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domingo, 31 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (55)

O Dr. Juvenal de Araújo, no orçamento para o período de 1923-1924, continua a afirmar que “as despesas do Ministério da Marinha acham-se orçadas em 67.000 contos, sem que a sua equivalência corresponda de facto a valores, pois o país dispende toda essa soma com a Armada e a verdade é que não tem defesa naval. E é isto, Sr. Presidente, que também preocupa a Nação, porque os serviços do Estado devem ter, em regra, uma equivalência de valores efectiva.

O Ministerio do Comercio e Comunicações tem orçadas despesas em cêrca de 41.000 contos. E  para se poder determinar com exactidão qual a orientação a seguir nos serviços deste ministério carecemos de ter em vista o que as estatísticas nos mostram com relação ao movimento comercial do país. A última estatística do Comercio e Navegação que, creio, está publicada ou de que, pelo menos, tenho conhecimento, é referente a 1919. Por ela se vê que em 1913, antes da guerra, o nosso movimento comercial com o estrangeiro (importações e exportações), que era de mais de 4 milhões de toneladas, andou em 1919, e portanto em período pleno de paz, em volta de 2 milhões.

Esta diminuição considerável sofrida pelo nosso comercio externo esclarece-nos absolutamente sobre a obra tríplice que há, neste ponto, a realizar e que se cifra em: melhorar os nossos portos, desenvolver as nossas relações comerciais e, especialmente, dar maior incremento ao nosso comercio com as colonias.

Quanto aos melhoramentos a levar a efeito nos portos nacionais, é preciso não esquecer a situação de verdadeiro abandono em que se encontram três deles: o porto grande de S. Vicente, exclusivamente entregue aos privilégios da sua situação natural, e sob a ameaça constante dos portos de Dakar e de Canárias; o porto do Funchal, com a importância que todos lhe reconhecem, de onde se exportam 67.000 contos de mercadorias, e que todavia não tem um cais acostável, nem um porto de abrigo, que constitua uma condição de protecção ou de garantia à navegação que a êle aflua;  o porto de Leixões, completamente desprezado, representando um papel preponderante no comercio e na industria do Norte, que com o decreto de novembro  de 1921 veiu inutilisar-se inteiramente , fazendo reverter em favor do Estado a maior parte das suas receitas próprias. No desenvolvimento das nossas relações comerciais com o estrangeiro não podemos pôr de lado três dos principais pontos de apoio que poderemos encontrar para a obra que preconiso: a Inglaterra, a Espanha e o Brasil.

À Inglaterra, estamos ligados pelos mais estreitos interesses comerciais, a tal ponto que, dos 2 milhões de mercadorias movimentadas em 1919 nos nossos portos, pertencem 54% à Inglaterra; a Espanha, antes da guerra, tinha com Portugal um movimento comercial de cêrca de 14.000 contos anuais, mas a verdade é que temos todas as condições de aproximação, quer de ordem geográfica, quer de ordem étnica, para procurar  aumentar esse movimento através de fronteiras comuns; o Brasil é povo irmão do nosso, com quem estaria naturalmente indicado um entendimento no campo económico, que até hoje se não tem infelizmente realisado.

Lançamo-nos sempre a um estreitamento de relações, entre os dois países, no campo moral e intelectual. Temos desprezado o aspecto económico das relações, e o resultado é o aparecerem outras nações exercendo a sua acção no apetecido e disputado mercados do Brasil e o nosso movimento comercial com o país irmão descer bruscamente em 1919 para 35.000 toneladas, quando nos anos anteriores oscilava em torno de 150.000 toneladas!”

 

(continua)

sábado, 23 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (54)

É um dos princípios elementares e correntes que o défice orçamental resulta de uma diminuição de receitas ou de um aumento das despesas. E não é menos verdade que um orçamento é uma previsão estimada das receitas possíveis para aplicá-las em despesas diversas, no período de tempo a que o mesmo diz respeito. Num orçamento público, as opções de fazer aumentar ou diminuir as receitas orçamentais para o ano seguinte e, consequentemente, promover as respetivas despesas, cabe ao Governo em funções.

