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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (4)

Para D. Francisco Santana o padre Martins “é ex-Pároco, juridicamente, e até hoje, não é ex-Padre. Não o condeno por tudo o que diz pretender fazer em favor do Povo; não o condeno pelas suas qualidades porque também as tem. Mas não posso consentir na sua indisciplina e na sua desobediência ao seu Bispo e ao Santo Padre. Pode ter muita gente fanatizada e de boa fé que o aceita, mas estão no erro e comprometem seriamente a sua fé cristã”. A questão do catecismo levou o Bispo a uma maior reação negativa afirmando que “O Catecismo feito pelo Padre Martins está cheio de erros e prega o ódio em vez do amor; nenhum Bispo do mundo podia em consciência aprovar este falso catecismo. Afinal o que quer o Padre Martins?”.
  O que o padre Martins porventura pretenderia fazer seria ser activo e não se acomodar ao statu quo na altura vigente, mas pensando pela sua cabeça, fazendo, isso sim, o que D. Francisco Santana enunciou na sua entrevista ao afirmar que “quanto ao clero, hoje, sente um permanente desafio à sua capacidade de serviço, o que o obriga a não se instalar, mas a dedicar-se com competência à sua missão específica do Anúncio do Evangelho. O Clero muito pode contribuir para que a sociedade progrida sem serem desprezados os valores espirituais, para que o tecnicismo científico não faça dos Homens mais máquinas do que seres humanos, realizando-se em liberdade e não manipulados por interesses de grupos – novas classes – que a sorte ou a habilidade lhes proporciona novas modalidades de exploração das populações, muitas vezes indefesas”.
O problema é que as acções do Bispo e do padre Martins não coincidiram e entraram em rota de colisão: o primeiro era da direita política, o segundo da extrema-esquerda. Os extremos chocaram-se provocando um curto-circuito religioso. Mais parecia estarmos perante um mini-cisma da Igreja Madeirense! O certo é que D. Francisco Santana faleceu no dia 5 de março de 1982 sem resolver o “caso de Machico”, e nem os Bispos seguintes solucionaram o problema da suspensão. Mas o povo venceu e o padre Martins ainda lá está...!

A acção da Igreja Madeirense contra os «infiéis» (políticos de esquerda) não se limitou às várias iniciativas e homilias de D. Francisco Santana. À volta da ilha, alguns párocos tiveram a árdua tarefa de, por sua conta ou cumprindo “ordens” superiores, lançar ferozes ataques à nova ordem política. A grande maioria do clero não tinha consciência política nem autonomia da vontade para proceder autonomamente. E se se pode dizer que o exemplo veio de cima, então os púlpitos encheram-se de «vozes do dono» que estava instalado no centro de comando da Rua da Carreira.
O caso digno de nota foi o que aconteceu no Porto Moniz, quando, no dia 14 de junho de 1974, um grupo de 25 paroquianos subscreveu um documento queixando-se do pároco, padre António José Lobo. Face à sua intervenção nas homilias das missas daquela paróquia, os subscritores apresentaram a Carlos Azeredo, delegado da Junta de Salvação Nacional na Madeira, a queixa solicitando “que mande proceder a um inquérito a fim de serem tomadas as medidas mais adequadas em relação ao seguinte facto que lhes merece o maior protesto e repúdio: Após a manifestação ocorrida no Porto Moniz, em 25 de Maio de 1974, o pároco desta freguesia, padre António José Lobo, abusando do seu poder e das suas funções, em todas as missas do domingo seguinte, dirigiu-se ao povo da freguesia, e exercendo ameaçadoras palavras de modo a provocar pressão e coacções sobre o povo indefeso, palavras essas que causaram indignação, tais como: «Cães», «Vagabundos», «Canalhas», «Bandidos», etc., etc. O dito pároco, para além de invectivar o povo em geral, nomeou casos particulares, facilmente identificáveis pelo povo. Pede-se a Vossa Excelência que à base de um inquérito sejam tomadas medidas contra processos atentatórios da liberdade do povo, garantidas pelas Forças Armadas e preconizadas pelo Governo Provisório”.
Esta queixa, cumulada com reincidência do mesmo pároco relativamente à sua alergia perante cartazes partidários levou Carlos Azeredo a chamar o referido padre ao Palácio de S. Lourenço. O que aquele lhe terá dito ou que justificação o padre deu não se sabe. A verdade é que o governante aplicou uma “penitência” obrigando o padre Lobo a dirigir-se à sede de todos os Partidos políticos e solicitar cartazes para afixar no salão paroquial. Custou mas ainda conseguiu entrar na sede do PS. Foi o Ângelo Paulos que o atendeu. O senhor vigário do Porto Moniz justificou o que vinha fazer, mas ainda assim afirmou que “até ao Partido Socialista ainda venho, mas ao Partido Comunista, eu quero ser preso para todo o sempre, não vou buscar nenhum cartaz”. Era evidente que Carlos Azeredo não iria fiscalizar se o padre iria ou não cumprir o castigo aplicado, mas parece que foi cumprido quase na totalidade! Se houve ou não arrependimento do “pecado político” cometido pelo padre Lobo, não se sabe. O que não houve foi neutralidade da Igreja, a começar  pelo superior hierárquico!





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