Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (7)

OCUPAÇÃO DO SEMINÁRIO MENOR - A ocupação, a 31/10/1974, do Seminário Menor, localizado na Calçada da Encarnação,  constituiu uma acção de certo modo carregada de uma forte componente política mas não especificamente partidária, porquanto os seus promotores, de que fariam parte professores e alunos do ensino oficial, tinham em vista utilizar um espaço para nele serem ministradas aulas. No fundo, por falta de escolas, pretendiam rentabilizar um espaço que tinha ficado vago em virtude de ter acabado o «Seminário Menor».
D. Francisco Santana, criou todas as condições mais que favoráveis para essa ocupação. E nesse dia, o próprio Bispo foi ao local para “negociar” a desocupação ou, quem sabe, fazer-se refém dos invasores para melhor dar a conhecer à opinião pública o dramatismo da “ocupação selvagem” e da sua “prisão domiciliária”. De qualquer maneira, o acontecimento acabou por dar trunfos ao prelado para a sua acção político-religiosa daí em diante.
Ao longo de muitas décadas, na “GAIOLA VERDE” (designação dada pelos  seminaristas ao edifício então ocupado),   funcionou o Seminário que passou a designar-se  «Menor» quando, em 1958, entrou em funcionamento o Seminário Maior, situado na Rua do Jasmineiro.
Chegado à Madeira a 12/5/1974, a primordial tarefa do novo Bispo foi reorganizar os Seminários, acabando com o Seminário Menor e criando a “ESCOLA APOSTÓLICA” que não seria Seminário mas sim uma escola de estudo das vocações sacerdotais dos jovens, analisando, depois, “qual a vocação que Deus lhe dá para ser um bom Sacerdote ou um bom Chefe de família”.
 O certo é que, cerca de dois meses e meio após ter tomado conta dos destinos da Igreja madeirense, D. Francisco Santana enviou, a 5/8/1974, uma carta aos pais dos seminaristas do “Seminário Menor” dando-lhes a conhecer a decisão de extingui-lo, dizendo: “No próximo ano lectivo, não teremos aulas no Seminário Menor e, por isso, disse ao seu filho que deveria matricular-se no Liceu ou Colégio de modo a ficar em casa. Se não lhe for possível porque não tem liceu ou colégio próximo, terá então de vir para o Funchal, para um lar que vou abrir para este efeito”. A medida tomada tinha uma justificação externa, vinha de Roma. A carta refere que “É desejo do Santo Padre de Roma  que os seminaristas, enquanto não entram no Seminário Maior, façam os seus estudos liceais, tanto quanto possível sem saírem de suas casas, pois estão  numa idade que muito precisam  do carinho de seus Pais”.
É verdade que o ensino do Seminário não tinha equiparação ao ensino oficial, o que criava dificuldades na continuação dos estudos dos seminaristas que deixavam de ter “vocação”. De certo modo, o novo modelo veio acabar, em parte, com a injustiça criada ao longo dos tempos. Mas a motivação de D. Francisco Santana para acabar com o Seminário Menor baseou-se também no argumento de que “Tem havido rapazes que entram no Seminário só por causa dos estudos e nunca pensaram em ser Sacerdotes, e assim levam toda uma juventude de mentira e de hipocrisia, o que é muito deseducativo. Só entrarão no Seminário Maior aqueles rapazes que derem provas de uma verdadeira vocação sacerdotal e tenham feito o 7º ano dos Liceus. Eu preciso de ter muitos e santos Sacerdotes para serem os Guias Espirituais do Povo de Deus. Pode ser que o seu filho tenha esta vocação sacerdotal, mas terá tempo de se decidir ao terminar os estudos liceais”. Nem mais, o problema estaria na “mentira e na hipocrisia” dos jovens que iam para o seminário sem terem dado provas de uma “verdadeira vocação”, como se apenas fosse autêntica a vocação que surge mais tarde!