Já era assim no princípio do século XX, quando o Dr. Juvenal de Araújo participou na discussão do orçamento para o período de 1923-1924. Na altura, afirmou: “os impostos antigos teem sido aumentados, teem-se criado novos impostos, e é o próprio orçamento que acusa um aumento de receitas públicas na soma de 300 mil contos. Temos, pois de reconhecer que o deficit é resultante dum aumento de despezas. Mas desce-se a análise dessas despesas, e vê-se que não se trata infelizmente de despezas de caracter reprodutivo, que possam transformar-se ámanhã em fontes de riqueza nacional e que contribuam portanto para a melhoria da situação económica do país, única base da sua restauração financeira.

E é isto, Sr. Presidente, que mais preocupa a Nação. Com efeito, poderia o Orçamento acusar um déficit maior, e entretanto não constituir esse déficit um perigo para a Nação, dêsde que ele fosse resultante da realização de despesas tendentes a criar novas fontes de receita para o país, como seriam as despesas feitas com obras de protecção ao trabalho, à produção e á industria, que, num futuro mais ou menos próximo, se desdobrassem em outros tantos caudais de receita pública. Mas o que noto é que o nosso déficit é, infelizmente, um déficit de mau caracter  -  e êste facto é que é de ordem a trazer-nos justamente alarmados.

As despesas ordinárias e extraordinárias do Ministerio da Guerra estão orçadas em 139.285 contos, tendo portanto essas despesas sofrido um aumento de 52.000 em relação ao ano económico findo. Isto, Sr. Presidente, em pleno período de paz. É certo que temos de possuir a nossa defesa, que é a base da nossa organização política da Nação e que é, sem dúvida, a mais forte garantia da liberdade, da fazenda e da vida de todos nós. Mas é preciso que esta defesa seja a defesa dum povo pobre, dum país pequeno, que tem necessidade, sim, de ir para a guerra, mas guerra que não se faz com armas, mas com alma, com isenção e com devoção patriótica, contra as nossas próprias paixões e os nossos próprios êrros.

Ainda no ano passado, o ilustre deputado sr. Barros Queiroz apresentou uma proposta de redução de serviços militares, proposta que então a maioria da Camara poz de parte, não por a reputar menos justa, mas por entender que esta pretendida redução de serviços se não podia fazer dum jacto, mas só depois de uma preparação conveniente. Entretanto, Sr. Presidente, um ano é passado  - e que se faz para preparar o terreno, a fim de  dar execução à honesta e justa proposta do sr. Barros Queiroz?

Absolutamente nada. Os serviços militares teem, no orçamento para 1923-24, a mesma organização de há um âno. Todavia, ao mesmo tempo que isto se passa em Portugal, a Inglaterra, apesar da sua especial situação geográfica e apesar do papel que representa no concerto europeu, reduziu em dez milhões de libras as suas despesas militares para o futuro âno económico, fazendo nêste capitulo uma economia de 16% sobre os gastos do âno findo. Pois Portugal aumentou as suas despesas militares em mais de 50%!

(continua)

sábado, 16 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (53)

 

Na sessão legislativa de 1922-1925, a Câmara dos Deputados procedia à discussão na generalidade do Orçamento Geral do Estado e propostas orçamentais relativas aos ministérios. Quanto ao ano económico de 1923-1924, na sua intervenção o Dr. Juvenal de Araújo antes de produzir considerações que o assunto requeria, afirmou em plenário: “seja-me permitido extranhar e lamentar a forma como está decorrendo nesta Câmara a discussão orçamental. Com efeito, temos em discussão, simultaneamente, o Orçamento Geral do Estado e os orçamentos dos onze ministérios em que o gabinete se sub-divide; sabemos que a elaboração de cada um destes orçamentos marca a iniciativa pessoal do respectivo ministro; sabemos que os serviços públicos, dependentes dos diversos ministérios, são fundamentalmente diferentes, pela sua natureza, pela sua organização e pela sua função; sabemos que na altura da discussão orçamental é justamente quando o Poder Legislativo tem o ensejo de apreciar o critério que se seguiu na elaboração dos orçamentos, a oportunidade ou inoportunidade dos diversos serviços públicos, a forma como estão sendo cumpridos, a maneira como são dotados, etc.,- e é toda esta discussão, toda ela requerendo estudos e considerações diferentes, que estamos obrigados a fazer ao mesmo tempo, quási que duma assentada, numa confusão que é realmente extraordinária, pelas precipitações a que tem de dar fatalmente logar, sem sombra de utilidade para a discussão.

