Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (59)

 

Dada a questão vinícola da Madeira, o Dr. Juvenal de Araújo continua a referir que “não há facto algum que nos leve a concluir que esta importação é requerida pelas necessidades normais do consumo. Não há escassez de vinho regional, não há escassez de aguardente, não houve tão pouco um tal acréscimo no numero de consumidores de vinho de pasto que pudesse ter operado, por si, êste facto verdadeiramente estupendo: que, sendo a importação nos últimos três anos de 249 cascos anuais em  média, possa ter aumentado legitimamente, no corrente ano, em nove vezes mais.

É voz corrente que a maior parte do vinho importado se destina à preparação de falso vinho da Madeira, andando igualmente de bôca em bôca os processos por que se opéra a sua transformação.  Reconheço que o vinho de pasto do continente, como vinho especial de mesa, não tem competidor em nenhuma espécie de vinho produzido na Madeira; reconheço que tem os seus consumidores especiais, que o não dispensam. Nem o desejo da Madeira é o de furtar-se por qualquer modo a constituir um mercado de colocação para vinhos de Portugal. Mas o que a Madeira tem o direito de exigir é que se rodeie o vinho importado do continente da mais rigorosa fiscalização, dêsde que êle é submetido a despacho alfandegário até ao momento em que entra no consumo, de modo a garantir que êle realmente é destinado à venda avulsa e nunca à sua transformação em vinho generoso da Madeira.

Mas, ultimamente, descobriu-se mais um facto profundamente revoltante: foi a importação de vinho licoroso do continente, destinado a ir apenas à ilha receber o nome e o rótulo de Madeira, com que depois seria exportado.  É certo que o Regulamento de 8 de Novembro de 1913, pelo seu artigo 4º, apenas permite ali a importação de vinhos generosos do Porto, Carcavelos e Moscatel de Setubal e dos demais vinhos generosos nacionais, quando engarrafados e destinados ao consumo local. Entretanto, inventou-se facilmente o meio de iludir esta disposição legar. E sabem v. exªs como? Importando o vinho em cascos com o aspecto dos que servem para o embarque de vinho comum do continente, e submetendo-o depois a despacho como se se tratasse realmente de vinho de pasto!

Valeu, nêste caso, a fiscalisação da alfândega, que fez a apreensão, mas o acto aí ficou, eloquentemente, a testar os processos de que se serve a fraude para levar até ao fim os seus intentos. De resto, uma corporação de carácter oficial, a Comissão de Viticultura da Madeira, chegou, nêste ponto, a conclusões verdadeiramente interessantes, que desassombradamente expôs ao governo e que o devem ter elucidado inteiramente sobre o modo como ali se está tratando de operar o descrédito dos afamados vinhos generosos daquela ilha.

Mas, perguntar-me-há a Câmara, perguntar-me-há, sobretudo, o nosso ilustre colega sr. dr. Brito Camacho que me dá a honra de escutar, e que conhece, como poucos, a legislação vinícola da Madeira: como se poderá obter o álcool para a preparação dêsses vinhos, se os vinhos produzidos na Madeira estão sujeitos a manifestos de produção e de trânsito, e se só a estes póde ser fornecido o álcool de que carecem para a sua beneficiação? A esta observação eu responderei: Pois até já se calca aos pés êste preceito legal, importando fraudulentamente aguardente vínica, em cascos habitualmente usados para o transporte de vinho, despachados como vinho de pasto! Ainda há três dias se realizou na Madeira uma importação deste género, que a alfândega apreendeu”

 

(Continua)

sábado, 20 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (58)

 

A situação vinícola da Madeira foi um dos temas que o Dr. Juvenal de Araújo produziu na Camara dos Deputados na legislatura de 1922 a 1925. Iniciou a intervenção dizendo: “As considerações que vou produzir, dirijo-as ao sr. Ministro da Agricultura. Não vendo, porém, sjua exª presente, peço ao sr. Ministro da Instrução, que vejo ocupar o seu logar, a fineza de transmitir ao seu colega daquela pasta aquilo que vou dizer.

Desejo chamar a atenção do sr. Ministro da Agricultura – mas a atenção a mais rigorosa e a mais pronta  -  para o que de importante e muito grave se vem passando na Madeira, tendente a destruir uma das maiores fontes de riqueza daquela ilha: o crédito dos seus afamados vinhos generosos. O comercio de exportação dos vinhos da Madeira é representado por um certo número, restrito, de casas, umas nacionais, outras estrangeiras, quási todas de antiga existência, que ali se formaram e se desenvolveram, primando quási todas elas pela sua probidade, pela lisura dos seus processos comerciais e pelo zelo com que sempre defenderam a genuinidade das suas marcas.