A ocupação do “Seminário da Encarnação” deu origem a um comunicado anónimo, datado do dia 1 de Novembro, dirigido aos “CATÓLICOS MADEIRENSES” contra tal ocupação e convocando-os para uma concentração para aquele dia, pelas 16 horas, junto à Sé, a fim de mostrarem o desacordo “junto das Forças Armadas e exigir a sua entrega imediata à Diocese”.

 O comunicado refere: “QUEREM TIRAR-NOS O SEMINÁRIO DA ENCARNAÇÃO, ALEGANDO FALSAS RAZÕES. O NOSSO BISPO FOI OBRIGADO A CEDER, DEPOIS DE INSULTADO E HUMILHADO DURANTE UMA NOITE INTEIRA, PRESO NA SUA PRÓPRIA CASA”. Mais adiante refere: “PRECISAMOS DO SEMINÁRIO MENOR!!!  NÃO ESTÁ DESOCUPADO COMO AFIRMAM. NÃO PODEMOS DEIXAR O NOSSO SEMINÁRIO QUE TANTOS SACRIFÍCIOS CUSTOU AO POVO CATÓLICO DA MADEIRA”. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (6)

BANCO DA MADEIRA - A 29 de setembro de 1975, ao pretenderem transformar o Banco Totta & Açores – Banco da Madeira» em Banco exclusivamente regional e emissor da moeda “Zarco”, dos separatistas promoveram o arranque do letreiro desta instituição de crédito. Uma enorme multidão, no Largo do Chafariz, observa Consuelo Santos, em cima de uma escada, com um martelo a deitar ao chão a “indesejável” palavra “Totta”. No fim da operação, apenas sobrou a designação de “Banco da Madeira & Açores”.
Os últimos dois dias de setembro de 1975 foram de grande e complexa efervescência naquele Banco. A comissão de saneamento, vinda de Lisboa, não teve vida fácil nas mãos do “núcleo separatista” os bancários do Totta, que exigiram o imediato regresso daquela comissão a Lisboa.

Ficou claro que a febre independentista nem sequer proporcionou aos separatistas uma reflexão no sentido de avaliarem a viabilidade economico-financeira do proposto “Banco Emissor da Madeira”. Nem sequer sabiam que o Banco da Madeira já tinha sido uma instituição de crédito exclusivamente regional, cujas portas abriram no dia 23 de junho de 1920, e que em 1966, por razões de natureza económica e para melhor viabilidade do Banco, foi incorporado no «Banco Lisboa & Açores», depois «Totta & Açores», hoje Santander Totta.
E que, no dia 1 de junho de 1875, abriu ao público o «Banco Comercial da Madeira» (BCM), primeira instituição de crédito criada na Madeira, tendo fechado as portas em 1887. A funcionar apenas durante doze anos, o BCM, genuinamente madeirense, não resistiu à unificação da moeda, em 1879, e à retirada de circulação da “moeda fraca”, cunhada na Madeira, face à “moeda forte”, cunhada no continente.