De parte deste grupo parlamentar, há, Sr. Presidente, toda a autoridade para se proferir estas palavras, pois foi desta bancada que partiu a iniciativa duma forma de discussão orçamental que, conciliando os critérios opostos que então se expozeram nesta Camara, marcava o verdadeiro caminho aa seguir-se, com a vantagem dupla de fazer separadamente uma discussão ampla dos orçamentos e de evitar-se os abusos da discussão na especialidade. Foi esta proposta rejeitada – e o resultado é aquêle que estamos verificando: discutir-se os orçamentos pelo modo atrabiliário e confuso que se constata, numa amálgama que não é senão prejudicial a uma consciente apreciação de tão importantes documentos.

Diz-se que o Orçamento Geral do Estado tem de ser, no fundo, mais que um programa financeiro, um plano de acção, em que se reflita o pensamento e a róta do Governo sobre os mais diferentes ramos da administração pública. Nunca, como nêste momento, foi tão necessário que o Orçamento do Estado constituísse verdadeiramente um plano de acção, expressos em serviços e obras que marcassem realmente o início daquele período de reformas nacionais por que todos almejamos, que todos os governos prometem ao país, mas que infelizmente ainda não foi principiado.

Lê-se o Orçamento da primeira à ultima página, e vê-se que êle, neste período grave da vida portuguesa, tem a mesma elaboração do dos anos anteriores, constituindo pouco mais que uma simples conta do Estado com um deficit de cerca de 139 mil contos. Não tenho elementos para ajuizar da exactidão desta cifra. Quando se fala em deficits orçamentais, recordo sempre uma fráse dum estadista de saudosa memória - Saraiva de Carvalho – que, nesta mesma Camara, em 1879, entrando na discussão do Orçamento, principiava por estas palavras: «Estamos em presença, Sr. Presidente, de um Orçamento erradamente calculado, e calculadamente errado».

 (…) não me detenho na análise do  montante do deficit, pois o que mais preocupa a Nação não é o quantitativo do deficit: é a sua natureza, é o seu caracter”.

(continua)

domingo, 10 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (52)

 Na discussão do orçamento do Ministério da Guerra para ano económico 1922-1923, o Dr. Juvenal de Araújo fez uma intervenção na Câmara dos Deputados, acerca do capítulo 2º, afirmando: “Refiro-me às verbas inscritas sob a designação de «Servço Automovel Militar», acusando uma despeza de 576 contos, à qual a comissão do orçamento propõe determinadas reduções, mas que ainda assim fica atingindo a importante soma de 406 contos. Ao ver que se destinam estas quantias para o serviço dos automoveis militares, e ao verificar a organização complicada, verdadeiramente faustosa,\ que tem esta especie de serviços, eu fico realmente surpreso, pela forma como tudo isto se faz, nêste momento, sob o imperio das mais fundas dificuldades económicas e financeiras.

A organização é, com efeito, tão aparatosa que o serviço tem, nada mais, nada menos, do que cinco secções: -É a secção da direção do Serviço Automovel Militar, é a secção da Comissão Tecnica do Automobilismo Militar, é a secção das tropas automobilistas, é a secção do Parque Automóvel Militar, é a secção, finalmente, da Escola de Condutores Militares de Automoveis de Lisboa! E, ao verificar toda a complicação desta organização de serviços, mais propriamente dum país que estivesse na hora máxima do seu esplendor do que sob a pressão dos maiores embaraços de ordem financeira, ficamos a cogitar quais os fins a que obedece uma organização tão dispendiosa. Entretanto, nada mais simples: a constituição do serviço automóvel militar e a conservação do material existente. Este é o fim único destes serviços, segundo o dizer expresso do relatório do decreto nº 4705 que os criou, e entretanto estabelecem-se todas aquelas secções, todas guarnecidas de pessoal e absorvendo quantias que não se compadecem de modo algum com o regímen de economias em que o país tem que entrar.

É contra êste facto, que tanto depõe contra a nossa administração pública, que eu me insurjo, em defesa dos legítimos interesses nacionais.

Na proposta orçamental do Ministerio da Guerra, faz-se alusão ao decreto de 29 de junho de 1918 debaixo da rúbrica de «Serviço Automovel Militar», como para justificar de algum modo a inscrição das verbas previstas nesta arte do Orçamento, visto ter sido esse o diploma que criou e regulou essa ordem de serviços. Esta circunstancia não justifica, porém, nem de qualquer forma desculpa as extraordinárias despezas absorvidas por esse serviço, porquanto há serviços públicos, instituídos e regulados por lei, que são do mais palpável interesse nacional e que estão absolutamente por funcionar, por falta de recursos. Dentre esses, aponto um, como exemplo à Camara: - o dos serviços agrícolas.

