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domingo, 25 de julho de 2021

 

               Conflitos das Autonomias da Madeira (41)

 

O texto das Bases da Autonomia, apresentado pelo Dr. Manuel Pestana dos Reis, tinha como objetivo estabelecer pela primeira vez a coexistência dos poderes legislativo e executivo. Aparecia o conselho legislativo eleito entre as câmaras e associações de classe, podendo legislar no plano regional. Apenas lhe estariam vedadas as questões referentes ao exército, relações com o estrangeiro, formação do governo, justiça e ensino.

O livro «História da Madeira», coordenação de Alberto Vieira, setembro de 2001, continua a salientar que “O quadro constitucional completava-se com o conselho executivo, eleito pelo legislativo, com a função de superintender as finanças, fiscalizar o orçamento e superintender os serviços e obras públicas. A representação do governo no distrito continuaria a ser feita pelo governador civil, nomeado mediante consulta ao conselho executivo. Ao mesmo ser-lhe-iam cometidas funções de fiscalização e assistência aos diversos órgãos da administração.

Uma das reivindicações mais destacadas foi o direito à fruição em benefício próprio das receitas arrecadadas. A Madeira deveria deter a sua total administração, ficando ao Estado apenas com uma quantia fixa para cobrir os custos da cobrança. Esta autonomia era entendida pelo próprio Manuel Pestana Reis como uma forma de «desconcentração política e administrativa» e ia ao encontro de anteriores propostas surgidas  nos Açores da autoria de Aristides da Mota (1892) e Francisco de Ataíde Manuel de Faria e Maia (1921).

Durante este momento o intercâmbio dos projectos autonomistas de ambos os arquipélagos foi um facto e de novo promovido pelo Presidente da Junta. Em Dezembro de 1922 uma representação de Ponta Delgada chefiada por Luís de Bettencourt e Câmara e José Bruno Carreiro, chega à Madeira, seguindo-se em Janeiro do ano seguinte a presença de Frederico Augusto Lopes da Silva, de Angra.

As ideias de Manuel Pestana Reis, próximas das teses federalistas, porque não se enquadravam no sistema constitucional vigente, não foram geradoras de consensos. O facto mais significativo foi o de pela primeira vez existir consenso entre os vários sectores e uma conjuntura própria a uma opção concertada dos dois arquipélagos na reivindicação de mais autonomia. Esta deixou de ser uma opção açoriana ou madeirense para se transformar em insular. Mas esta conjuntura de intercâmbio açoriano-madeirense nos anos de 1922 e 1923 esmoreceu na hora de apresentar os projectos ao Congresso da República.

Henrique Vieira de Castro, banqueiro continental estabelecido na Madeira, filantropo, pai do director de O Jornal da Madeira, pensava apenas da autonomia económica; o Padre Fernando Augusto da Silva e o capitão Carlos Frazão Sardinha propunham a formação de um partido regionalista. Já o senador Dr. Vasco Augusto Marques discordava da criação do partido regionalista, propondo o aumento das receitas da Junta Geral e pouco mais. O Dr. Manuel Gregório Pestana Júnior, personalidade republicana de relevo nacional, preferia falar de uma ampla descentralização administrativa, discordando da formação de um partido regional, tal como o Dr. Fernando Tolentino da Costa. O comerciante José Maria Teixeira pretendia que se fosse mais longe, criando-se não só um partido regionalista como também moeda própria na Madeira”.

 

(continua)

sábado, 17 de julho de 2021

 

               Conflitos das Autonomias da Madeira (40)

 

Continuam as afirmações do dr. Eduardo Antonino Pestana no sentido de que “sem a colaboração da classe política da Madeira e do Continente não era possível fazer avançar o parco regime autonómico de 1901. A classe política da Madeira, dependente das estruturas e dos favores da classe continental, estava dividida. Por outro lado, as forças vivas madeirenses, não só não sabiam bem o que queriam como estavam também acomodadas (…) a dívida nacional, agravada com a participação de Portugal na primeira guerra mundial e a desvalorização do escudo produziram o aumento da carga fiscal.

Os regimes cerealífero e sacarino não agradavam aos madeirenses. O porto do Funchal era preterido pelos das Ilhas Canárias que disponham de menos exigências fiscais. A Madeira estava obrigada a comparticipar na construção do Porto de Leixões, enquanto os recursos financeiros da Junta Geral eram cada vez mais insuficientes para uma acção profícua. Em 1921 a receita do Estado na Madeira era de 3.080.248$18, enquanto que a da Junta Geral era sensivelmente de um terço: 969.750$37.

