidos e organizações políticas na crítica por discordância, quase sempre, com as pessoas nomeadas.

 

(continua)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (65)

 

* Junta Geral do Funchal e a Desconcentração do Poder Central: Era o Governador do Distrito que nomeava o presidente da Junta Geral e aprovava o regulamento privativo da contabilidade daquele organismo. Também tinha o poder de fiscalizar todos os serviços públicos dependentes do Estado, “informando os competentes Ministros das irregularidades (...)”, e até lhe competia “Visitar, ao menos uma vez em cada ano, os diferentes pontos das ilhas que constituem o distrito, recebendo as petições e reclamações que lhe forem apresentadas e inquirindo das necessidades locais”.

A preparação do 25 de Abril não esqueceu estas figuras. Daí o Programa do MFA prever, nas Medidas Imediatas a tomar, a destituição dos “governadores dos distritos autónomos nas ilhas adjacentes”, cujos assuntos correntes seriam “despachados pelos respectivos substitutos legais enquanto não forem nomeados novos governadores pelo Governo Provisório”. Como a vida administrativa do Distrito teria de continuar, não seria lógico extinguir o cargo sem ter antes encontrado alternativa. Com a Revolução em marcha, o que mais estava em causa eram as pessoas que exerciam esses cargos como representantes de um governo já deposto. Logo, era necessário encontrar outras que aderissem à nova situação política.

Quando se dá o 25 de Abril de 1974, era Governador do Distrito Autónomo do Funchal o Comandante Daniel Farrajota Rocheta que, no próprio dia da Revolução foi demitido pelo Decreto-Lei nº 170/74 da Junta de Salvação Nacional. Sem mais demoras ficou resolvido o problema político de tais personalidades, bem como dos substitutos que o Programa do MFA previa manter. Aquele diploma não podia ser mais claro: “São exonerados das funções os governadores civis do continente e ilhas adjacentes, bem como os seus substitutos”. 

A alternativa encontrada para o exercício das funções daqueles foi facílima. O diploma atribuiu o poder aos “secretários dos governos civis” até “serem efectuadas as novas nomeações”.  Mas a JSN-Junta de Salvação Nacional não podia limitar-se simplesmente a exonerá-los. Também determinou a suspensão da “competência constante do artigo 99º, nº 4º e 10º do Estatuto dos Distritos Autónomos (...) enquanto não forem nomeados os governadores dos distritos”. Uma das competências que estava prevista no nº 4º era a de nomear o presidente da Junta Geral; o nº 10º previa a superintendência nos serviços da polícia cívica.

Com a exoneração concretizada, faltava encontrar a nova personalidade para aquele cargo. A Junta de Salvação Nacional convidou o Tenente-coronel de Cavalaria Carlos Azeredo como seu delegado na Madeira, mas acabou por acumular as funções de Comandante Militar com as de Governador do Distrito, desde o dia 2 de maio de 1974 até a tomada de posse do Dr. Fernando Rebelo, no dia 12 de agosto de 1974, no Palácio de S. Lourenço, após ter sido nomeado pelo Ministro da Administração Interna, Costa Braz, do II Governo Provisório.  A Portaria de nomeação, datada do dia 7 de agosto e publicada no dia 9, consumou assim a subida àquele cargo de uma personalidade civil, figura de relevo do movimento democrático no tempo do Estado Novo, e que havia sido candidato às eleições para deputados à Assembleia Nacional, em outubro de 1969. A nomeação do Dr. Fernando Rebelo teve em conta a “conveniência urgente de serviço público”.

Na tomada de posse, o Ministro Costa Braz salientou o facto de o empossado ser “o primeiro governador civil que inicia o exercício dessas funções após o 25 de Abril”.

 

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (64)

 

* Junta Geral do Funchal e a Desconcentração do Poder Central: O dia 13 de setembro de 1974 marcou a mudança dos membros de gestão da Junta Geral no pós 25 de Abril. A base legal decorreu por alvará do novo Governador Civil, Dr. Fernno Rebelo, nomeando o Dr. António Loja para presidente.

Por alvará de 20 de setembro, o Governador Civil nomeou o Dr. Gaudêncio Figueira para Vice-Presidente, tendo tomado posse no dia 23.

Tal como aconteceu com as Câmaras Municipais, a 10 de outubro o órgão de administração da Junta Geral foi transformado em Comissão Administrativa, tendo tomado posse do cargo de vogais o Dr. Henrique de Pontes Leça e a Profª. Maria Teresa Pinheiro, após a dissolução do órgão anterior, mantendo-se António Loja e Gaudêncio Figueira na presidência e vice-presidência.

Quando, em meados de novembro, o Dr. Fernando Rebelo pretendeu demitir-se do cargo de Governador Civil, os membros da Junta Geral também o seguiram. Mas, quer o Governador Civil, quer os membros da Junta Geral continuaram em funções a pedido do Brigadeiro Azeredo. Foi, assim, dado seguimento às ações deste órgão administrativo distrital por excelência. A Junta Geral tinha aprovado um Plano Trienal (1974-1976), cujas receitas globais estavam previstas para um valor de 822.868 contos. Apesar da nova conjuntura política, não existiu outro plano para ser executado, pelo que a administração do distrito continuou o programa elaborado anteriormente.

Dias antes das eleições para a Assembleia Constituinte, mais precisamente no dia 18 de abril de 1975, a Comissão Administrativa da Junta Geral pediu a exoneração ao Brigadeiro Carlos Azeredo, já na qualidade de Governador Civil, que viria a aceitá-la no dia 23 do mês seguinte. A motivação que esteve na base do pedido de exoneração foi a de deixar a Junta de Planeamento indicar novos elementos para a Junta Geral tendo por base os resultados eleitorais que sairiam poucos dias depois.