Ora atravessando épocas de prosperidade, ora atravessando momentos de crise os mais agudos e difíceis, os velhos exportadores de vinho Madeira, pelo menos na sua parte mais importante e expressiva, sempre se mantiveram à altura dos seus créditos. Veiu a guerra. Quási todo o comercio se desenvolveu de atingiu o mais elevado grau de prosperidade. Pois, apesar disso, as casas exportadoras de vinho Madeira, na sua quási totalidade, encontram-se hoje quási nas mesmas condições financeiras em que se encontravam antes da guerra. É que se trata de um género de comercio que, sendo consciencioso e sério, não pode ter uma grande margem de lucro, mórmente quando tem de lutar lá fóra com uma intensa e desleal concorrência.

À acção perseverante, continua, de muitos anos, do comercio digno, se deve em grande parte o bom nome de que os vinhos da Madeira gosam de há mio, as honrosas tradições que em volta dêle se criaram e a conquista e a expansão dos seus mercados. O papel que a riqueza da produção e comercio dos vinhos da Madeira representa hoje em toda a ilha, não preciso de o põr em relevo à Camara, pois todos sabemos que a lavoura, a propriedade, o comercio teem encontrado na vinicultura e na viticultura da ilha uma das mais fortes razões do seu desenvolvimento e da sua valorização, com o correlativo interesse para o Estado.

Pois toda essa soma importantíssima e valores, representada pela agricultura e pelo comércio de vinhos, está hoje sendo criminosamente minada e destruída por alguns indivíduos sem escrúpulos que ali se estão entregando às mais grosseiras falsificações. No ministério  da Agricultura, devem já existir numerosos elementos, fornecidos por entidades oficiais e particular, de modo a esclarecer inteiramente o governo sobre o que ali se passa.

Entretanto, para que a Camara atente bem na justiça das reclamações de que me faço éco, vou referir alguns factos particularmente elucidativos. A importação de vinho de pasto do continente na Madeira foi, em 1920, de 214 cascos, em 1921 de 246, e em 1922 de 288. Pois pelo  que se acha apurado com relação à importação feita no corrente ano, desde o mês de Janeiro até Outubro, não deve essa importação andar muito longe de 2.000 cascos!

 

(Continua)

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (57)

 Por meio de uma ampla reforma dos serviços públicos, da qual “resultasse o córte de todas as despesas parasitarias e o emprego das receitas em obras que tendessem a fazer aumentar a riqueza pública, facilmente se obteriam os recursos necessários.

É indispensável que essa reforma, para ter unidade e ter lógica, seja feita no mesmo momento e obedecendo ao mesmo critério, porque de contrário, melhorar-se-hão uns serviços e outros não, beneficiar-se-hão uns quadros com prejuízo de outros, e nada de útil se terá finalmente alcançado. Faça-se, porém uma reforma dos serviços públicos com rigor e com unidade, e daí se obterão fatalmente duas ordens de medidas: medidas expressas em economias, e medidas que, baseando-se em uma nova orientação do plano financeiro, possam conseguir a criação de novas receitas, sem representarem um sacrifício intolerável para o contribuinte.

Viu-se ainda no último ano económico, quando aqui se discutiu o Orçamento, que esta casa do Parlamento fez reduzir as despesas públicas em 15.582 contos. É preciso notar-se que se fez esta redução de despesas, apesar do carácter perdulário que teem as Assembleias desta natureza, apesar da forma precipitada e por vezes vergonhosa como aqui se discutiu o Orçamento, e apesar de a maior parte das despesas previstas não ser susceptivel de redução por corresponder a serviços públicos criados e regulados por lei. Mas êste facto é já um indicador precioso de quanto se poderia fazer baixar as despesas do Estado, desde que se fizesse com severidade, com ansia resoluta e reduzir ao indispensável, a reorganização dos serviços públicos.

O Sr. Ministro das Finanças, no Relatório de que faz acompanhar o Orçamento Geral do Estado, diz que, além de recorrer ao empréstimo, vai remodelar as contribuições do sêlo e do registo com o intuito de fazer diminuir o déficit orçamental, e, em justificação do seu plano, tem em seguida estas palavras: «Inspirando-se nestas normas, aceita e pratica o Governo os princípios que viu sustentados e aprovados na conferência internacional de Bruxelas»

Ora, eu não ignoro que a necessidade de os Estados fazerem o equilíbrio das suas receitas e despesas foi, realmente, uma das conclusões da Conferência de Bruxelas. Mas a par dessa, houve outras conclusões não menos importantes, muito adequadas à situação portuguesa, que o Sr. Ministro das Finanças esqueceu registar e que eu não posso deixar de lembrar nêste momento, para provar que a orientação do governo português, em matéria financeira, não me parece muito conforme com as conclusões da conferência de Bruxelas.