OCUPAÇÃO DO CENTRO REGIONAL DA EMISSORA NACIONAL - Foram também os separatistas que ocuparam o Centro Regional da Emissora Nacional, na Rua dos Netos, no dia 7 de outubro de 1975. Aos ocupantes, constituídos por separatistas bem conhecidos no Funchal, juntaram-se retornados das ex-colónias, que foram repelidos pelo Sindicato da Construção Civil, não faltando feridos como aconteceu ao chamado “doutor da bolacha”.
Durante a ocupação, a emissora transmitiu o «Bailhinho da Madeira» e outra música exclusivamente regional e um comunicado, lido por uma senhora de fracos dotes comunicativos. Esse comunicado continha as linhas mestras da orientação política e de programação para a emissora. Da gravação que na altura fiz da emissão dirigida pelos ocupantes recordo: “Um grupo de madeirenses, incluindo um grupo de retornados das ex-colónias, resolveu ocupar o posto regional da Emissora Nacional, com vista a obter-se uma informação honesta (...)”.
Depois de explicar que a Emissora Nacional informava com desonestidade, o mesmo comunicado exigia o saneamento de jornalistas, tais como Alberto Andrade, Henrique Sampaio, Oliveira Pires e Gualdino Rodrigues. Mas para que as emissões entrassem na normalidade pretendiam o regresso dos jornalistas suspensos Armindo Abreu, Juvenal Xavier e Duarte Canavial.
Os ocupantes aproveitaram o tempo da sua emissão para fazerem outras exigências políticas que não tinham relação directa com a Emissora Nacional. Exigiram a “Expulsão imediata do arquipélago dos indivíduos abaixo indicados, fomentadores ou patrocinadores de desuniões já verificadas no seio da comunidade madeirense, padre José Martins Júnior, doutor Milton Morais Sarmento, senhor Alturas”.
O certo é que a barafunda foi de tal ordem na Rua dos Netos que nem havia polícia para dirigir o trânsito. Foi um retornado a controlar os automóveis que desciam a Rua das Mercês, no cruzamento desta com as ruas dos Netos, do Castanheiro e de S. Pedro.
 O momento foi propício para os partidos políticos dizerem de sua justiça. Foi o caso do PPD que, no dia imediato, emitiu um comunicado afirmando: “Não estando o PPD de acordo com uma solução separatista, logo sossegou ao ver hasteada no mastro principal do referido emissor, a Bandeira Nacional”. Dizia ainda o comunicado: “Dado que esse emissor se tem comportado como um pasquim vergonhoso, o PPD apoia os pedidos de saneamento, desde que se desenrolem consoante as garantias legais”.
Quem também se pronunciou sobre tal ocupação foi o Director do Jornal da Madeira, Alberto João. No dia 9 daquele mês escreveu: “O acto foi de uma flagrante inoportunidade (...) vai criar dificuldades à formação da futura Junta Regional (...) por um lado, é indubitável que a Emissora Nacional local merecia um saneamento, mas pergunta-se: era este o processo?”.






quarta-feira, 14 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (5)

“Se necessário, haverá que retomar os combates
 de há três anos atrás, visto que se assiste a um
novo crescendo da agressão marxista”. 
In: Comunicado do Secretariado Regional do PSD-M, 16/12/1979

 “Os sucessos conquistados conseguiram-se
porque em 1974 e 1975 pegámos nuns
cavalheiros, metemo-los num avião e
mandámo-los para Lisboa.
E foi aí que eles perceberam que nós tínhamos
força, e nos deram a autonomia”.

Alberto João, Festa do PSD-M, Paúl da Serra, 2/8/92


Na Madeira, os atentados com bombas, fogo posto ou outras formas de ações terroristas constituíram os atos mais hediondos e perversos do período pós-25 de Abril de 1974.
O “Verão Quente” de 1975 foi propício para a criação de uma onda de atentados nunca vista. O 11 de março de 1975 e o aprofundamento da política seguida por Vasco Gonçalves criaram motivação nos terroristas regionais para o bombismo. Mas foi essencialmente a partir de agosto de 1975 que a violência se instalou, embora com menor frequência a partir de meados de 1976.

Um dos primeiros atos reprováveis, a 12 de agosto de 1975, foi a tentativa de fogo posto numa carrinha junto à sede do PPD, na Rua das Mercês. Depois seguiram-se sucessivos rebentamentos como os do Avista Navios, na véspera da festa do Monte; os transmissores do Centro Regional da Emissora Nacional, localizados no Monte, foram pelos ares, assim como uma bomba colocada junto às instalações da Rua dos Netos; Álvaro Branco, proprietário de uma padaria em S. Jorge, só por ser considerado comunista, viu aquele estabelecimento ser atingido por um engenho explosivo; um pacato bancário, que não fazia mal a uma mosca, só por ser considerado de esquerda, ligado ao PCP, viu a sua viatura ficar em pedaços junto à sua residência na Rochinha; até no interior do palácio de S. Lourenço foi colocada uma bomba; também nos jardins contíguos à Câmara Eclesiástica rebentou um petardo; bombas não faltaram na sede da UDP e na do PS (Porto Santo), na residência dos padres do Pombal, nos automóveis dos socialistas Emanuel Jardim Fernandes e Duarte Caldeira, no de Milton Sarmento da UDP, no do jornalista Tolentino Nóbrega e na residência de Marcelino dos Santos; outras bombas caíram na Rua da Levada de Santa Luzia e na rua da Levada do Cavalo; um avião militar (Nord Atlas) foi mandado para a sucata após uma bomba de relógio nele colocada quando estava estacionado no aeroporto; Monteiro de Aguiar, três dias após ter tomado posse de vogal da Junta Regional da Madeira, viu a sua viatura sair da circulação após ato terrorista; um automóvel da Empresa de Cervejas da Madeira sofreu estragos avultados por uma bomba; o Tribunal de Trabalho e o edifício da Caixa de Previdência não escaparam a um petardo; dinamite numa ponte, em Santa Cruz, aguardava a passagem do Almirante Pinheiro de Azevedo, Primeiro-Ministro do VI Governo Provisório, na sua deslocação à Madeira, cujo trajeto sofreu um desvio após suspeitas de atentado; o professor Simões, da Escola da Ribeira Brava e ex-delegado do FAOJ, foi perseguido, vítima de atentados, encarcerado e compulsivamente obrigado a sair da Madeira.

