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segunda-feira, 29 de março de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (24)

Revolta Popular 7 janeiro de 1906 – O avanço da Cólera-morbus no final do século XIX esteve na causa acentuada de morte de muitos madeirenses. “Em 1894 a fúria popular aconteceu à entrada da cidade com a chegada dos passageiros do vapor Funchal, vindo de Lisboa onde se dizia que já grassava a doença. Esta alastrou a partir de Novembro de 1905 obrigando as autoridades a isolar os doentes no Lazareto, considerado as masmorras da morte.

Correram na cidade muitos boatos sobre o isolamento a que se estava a submeter os doentes. Isto foi a rastilho suficiente para acender nova revolta dos populares a 7 de Janeiro de 1906. Abriram-se as portas do Lazareto e perseguiu-se o principal responsável, o Dr. Balbino Rego” (História da Madeira., coordenação Alberto Vieira, Funchal, Setembro 2001).

Se em 1894 houve apedrejamento à tropa e polícia, ficando feridos alguns passageiros que tentaram desembarcar no cais da entrada da cidade, em 7 de janeiro de 1906 muitos populares, seguidos  de algumas praças do Regimento de Infantaria nº 27, dirigiram para o Lazareto.

 O dr. António Balbino do Rego era natural do Continente português, nascido 23 de maio de 1874, tendo concluído o curso médico em 1900 na Escolado Porto e, em 1904 foi nomeado diretor do Laboratório de Bacteriologia e Higiene do Funchal, criado pelo decreto de 17 de maio de 1904, a pedido da Junta Geral do Distrito do Funchal. O laboratório tinha, inicialmente, como pessoal próprio um médico-chefe, um preparador e um servente. O aumento da sua atividade justificou o aumento dos quadros. António Balbino do Rego foi o seu primeiro diretor que abandonou a Madeira em condições dramáticas. Em dezembro de 1939, o Laboratório foi remodelado por diploma oficial, passando a integrar uma secção de analises bacteriológicas e clínicas, e outra de analises químicas e tecnológicas.

Segundo o Elucidário Madeirense (III Volume, pag. 177) “O erro do dr. Albino do Rego foi querer manter a incomunicabilidade e um isolamento absolutos dos doentes, medida esta necessária e que em tese se justificava plenamente, mas que, dadas as circunstâncias ocorrentes e de modo particular a atitude censurável da imprensa e da política, convinha ter atenuado, sem prejuízo da saúde pública, como já tardiamente chegou a fazer-se. Não cometeu outra falta nem outro erro, devendo entretanto dizer-se que o pessoal de enfermagem do hospital de isolamento deixou muito a desejar e que vários abusos e mesmo excessos se praticaram, mas que não são da responsabilidade do respectivo director.

A história daqueles acontecimentos ainda não está feita com inteira imparcialidade e por isso nos é grato deixar consignados nesta obra alguns elementos que possam servir para o estudo consciencioso deste período revolto da história da Madeira.

O dr. Balbino do Rego, que após os acontecimentos do Lazareto teve a casa apedrejada pelo povo, não obstante junto dela se achar postada uma força de marinha, viu-se forçado a refugiar-se na fortaleza de S. Lourenço, donde passou para bordo do D. Carlos retirando finalmente para Lisboa no vapor da Companhia Insulana.

Por meio de concurso, foi nomeado médico cirurgião dos hospitais civis de Lisboa e também director do Posto Antropométrico da Polícia Cívica da mesma cidade (1921). No ano de 1907, publicou o dr. Balbino do Rego dois interessantes opúsculos intitulados «Um Ano Depois – Assumptos Madeirenses» e «Na Ilha da Madeira – Hospital Improvisado», que encerram valiosos elementos para o estudo da epidemia da peste bubónica nesta ilha”.

 

(continua)

 

domingo, 21 de março de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (23)

Marcos Relevantes da Autonomia no Século XX – Deixou-nos há vinte e um anos com uma história recheada de acontecimentos memoráveis no Mundo, em geral, e em Portugal, em particular, onde se enquadra a evolução de modelos de autonomia inigualáveis das regiões insulares da Madeira e dos Açores. O século XX foi também fértil em guerras, revoluções e ditaduras, revoltas e conflitos políticos, que se localizaram no tempo e no espaço internacional, nacional, regional e local.

No início de 1900, “o Mundo apresentava-se aos olhos dos grandes homens da Europa como um lugar razoavelmente bem governado. O continente mantinha-se em paz havia três décadas, e preparava-se para assim continuar, graças a um aumento de prosperidade e a uma complexa rede de alianças entre as principais potências (…) simultaneamente, quase todas as nações ocidentais sentiam os efeitos secundários da rápida industrialização. As classes trabalhadoras da Europa, influenciadas pelas teorias se Karl Marx e Friedrich Engels, haviam-se tornado cada vez mais militantes nas suas exigências de reforma social” (Os Grandes Acontecimentos do Século XX, pag.10, Selecções do Readr`s Digest, janeiro 1979).