A lei de maio de 1918, que marca superiormente a nossa organização agrícola, dividiu o país em zonas, tomando por base a divisão administrativa de Portugal, e dentro de cada uma delas criou regiões agrícolas, subdividindo-as depois em sub-regiões, e estabelecendo postos agrários e escolas moveis de agricultura.

É uma organização perfeita, em que ha secções para instruir o lavrador sobre os mais modernos processos de cultura, em que se faz a análise da composição de cada espécie de terrenos, em que se fazem pesquisar sobre o género de cultura mais adequada a cada região, em que se estudam e divulgam os meios de tornar as produções mais aperfeiçoadas e abundantes (…) poucas são as estações agrícolas que neste momento estão funcionando em Portugal (...) a do Funchal, criada recentemente”.

(continua)

domingo, 3 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (51)

 Nas expropriações em que o Estado é a entidade expropriante torna-se importante uma conciliação de interesses pela indemnização justa da propriedade, e vai de encontro à natureza da própria função do Estado, de modo especial uma função de equilíbrio. É neste princípio que o Dr. Juvenal de Araújo continua a referir que “É preciso não perder de vista que o Estado que expropria, para a realização duma obra de possível utilidade pública, é o Estado que é expropriado numa das parcelas da sua riqueza, numa das parcelas daquele campo onde êle vai buscar o alimento para o seu erário.

De harmonia tem de ser, portanto, a função do Estado nesta matéria. E de harmonia muito cuidada, porque se a verdade é que muitas vezes a obra que se vai realizar é de verdadeira utilidade comum, outras vezes ela representa um favoritismo ou uma obra de odio, com que se premeiam serviços políticos ou se exercem vinganças mesquinhas. Temos, pois, de rodear a propriedade de todas as garantias que são de justiça, e tanto a propriedade urbana como a rústica.

Disse-se já nesta Camara que bastaria alterar o modo de fixação da indemnização à propriedade urbana, deixando que a propriedade rústica continuasse a ser avaliada tomando como base o rendimento constante da matriz. Nada mais injusto, Sr. Presidente, do que êste critério. Não há nenhumas razões para que continue a deixar-se a propriedade rústica entregue ao regímen iníquo da lei de 1921, pois a verdade é que, embora a matriz acuse uma diferença maior em propriedade rústica em relação à propriedade urbana, do que em relação à propriedade rústica, a verdade é que, por menos sensível que seja, alguma é sempre, e injustos são portanto igualmente os seus efeitos.

O nosso desenvolvimento agrario é deficiente, e embora tenhamos uma organização magnífica, na letra da lei, dos nossos serviços agrícolas, que é a lei de maio de 1918, a verdade é que, na pratica, a lavoura tem sido absolutamente abandonada da acção protectora do Estado.

O agravamento do cambio mais vem dificultar a vida do lavrador, pela impossibilidade em que êle realmente se encontra para importar os adubos quimicos, as sementes, as máquinas e instrumentos agrícolas de que carece. A obra do credito agrícola não passa, por seu lado, duma bela aspiração.

Que razões há para que ainda mais se vá dificultar a situação da propriedade rústica, ponda-a na dura contingencia de ser liquidada em expropriação pelo rendimento acusado na matriz, e dando-se garantias maiores à propriedade urbana, como pretende quem assim argumete?!

 Há dias, o sr. Ministro das Finanças queixava-se, das bancadas do Governo, de que o dinheiro português, em vez de fixar-se em valores nacionais, fugia, apavorido, para o estrangeiro. Não me parece, Sr. Presidente, que seja por esse caminho que se remedeia e se trata de evitar esse grande mal de que o sr. Ministro das Finanças se lamenta. Se não acudirmos com medidas legislativas atiladas, a desconfiança continuará cada vez maior, e os nossos capitais, não encontrando nenhumas garantias na sua fixação na propriedade nacional, continuarão infelizmente a róta do seu êxodo.

Por todas estas razões, espero que a Camara atenda devidamente o assunto que se discute, e que vote no sentido que é o mais honesto e o mais justo, o único harmónico com a noção do direito e o interesse nacional, qual é o de modificar as basas sobre que assenta o modo de fixação do valor da propriedade nos casos de expropriação por utilidade pública, por forma a que êsse valor seja determinado com rigor e com justiça. Tenho dito”

(continua)