Por sorte ou coincidência temporal, apenas houve danos materiais, salvo quando engenhos explosivos deram origem a uma morte no Porto Santo, a 23 de agosto de 1978, de um jovem madeirense, e ao suicídio, por enforcamento, de um soldado supeito de estar ligado à rede bombista, que prestava serviço no RIF. Após ter sido detido nos calabouços da Polícia do Exército, no Forte de São Tiago, Alírio Fernandes foi encontrado sem vida na manhã do dia 4 de Outubro de 1978

Mas nem a plena entrada em funções dos órgãos de governo próprio da novel Região Autónoma, pôs termo aos atentados. Os seus autores, morais e materiais, demonstraram uma incapacidade política e uma menoridade mental para defenderem os seus pontos de vista, fossem eles quais fossem, sem recorrerem a tais métodos terroristas.







quinta-feira, 8 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (4)

Para D. Francisco Santana o padre Martins “é ex-Pároco, juridicamente, e até hoje, não é ex-Padre. Não o condeno por tudo o que diz pretender fazer em favor do Povo; não o condeno pelas suas qualidades porque também as tem. Mas não posso consentir na sua indisciplina e na sua desobediência ao seu Bispo e ao Santo Padre. Pode ter muita gente fanatizada e de boa fé que o aceita, mas estão no erro e comprometem seriamente a sua fé cristã”. A questão do catecismo levou o Bispo a uma maior reação negativa afirmando que “O Catecismo feito pelo Padre Martins está cheio de erros e prega o ódio em vez do amor; nenhum Bispo do mundo podia em consciência aprovar este falso catecismo. Afinal o que quer o Padre Martins?”.
  O que o padre Martins porventura pretenderia fazer seria ser activo e não se acomodar ao statu quo na altura vigente, mas pensando pela sua cabeça, fazendo, isso sim, o que D. Francisco Santana enunciou na sua entrevista ao afirmar que “quanto ao clero, hoje, sente um permanente desafio à sua capacidade de serviço, o que o obriga a não se instalar, mas a dedicar-se com competência à sua missão específica do Anúncio do Evangelho. O Clero muito pode contribuir para que a sociedade progrida sem serem desprezados os valores espirituais, para que o tecnicismo científico não faça dos Homens mais máquinas do que seres humanos, realizando-se em liberdade e não manipulados por interesses de grupos – novas classes – que a sorte ou a habilidade lhes proporciona novas modalidades de exploração das populações, muitas vezes indefesas”.
O problema é que as acções do Bispo e do padre Martins não coincidiram e entraram em rota de colisão: o primeiro era da direita política, o segundo da extrema-esquerda. Os extremos chocaram-se provocando um curto-circuito religioso. Mais parecia estarmos perante um mini-cisma da Igreja Madeirense! O certo é que D. Francisco Santana faleceu no dia 5 de março de 1982 sem resolver o “caso de Machico”, e nem os Bispos seguintes solucionaram o problema da suspensão. Mas o povo venceu e o padre Martins ainda lá está...!