 

O Império Britânico estava no seu apogeu, a autoridade colonial da França em África e na Indochina encontrava-se solidamente firmada, a Rússia alargava o seu domínio para leste mas foi abalada em 1905 por uma revolta sangrenta, a Alemanha começara a delimitar as suas pretensões em África e no Pacífico, os Estados Unidos e o Japão transformaram-se em potências mundiais.

 

“Em Junho de 1914, anos de manobras diplomáticas e preparação de exércitos haviam esforçado o equilíbrio de forças europeu até ao ponto de colapso. Foi então disparada uma arma em Serajevo, e a mesma teia de alianças que mantivera a paz impeliu mais de uma dúzia de nações para uma guerra diferente de qualquer outra – uma guerra que, com auxílio de tecnologia moderna, causou um nível de destruição nunca antes imaginado. No total, o conflito originou um número de vítimas superior a 10 milhões e deixou um continente assolado pela pobreza, pela amargura e pela desilusão. Terminara uma era da História: desaparecera a antiga ordem da Europa, e com ela uma espécie de inocência que nunca mais seria recuperada.

O optimismo da época, baseado na crença do progresso, aparentemente ilimitado, em todos os domínios da vida humana, deu lugar a desencanto provocado pela I Guerra Mundial (1914-1918). A legitimidade «pela graça de Deus» reconhecida ainda aos governantes até 1918, sucedeu a legitimidade outorgada espontaneamente pelo público a um novo tipo de líder que provinha da rua, do bairro ou do trabalho” (idem, pag. 96).

 

No século XX ocorreram mudanças políticas em Portugal, com reflexos óbvios na Madeira e nos Açores. O regime da monarquia constitucional permaneceu até a implantação da República a 5 de outubro de 1910, seguindo-se a Revolução do 28 de Maio de 1926 que abriu a porta para a ditadura do Estado Novo e a Guerra Colonial, derrubado a 25 de Abril de 1974.

 

Na Madeira, no plano administrativo foi relevante o restabelecimento da Junta Geral do Distrito do Funchal em 1901. Mas ao nível dos conflitos a Madeira não escapou, ou incentivou:  o «Levantamento» contra o Dr. Balbino Rego, protestante, em 1905; Levantamento» devido ao imposto ad valorem, em 1924; «Revolta da Farinha» devido ao monopólio e especulação, em fevereiro de 1931; «Revolta política e militar» contra a ditadura, em abril de 1931; «Revolta do Leite» devido ao monopólio, em 1936.

 

(continua)

domingo, 14 de março de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (22)

Importância Autonómica do Século XIX – As várias modalidades de administração descentralizada dão passos largos no final do Séc. XIX, com especial relevância no âmbito autonómico dos Açores e da Madeira.

A sublevação que ficou conhecida por «Patuleia» (entre 8 de outubro de 1846 e junho de 1847) levou à criação de juntas revolucionárias em diversos pontos do país contra o governo que, incapaz de pôr fim às revoltas, pediu auxílio a Espanha, França e Inglaterra. Na Madeira foi constituída uma Junta Governativa que durou 76 dias, tendo iniciado as suas funções no dia 29 de abril de 1847 e dissolvida no dia 14 de julho daquele ano por imposição dos ingleses que desembarcaram no Funchal no dia 23 de junho daquele ano.

Este movimento de revoltas implicou mudanças do Governador Civil e de entidades camarárias e funcionários por outros da confiança dos dirigentes políticos que estavam no Poder Central.

Posteriormente, o Decreto de 6 de agosto de 1892, sancionado pelos Códigos Administrativos de 1895 e 1896, extinguiu as Juntas Gerais, sendo a da Madeira restabelecida pelo Decreto de 8 de agosto de 1901, que aplicou à Madeira a organização administrativa especial que tinha sido atribuída aos distritos dos Açores pelo Decreto de 2 de março de 1895, entretanto revisto pela lei de 12 de junho de 1901.

Durante os nove anos sem Junta Geral constituída, funcionou a Comissão Distrital que era presidida pelo Governador Civil, fazendo ainda parte o Auditor Administrativo e três vogais eleitos por delegados das Câmaras Municipais.