A ideia de autonomia era agora distinta daquela de finais do século XIX. A influência inglesa conduziu à reivindicação de uma ampla autonomia que, segundo se dizia em 9 de Novembro de 1921, deveria ter apenas na bandeira «a única ligação com a Mãe Pátria». Ao mesmo tempo insiste-se na contestação das teses separatistas das acusações vindas de Lisboa pois, segundo Tolentino Costa em 1922 «orgulhamo-nos de ser portugueses e portugueses queremos continuar. Mas ambicionamos (…) que nos dêem mais largos recursos e mais ampla autonomia porque só assim poderemos sair deste atraso, que nos confrange e nos prejudica»” (História da Madeira, coordenação de Alberto Vieira, setembro de 2001).

 Tolentino da Costa salienta no Diário de Notícias, de 19/10/1922, o seguinte: “Não faltam aqui cérebros nem vontades para delinearem e realizarem os ambicionados melhoramentos; não precisamos também de esmolar as receitas indispensáveis. O que nos falta é simplesmente justiça, porque bastará que alarguem a autonomia, consoante a nossa maioridade e que nos deixem um maior quinhão das nossas receitas, para que em curto prazo completemos a obra começada da qual tão justamente nos orgulhamos já.  não creia V. Exª. nunca nas vozes que acusam o propósito de nos separarmos da metrópole (…)”.

Para o movimento autonomista madeirense dos anos vinte muito contribuiu a atitude do então Presidente da Comissão executiva da Junta Geral, o Dr. Fernando Tolentino Costa que, aproveitando a passagem do Presidente da República, António José de Almeida, a 9 de Outubro de 1922, no regresso do Brasil, e lançou o desafio no sentido do alargamento da autonomia. O facto teve eco na imprensa local e fez com que o movimento autonomista ganhasse alento.

A Junta Geral, tomando a liderança do processo, enviou um ofício para as Juntas Gerais dos Açores (Ponta Delgada e Angra do Heroísmo), propondo congregação de esforços e concertação de acções sobre este objectivo, convocando uma assembleia de madeirenses, donde saiu uma comissão autonomista, que se reuniu pela primeira vez a 21 de Dezembro de 1922, na sede da Associação Comercial do Funchal. Foi aqui que o Dr. Manuel Pestana Reis apresentou o texto das Bases da Autonomia, que vem publicado na brochura das Comemorações do 5º Centenário da Descoberta da Madeira”. (História da Madeira, coordenação de Alberto Vieira, setembro de 2001).

(continua)

domingo, 11 de julho de 2021

               Conflitos das Autonomias da Madeira (39)

Os jornais da época acentuaram opiniões em defesa da autonomia da Madeira, tal como o exemplo seguinte: “(…) A autonomia completa da Madeira, pode ser um bem e pode ser um grande mal. É por isso, que na sua carta de alforria, deve ser afastada toda a semente política.  Quere dizer: a futura organização administrativa da Madeira deve ser de molde a que não permita a vida dos, bem fáceis de surgir, partidos autonomistas liberais, evolucionistas, radicais, conservadores, etc. Se é certo que toda a gente anseia por uma mais ampla autonomia da Madeira, a verdade é que toda essa gente, o quere principalmente por estar farta dos partidos e dos políticos. Assim, o congresso e as corporações futuras deverão ser constituídas por representantes de todas as classes sociais (…)”. [Ramon Rodrigues, Correio da Madeira. 0811.1922].

Assim também o dr. Eduardo Antonino Pestana alertou para a importância da imprensa no despertar a opinião pública para a defesa dos seus interesses, já que a Madeira “não pode continuar a ser objecto nem das ironias do Estado nem da incúria das corporações administrativas que têm presidido aos seus destinos (…) Temos recebido em todas as circunstâncias, as provas do mais descoroçoado desprezo do Poder Central. E muito para nosso mal, a vida administrativa madeirense tem girado ao redor dos motivos doentios da política estritamente partidária”. Mas atribui culpa aos “órgãos de governo próprio da Madeira, pelo protelar da resolução dos grandes problemas económico-sociais da ilha e que se prendem com a acomodação dos dirigentes madeirenses às tarefas rotineiras e burocráticas: “Quem estas linhas escreve conhece com quanta galhardia, distinção e esforço de estudo os interesses sociais do arquipélago têm sido defendidos nas duas casas do Congresso da República e imposta à simpatia do continente e da Nação a causa da nossa justiça. Mas contrista-nos a impossibilidade de louvarmos mesmamente a acção das representações distritais administrativas presentes. As questões mais instantes e momentosas têm sido proteladas. Por vezes, menos defendido o interesse do público consumidor e contribuinte. A função novamente burocrática do expediente tem constituído a sua vida, a sua função, a sua razão de ser” (1920).