A acção da Igreja Madeirense contra os «infiéis» (políticos de esquerda) não se limitou às várias iniciativas e homilias de D. Francisco Santana. À volta da ilha, alguns párocos tiveram a árdua tarefa de, por sua conta ou cumprindo “ordens” superiores, lançar ferozes ataques à nova ordem política. A grande maioria do clero não tinha consciência política nem autonomia da vontade para proceder autonomamente. E se se pode dizer que o exemplo veio de cima, então os púlpitos encheram-se de «vozes do dono» que estava instalado no centro de comando da Rua da Carreira.
O caso digno de nota foi o que aconteceu no Porto Moniz, quando, no dia 14 de junho de 1974, um grupo de 25 paroquianos subscreveu um documento queixando-se do pároco, padre António José Lobo. Face à sua intervenção nas homilias das missas daquela paróquia, os subscritores apresentaram a Carlos Azeredo, delegado da Junta de Salvação Nacional na Madeira, a queixa solicitando “que mande proceder a um inquérito a fim de serem tomadas as medidas mais adequadas em relação ao seguinte facto que lhes merece o maior protesto e repúdio: Após a manifestação ocorrida no Porto Moniz, em 25 de Maio de 1974, o pároco desta freguesia, padre António José Lobo, abusando do seu poder e das suas funções, em todas as missas do domingo seguinte, dirigiu-se ao povo da freguesia, e exercendo ameaçadoras palavras de modo a provocar pressão e coacções sobre o povo indefeso, palavras essas que causaram indignação, tais como: «Cães», «Vagabundos», «Canalhas», «Bandidos», etc., etc. O dito pároco, para além de invectivar o povo em geral, nomeou casos particulares, facilmente identificáveis pelo povo. Pede-se a Vossa Excelência que à base de um inquérito sejam tomadas medidas contra processos atentatórios da liberdade do povo, garantidas pelas Forças Armadas e preconizadas pelo Governo Provisório”.
Esta queixa, cumulada com reincidência do mesmo pároco relativamente à sua alergia perante cartazes partidários levou Carlos Azeredo a chamar o referido padre ao Palácio de S. Lourenço. O que aquele lhe terá dito ou que justificação o padre deu não se sabe. A verdade é que o governante aplicou uma “penitência” obrigando o padre Lobo a dirigir-se à sede de todos os Partidos políticos e solicitar cartazes para afixar no salão paroquial. Custou mas ainda conseguiu entrar na sede do PS. Foi o Ângelo Paulos que o atendeu. O senhor vigário do Porto Moniz justificou o que vinha fazer, mas ainda assim afirmou que “até ao Partido Socialista ainda venho, mas ao Partido Comunista, eu quero ser preso para todo o sempre, não vou buscar nenhum cartaz”. Era evidente que Carlos Azeredo não iria fiscalizar se o padre iria ou não cumprir o castigo aplicado, mas parece que foi cumprido quase na totalidade! Se houve ou não arrependimento do “pecado político” cometido pelo padre Lobo, não se sabe. O que não houve foi neutralidade da Igreja, a começar  pelo superior hierárquico!





sexta-feira, 2 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (3)