Constituiu uma nova etapa o facto de Hintze Ribeiro, natural dos Açores, ter dado em 1895, o pontapé de saída de natureza legislativa com vista ao avanço da autonomia do “seu” arquipélago. Apesar do efeito retardador, a Madeira acabou por tirar benefícios daquela iniciativa embora de forma mitigada. No modelo de autonomia previsto para o Distrito do Funchal, Hintze Ribeiro previa a eleição de procuradores para a Junta Geral do Distrito do Funchal, a ter lugar no primeiro Domingo do mês de novembro daquele ano e que a Junta Geral encarregar-se-ia, durante seis anos das despesas com a conclusão das levadas do Estado, sendo também desta Junta Geral os rendimentos que adviessem dessas levadas.

 A autonomia de 1901 materializou a concessão de meios para um maior desenvolvimento regional, nomeadamente com receitas próprias. Mais uma vez estava subjacente a ideia de que mais poderes na Madeira significavam melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. A descentralização de poderes foi atribuída a uma Junta Geral, cujo modelo de funcionamento era diferente das Juntas Gerais do continente, pois era composta por quinze procuradores eleitos pelo povo e com representantes das Câmaras Municipais, elegendo uma Comissão Executiva de três membros. O primeiro Presidente da Junta Geral foi o conselheiro José Leite Monteiro, sendo o primeiro chefe da secretaria o Dr. Manuel dos Passos Freitas.

 

No final do Séc. XIX, a Madeira sentiu a ocorrência de alguns acontecimentos, tais como: 1875 – foram criadas as comarcas de Santa Cruz, Ponta do Sol e São Vicente; 1879 – foi proibida a circulação da moeda estrangeira, que antes tinha livre curso; 1884 – Graves acontecimentos na freguesia da Ribeira Brava, por ocasião da eleição de deputados, morrendo vários populares; 1885 – Foi construída a 2ª fase do Porto do Funchal; 1887 – verificaram-se graves perturbações da ordem em muitas freguesias, com o fim de obstar à instalação das Juntas de Paróquia, conhecidas pelo povo por Parreca.

quinta-feira, 11 de março de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (21)

 

“Manuel José Vieira foi ao parlamento lisboeta contar a situação de atraso da Madeira. Mais uma vez. E, mais uma vez, a resposta: há uns problemas por resolver primeiro em Lisboa e no Porto” (Luís Calisto, DN. 24/06/1996).

Nasceu no Funchal a 7 de agosto de 1836 e formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi professor do Liceu durante cerca de 40 anos e Presidente da Câmara Municipal do Funchal de 1864 a 1868 e de 1899 a 1908. Foi eleito Deputado pela Madeira nas legislaturas de 1879, 1882 a 1884, 1884 a 1887, 1887 a 1889 e 1889 a 1895. Eleito Par do Reino pelo Distrito de Vila Real e Presidente da Junta Geral do Distrito do Funchal, da Comissão Administrativa da Santa Casa da Misericórdia e da Comissão Administrativa da Levada dos Piornais. Chefe do Partido Progressista no Funchal, conseguiu para a Madeira inúmeros benefícios além da fundação da Caixa Económica. Faleceu no Funchal a 12 de junho de 1912.

 

«Não só nada se nos concede, mas antes se nos criam dificuldades nas coisas mais simples. Eu não tenho por costume apresentar uma proposição que não esteja habilitado e demonstrá-la. A Madeira, como disse há pouco, não tem viação, e difícil, muito difícil, será a obtê-la em boas condições. O solo é acidentalíssimo, as dificuldades a vencer são grandes, e só um período muito largo poderemos obter resultados profícuos. Nas condições em que vamos, nunca lá chegaremos.  Daqui resulta que, ficando a quase generalidade das suas povoações no litoral da ilha, a todos acode a ideia de aproveitar a estrada que a natureza lhe fabricou em roda – o mar. Pronta a estrada, lembrou a uma empresa particular pôr sobre ela o meio condutor, fazendo construir um pequeno vapor que fizesse a comunicação regular entre algumas daquelas povoações. Querem V. exª e a Câmara saber qual foi o auxílio que da parte dos poderes públicos foi concedido a uma empresa desta ordem? Veio imediatamente o fisco arrecadar direitos sanitários e de tonelagem».

 

“Manuel Vieira alertou para as consequências da crise em que as duas principais produções madeirenses - o vinho e o açúcar – estavam mergulhadas. E falou das simultâneas desgraças pessoais como efeito da queda comercial determinada em todo o reino em 1876. Que, apesar de tudo, os dinheiros continuavam a seguir para o erário. O comentário do deputado «já vê v. exª sr. presidente, que um distrito que, através daquelas altíssimas crises agrícolas e comercial, faz face a todas as despesas a seu cargo e ainda concorre para as despesas gerais do estado com uma média de 117.000$000 reis, esse distrito parece-me que bem merece a atenção dos poderes públicos para não prosseguir, pelo menos em relação a ele, neste incessante e insaciável prurido de aumento de impostos, porque os resultados não podem ser outros senão a aniquilação completa das limitadas forças vivas que ainda restam àquele infeliz distrito”.