A novel Região Autónoma da Madeira teve a sua GOVERNAÇÃO PROVISÓRIA no período revolucionário que decorreu entre o 25 de Abril de 1974 e a tomada de posse do I Governo Regional, ocorrida no dia 1 de outubro de 1976, mas com algumas particularidades. A estrutura administrativa, composta pelo Governador Civil e pela Junta Geral, manteve-se por mais algum tempo como vinha do anterior regime, embora com novos protagonistas que foram introduzidos no sistema e outras estruturas tivessem sido criadas, como forma de, pouco a pouco, adaptarem a Região ao novo figurino administrativo que seria consagrado na Constituição da República saída da Assembleia Constituinte.

Podemos dizer que, durante algum tempo, coexistiram órgãos diferentes de gestão para tratarem da mesma realidade que era o DISTRITO AUTÓNOMO que, na altura própria, daria lugar à designação de REGIÃO AUTÓNOMA.

O Governador do Distrito Autónomo não deixou de existir imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974.  Figura que já vinha do princípio do Século XIX, mas com mais relevo a partir de 8 de agosto de 1901, foi, no entanto, com a aprovação, em 1940, do «Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes» que foi consolidada a designação de «Governador do Distrito Autónomo». Foi importante esta designação para diferenciar-se da de Governador Civil nos Distritos do continente. Os poderes daqueles não só eram os que o Código Administrativo previa para os Governadores Civis, por exemplo como autoridade policial, mas também outros que estavam previstos no Estatuto dos Distritos Autónomos.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (63)

 * Junta Geral do Funchal e a Desconcentração do Poder Central: A última reunião do mandato do Engº Rui Vieira à frente da Junta Geral teve lugar no dia 12 de setembro de 1974, precisamente na véspera da emissão do alvará do Governador do Distrito que nomeou o Dr. António Loja para presidente daquela Junta. Mas o Engº Rui Vieira esteve ausente desta reunião, tendo presidido à mesma o Vice-Presidente, Engº Manuel de Sousa. E “No dia 12 de Setembro de 1974, às 15.15 horas, na sala das sessões da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, reuniu-se a Comissão Executiva da mesma Junta sob a presidência do sr. Engº Civil Manuel de Sousa, Vice-Presidente, estando presentes o vogal Sr. Dr. António Eusébio Camacho Coelho e o chefe da Secção de Contabilidade, servindo de chefe da Secretaria e na qualidade de secretário da referida Comissão Executiva. Aberta a reunião pelo Sr. Presidente, foi lida a aprovada a acta da reunião anterior (...)”.   A reunião anterior tinha sido no do dia 5 do mesmo mês de setembro, essa sim presidida pelo Engº Rui Vieira, e com a presença dos vogais Dr. Rebelo Quintal e do Engº Humberto Ornelas.

Quer a reunião do dia 5, quer a do dia 12 não trataram de assuntos fora do habitual das reuniões anteriores. Uma vez que decorria o processo de substituição do Presidente e do Vice-Presidente poderia ter ficado em ata a alusão ao processo de relevância política extraordinária que foi o dos saneamentos das pessoas que tinham sido nomeadas pelo Estado Novo. Mas não!  Apenas foram tratadas as questões objetivas, relativas ao expediente da Secretaria, da Direção de Obras Públicas, da Direção dos Serviços Industriais, Elétricos e de Viação, da Estação Agrária, da Inspeção de Saúde e da Intendência de Pecuária. Do expediente que esteve em análise, são de realçar dois ofícios da Intendência e Pecuária enviando dois requerimentos “em que José Egídio da Luz Teixeira Pita, residente ao sítio da Igreja, freguesia dos Canhas, pedia autorização para instalar no referido sítio um posto de cobrição. – Deferido (...) e solicita a concessão de um subsídio para construção de um estábulo, destinado a alojar 8 vacas e informando que o projecto apresentado se encontra de acordo com as normas estabelecidas por aquela Intendência e que nos termos do regulamento o requerente tem direito a um subsídio da quantia de 12.000$00. – Pague-se”. Como em todas as reuniões, nesta foi presente um BALANCETE DAS CONTAS, de 11 daquele mês, “acusando: Receita: 231.457.500$00; Despesa: 205.846.152$00; Saldo: 25.611.348$00”.  Seguiram-se as deliberações. Apenas quatro. Uma foi “Autorizar o pagamento das importâncias de 81.160$00, - 9.140$00, e 15.809$10, relativas ao fornecimento de materiais de construção e respectivos transportes ao Património dos Pobres da Ribeira Seca, Santo António da Serra e Caniçal, respectivamente”. A segunda dizia respeito ao arrendamento de vários edifícios e salas em todo o Distrito “com validade a partir do mês de Outubro próximo futuro, com destino ao Ciclo Preparatório da Telescola”. A terceira e a quarta deliberações diziam respeito à autorização de alguns pagamentos, nomeadamente “ao pessoal remunerado pelo cofre desta Junta, relativos ao mês de Setembro corrente”. Seguidamente foi encerrada a reunião!

Embora com novos Presidente e Vice-Presidente e com os mesmos vogais, as reuniões da Comissão Executiva continuaram a ser semanais e com o mesmo modelo das anteriores.  A primeira reunião, já sob a presidência do Dr. António Loja, teve lugar no dia 19 de setembro.

 

(continua)