As homilias de D. Francisco Santana promoveram mais polémica política separatista do que, propriamente, divulgação dos ensinamentos de fé da Igreja Católica Apostólica Romana. Na mensagem de Ano Novo de 1975 foi peremptório ao questionar se “o povo madeirense, agitado durante este último ano por aventureiros manipulados contra a vontade do Povo, estará condenado a ser uma província do novo «ultramar português», para ficar reduzido a uma colónia que pouco ou nada conta para a Mãe Pátria, a não ser para lhe fornecer muito do seu sangue e trabalho?”
Quando chegou à Madeira notou que não havia uma organização juvenil que seguisse os seus passos. Por isso, já antes de terminar o ano de 1974, criou o Movimento dos Jovens Cristãos da Madeira. As actividades culturais diversas foram uma das tarefas empreendidas pelos JCM, após o desenvolvimento de uma acção psico-social junto deles. A organização estendeu-se a toda a Região, tendo uma equipa central e outras nas paróquias. Foi criado um boletim para divulgação das suas actividades. Em termos estruturais e de acção, a JCM fazia inveja a qualquer estrutura juvenil porventura existente na época.
Outra frente de batalha, que intrigou D. Francisco Santana, situou-se a leste da Madeira, em Machico. A acção política do padre Martins levou o Bispo, em 5 de Novembro de 1974, a intimá-lo a entregar a chave da Igreja da Ribeira Seca, onde aquele era pároco. Mandou polícias cercarem a igreja durante 18 dias. Os paroquianos não cederam, nem concordaram com a ordem do Bispo. Uma manifestação junto do Paço Episcopal foi a forma mais visível de apoio ao pároco. D. Francisco Santana não hesita em suspender o padre Martins «ad Divinis». Esta pena sempre foi considerada por Martins Júnior como abusiva e ilegal por nunca ter havido um julgamento formal, até porque estava em causa a validade dos actos religiosos praticados na paróquia. A conflitualidade Bispo/padre Martins foi escaldante e de natureza mais política do que religiosa. É que se o padre Martins em vez de estar na extrema esquerda da política, estivesse, por exemplo, no PPD, certamente o Bispo nem olhava para Leste. Seja como for, o certo é que o povo estava firme na sua luta contra tal suspensão, querendo que o seu pároco ali se mantivesse. A ordem dada ao vigário da Vila para tomar conta da paróquia da Ribeira Seca não foi aceite pelos paroquianos desta. Com um padre “estranho” a igreja simplesmente ficava sem assistência. Então se os fiéis constituem a Igreja, por que não poderão estes ter uma opinião na escolha do padre que dirige os seus destinos religiosos? 
Em entrevista ao DN do dia 24 de Dezembro de 1976, D. Francisco Santana deixou bem claro o seu entendimento acerca  dos acontecimentos em Machico, e a sua visão no que concerne à obediência e respeito pela hierarquia da Igreja, bem como quanto à participação dos padres na política. O entendimento do Bispo foi o de que o padre Martins praticou actos de indisciplina perante o seu superior, a quem, ao que parece, deveria ter uma obediência cega e incondicional.  É que “A Igreja é dirigida pelos Bispos e pelo Papa como sucessores dos Apóstolos e de Pedro”. Além disso, salientou que “O Padre Martins nunca foi autorizado a exercer qualquer actividade política, nem mesmo quando procurou em Lisboa o Núncio Apostólico, que lhe recomendou que obedecesse ao seu Bispo, o que não fez. Não foi autorizado a trabalhar para a UDP, nem agora para os GDUPS. Não foi autorizado a ser Presidente da Comissão Administrativa da Câmara de Machico. Não foi autorizado a ser Deputado na Assembleia Regional”.
Como se vê, a legitimidade para a participação do padre Martins na política passava simplesmente por uma autorização do Bispo ou do Papa! Até porque “Foram dadas normas precisas, ao longo destes últimos anos, para toda a Igreja universal e ainda, nos últimos tempos no nosso país, sobre a atitude dos sacerdotes perante a actividade política. Sucede em alguns casos, que há Padres que perderam a sua identidade sacerdotal: como se diz, têm um pé dentro e outro fora e acabam por não saber qual é a sua missão específica”.
Esta afirmação levanta a dúvida se D. Francisco Santana alguma vez soube que o cónego madeirense, Agostinho Gomes, foi deputado na extinta Assembleia Nacional! Além disso, facilmente pode ser notada incoerência (teo)lógica e política nas afirmações do Prelado madeirense ao dizer que “excepcionalmente um sacerdote pode desempenhar um cargo político, mas deve ter a idoneidade para isso e estar superiormente autorizado. O Papa reservou a si o conceder esta autorização”. Ou seja, o que daqui se deduz é que a idoneidade exigida ao padre é aferida pelo Papa que autorizará ou não conforme as suas conveniências político-religiosas.
Prosseguindo, o Bispo deixou claro: “posso dizer que um padre dirigente político, dando-se sem autorização dos seus superiores a uma vida política, é um falsário do Evangelho”.