 

“O atrevimento do deputado madeirense teve «apoiados». Geralmente de um único deputado - Manuel Arriaga, também eleito pela Madeira, na altura. Embora só em Setembro do ano em que se dá este discurso de Vieira -1883 – viesse à Ilha. Em 1884”.

“Nós compreendemos que uma parte do continente que tem visto derramarem-se pela sua superfície milhares de contos transformados já hoje em grandes melhoramentos públicos, caminhos de ferro, estradas ordinárias, portos, barras e subsídios a companhias; que outras províncias que não gozam desses melhoramentos desde já e directamente, mas que por meios deles, mais se vão aproximando e mais aproximadas estão já dos portos.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (20)

“O Povo da Madeira, em meados do século XIX, precisava mais de charrua do que de intriga política. Era o médico e escritor Acúrcio Ramos a dar conselhos a Lisboa: cuidado com os delegados que mandam governar a Madeira. Outro aviso: há que ensinar umas coisas ao Povo, mas nada de matérias que obriguem a pensar muito. Além de feios, os madeirenses não eram famosos de cabeça. E Acúrcio Ramos era um liberal!” (Luís Calisto).

“Acúrcio Ramos nasceu na freguesia de Santa Luzia da cidade de Angra, filho de Acúrcio Garcia Ramos, proprietário e funcionário do Município de Angra, e de Maria Lúcia Pinheiro. Formado médico-cirurgião pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em 1861, onde se matriculou já no terceiro ano, tendo cursado na do Porto os anteriores. Terminado o curso foi nomeado cirurgião-ajudante do Batalhão de Engenheiros, por decreto de 27 de junho de 1864. Distinguiu-se nas suas campanhas jornalísticas em defesa das ideias da esquerda liberal, o que lhe suscitou várias perseguições políticas. Acabou preso depois de lhe ter sido promovida tenaz e injusta perseguição, acusado de conspiração. Esteve detido no Castelo de São Jorge, em Lisboa, em companhia de outro militar terceirense, o coronel Teotónio Maria Coelho Borges, um herói de África. Estudioso da história natural, publicou, entre outras obras «A Ilha da Madeira», obra em dois volumes publicada entre 1879 e 1880, onde além da análise dos usos e costumes madeirenses, apresenta uma listagem detalhada da fauna e da flora do arquipélago. Nesta obra relata a sua vida como prisioneiro do Castelo de São Jorge. (…) como jornalista político colaborou em vários jornais, tomando parte activa e acalorada na condução do Partido Histórico, de que era militante. Foi subchefe da repartição médica do Ministério da Guerra, destacando-se pela sua preocupação com a Saúde Pública (…) Acúrcio Garcia Ramos faleceu a 14 de setembro de 1892, depois de ter sido cirurgião-ajudante do Regimento de Infantaria n.º 13 e cirurgião-mor de brigada do Exército, sendo reconhecido como um dos mais importantes médicos militares portugueses” (Wikipedia 2021).

“O que na Madeira, com muitas excepções notáveis, torna feia a raça humana, são estes elementos de que se compõe. Na cidade, as pessoas têm uns traços razoáveis, cujas formas europeias e a pele branca. No campo é que as coisas se complicavam quanto a feições dos nossos antepassados que «além de feios em geral pelas razões expostas, são trigueiros pelos ardores do sol a que andam expostos. O temperamento mais vulgar é o bilioso-sanguíneo com um misto mais ou menos pronunciado umas vezes linfático, outras nervoso (…) as pessoas ricas, um pouco indolentes e incli- nadas aos prazeres da mesa, que ali (na Madeira) é variada e abundante, adquirem cedo muita nutrição. São de estatura média. E as mulheres desta classe, habitualmente sedentárias, gozam de uma saúde delicada, sem serem por isso doentes. Núbeis de 12 a 14 anos casam-se muito novas e têm oito a doze filhos, que elas próprias amamentam. Não admira, por isso, que a velhice e a decrepitude sejam prematuras para a maior parte».

Na obra «Ilha da Madeira» Acúrcio Ramos fala das vestes europeias dos habitantes do Funchal e na roupagem pitoresca. Dos transportes em rede ou a corça, que nem carruagem puxada a cavalo tem espaço nas veredas (…) o principal sustento consiste em milho (farinha cozida em água e temperada com sal e manteiga de porco), inhame, batata doce, semilha, abóbora, couve, fava, castanha, tremoço e peixe (…)” (DN, 23/06/1996).

(continua)