O Sr. Ministro das Finanças, que é um homem inteligente e um homem de estudo, não póde ignorar a influência directa que tiveram nas conclusões da Conferência os princípios aí sustentados por três das suas figuras mais eminentes: Lord Chalmers, o delegado francês Mr. Avenol e o honrado administrador do «Lloyd`s Bank» de Londres, o Honorable Robert Brand. Pois o primeiro, Lord Chalmers, apreciando o recurso ao imposto como solução financeira, sustentou que êle representava, em regra, uma diminuição da riqueza pública, pois outra coisa não era, no fundo, que o deslocamento dos recursos do cidadão em favor do Estado. E acrescentou que, não havendo diminuição de despesas, o recurso tem de ser um destes dois: o aumento da circulação fiduciária ou o empréstimo.

O primeiro caminho  - mereceu-lhe inteira reprovação. O segundo fê-lo dividir os empréstimos em duas categorias: «empréstimos maus» e «empréstimos bons»”.

(Continua)

domingo, 7 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (56)

Na discussão do orçamento do Estado para o ano económico de 1923-1924, o Dr. Juvenal de Araújo falou da tríplice obra que deixa exposta, tendo como base a melhoria da situação económica do país, não podendo ser, naturalmente, uma obra do Ministério do Comercio. “tem de ser o fruto dum plano de acção conjugada entre os Ministérios do Comercio, da Agricultura e dos Negocios Estrangeiros. O Ministério da Agricultura, cuidando de provocar uma maior e uma melhor produção nacional; o Ministério do Comercio, melhorando os nossos portos e desenvolvendo os transportes terrestres e marítimos; o Ministério dos Estrangeiros, finalmente, procurando, por meio de entendimentos, convenções e tratados internacionais, garantir a vantajosa colocação dos nossos produtos nos mercados externos.

No tôpo desta acção conjugada, aparece, pois, necessariamente, como fundamental, a acção do Ministério da Agricultura. Entretando – o que se verifica, infelizmente? Que o Ministério da Agricultura não tem dado um passo para a obtenção deste desideratum de verdadeira salvação nacional. E é profundamente lamentável que assim aconteça, tanto mais que os serviços do Ministério da Agricultura teem hoje uma organisação verdadeiramente modelar, onde fez reflectir o seu valor e o seu interesse pela causa da agricultura nacional um dos homens mais experimentados que teem passado pela gerência desta pasta – o sr Eduardo Fernandes de Oliveira.

É o decreto nº 4249, de 8 de maio de 1918, onde os serviços agrícolas estão magistralmente regulamentados. Por êsse diploma, foi o país dividido em onze regiões agrícolas, sendo oito no continente, desde Entre Douro e Minho até ao Algarve, e três nas ilhas adjacentes. Em cada uma destas regiões, foi criada uma estação agrícola, cujos fins principais são os de auxiliar o desenvolvimento das culturas regionais; adoptar novas culturas; introduzir processos culturais que possam interessar à lavoura regional; e investigar as causas dos males que perseguem as culturas e vulgarizar os processos de os debelar.

Subdividiu-se depois cada região agrícola em sub-regiões agrícolas, para cada uma das quais se criaram postos agrários, espécie de escolas móveis agrícolas, que teem por fim ministrar pela exemplificação ao lavrador os conhecimentos que mais o possam ajudar a vencer as fificuldades que encontre na sua lavoura. É, como se vê, o esqueleto de uma organização admirável, que visa superiormente a este fim único: o alcance de uma maior e de uma melhor produção nacional.

Entretanto, Sr. Presidente, vejo com desgosto que é uma organização de serviços que existe sòmente na letra da lei. Quantas estações agrícolas temos a funcionar, verdadeiramente, utilmente no país? – Umas três ou quatro, se tanto. Quantas escolas móveis de agricultura por esse país fora? – Nenhumas.

Não só se não cuida da agricultura com as atenções que ela devia merecer aos governos, como ainda se a onera constantemente com impostos e alcavalas, como foi aquêle que ha ainda poucos dias foi votado, com o nosso maior protesto, por esta Camara, permitindo aos municípios o lançamento de pesadissimas contribuições sobre a propriedade rústica.

É com estas medidas que se trata em Portugal de aumentar a produção nacional e de estimular o trabalho tão necessário à lavoura!

Dir-me-hão que o Estado não tem recursos para realizar toda esta obra que eu deixo gizada, de protecção à economia nacional. Não é assim, Sr. Presidente. Por meio de uma ampla reforma dos serviços públicos (…)”.

 

(Continua)