Sob o ponto de vista opinativo da rede viária da Madeira, Antonino Pestana encontra um obstáculo ao desenvolvimento do arquipélago: “o conflito de competências entre a Câmara do Funchal e a Junta Geral: É preciso que uma e outra pondere que as estradas do seu regimento não são um feudo corporativo, mas uma propriedade da comunidade, por elas representada, e que maior escrúpulo caberá aos que, na marcha das negociações, puserem acima das preferências unilaterais o melhoramento regional. Que este se faça custe o que custar. Mas, para que se faça, julgamos fundamental – mais ainda que as impetradas isenções fiscais – a unanimidade de vistas da Câmara Municipal e da Junta”. (História da Madeira, coordenação de Alberto Vieira, setembro de 2001).

As opiniões de Antonino Pestana produziram efeitos no Funchal, tendo gerado, entre finais de 1922 e princípios de 1923, “um clima eufórico de debate em torno do alargamento da Autonomia. Muitos dos que se pronunciaram sobre isto, tinham também por objectivo combater o regime republicano, apontando rumos políticos para a Madeira diferentes do Continente, soluções que se enquadravam ou no regime monárquico ou no espírito das novas ideias políticas que haveriam de conduzir as ditaduras na Europa de então”.

(continua)


                Conflitos das Autonomias da Madeira (38)

 

Na Madeira, a adesão ao ideal sidonista designado «República Nova», saída da Revolução de 5 de dezembro de 1917, renovou a esperança que durou pouco tempo. Face ao desalento que removeu a esperança por um tempo melhor, fez crescer a oposição à «Nova República» e o desejo de retroceder à anterior República - «República Velha». Nestas circunstâncias temporais surgiu em 15 de maio de 1918 a tentativa de formar um partido regional com a designação de «Partido Trabalhista», da iniciativa da União dos Sindicatos do Funchal e com empenhamento de Manuel Gregório Pestana júnior, republicano natural do Porto Santo. Tratava-se de uma proposta alternativa à política de Sidónio Pais e em «defesa dos trabalhadores e do progresso da Madeira». No programa salientam-se as principais questões que estavam na ordem do dia do povo da Madeira, tal como o monopólio do açúcar, aguardente, álcool, o regime cerealífero e a colonia.

“Em 1917 tivemos uma Comissão Patriótica de Protecção e Defesa dos Interesses da Madeira, integrada pelo visconde Cacongo, dr. Pedro José Lomelino, Azevedo Ramos, Manuel Sardinha, Ciríaco de Brito Nóbrega e Juvenal Araújo, que se manifestava preocupada com a situação agrícola e dos transportes marítimos com o continente.

O Sidonismo desapareceu com o assassínio de Sidónio Pais em 5 de Dezembro de 1918, retornando-se a «velha república». A partir de 1922 a situação da ilha não era distinta dos anos anteriores mas tinha o condão de ter sido o momento escolhido para a comemoração do quinto centenário do descobrimento da Madeira. Este foi o argumento para fazer despertar o espírito autonomista e regional dos madeirenses. «No dia em que for decretada a completa autonomia, ter-se-há descoberto a Madeira pela segunda vez» afirmava Pestana Reis no Diário de Notícias, de 20 de Outubro de 1922.

A primeira República revelara-se interessada em mudar a situação da Madeira, mas neste segundo momento o conturbado movimento político e as medidas de sobrecarga tributária foram muito sentidas pelos madeirenses, fazendo evidenciar-se a ideia de espoliação financeira. A crise económica e financeira da Madeira obrigava à tomada de medidas, sendo o alargamento da autonomia administrativa, segundo o editorialista do Diário de Notícias (9.10.1922), «o único caminho a seguir para a salvação da Madeira».

No princípio dos anos vinte o debate e combate pela Autonomia da Madeira ganhou renovado entusiasmo e uma nova dimensão. Em Outubro e Novembro de 1920, o Dr. Eduardo António Pestana, entusiasmado com os resultados positivos da realização em várias localidades do Continente de Congressos Regionais, iniciativa que partira do então director do Diário de Notícias, de Lisboa, Dr. Augusto de Castro, reclama insistentemente, no Diário de Notícias, do Funchal, a necessidade de idêntica iniciativa na Madeira. O objetivo do congresso, a realizar na Madeira, era produzir um levantamento dos principais problemas com que se debatia a sua terra natal e criar uma comissão para reclamar as soluções necessárias junto dos parlamentares madeirenses e dos ministérios do Terreiro do Paço, em Lisboa. Isto é, criar um grupo de pressão madeirense em Lisboa.

O apelo encontrou eco nas forças conservadoras da Madeira, apesar da inércia ainda revelada. António Pestana, sem confrontar directamente o regime parlamentar da República, dizia que as questões políticas davam lugar às questões económicas (…)”. (História da Madeira, coordenação de Alberto Vieira, setembro de 2001).

(continua