Reflexos de «Abril 74» na Madeira (4)
Para
D. Francisco Santana o padre Martins “é ex-Pároco, juridicamente, e até hoje,
não é ex-Padre. Não o condeno por tudo o que diz pretender fazer em favor do
Povo; não o condeno pelas suas qualidades porque também as tem. Mas não posso
consentir na sua indisciplina e na sua desobediência ao seu Bispo e ao Santo
Padre. Pode ter muita gente fanatizada e de boa fé que o aceita, mas estão no
erro e comprometem seriamente a sua fé cristã”. A questão do catecismo levou o
Bispo a uma maior reação negativa afirmando que “O Catecismo feito pelo Padre
Martins está cheio de erros e prega o ódio em vez do amor; nenhum Bispo do
mundo podia em consciência aprovar este falso catecismo. Afinal o que quer o
Padre Martins?”.
O que o padre Martins porventura pretenderia
fazer seria ser activo e não se acomodar ao statu quo na altura vigente, mas pensando pela sua cabeça,
fazendo, isso sim, o que D. Francisco Santana enunciou na sua entrevista ao
afirmar que “quanto ao clero, hoje, sente um permanente desafio à sua
capacidade de serviço, o que o obriga a não se instalar, mas a dedicar-se com
competência à sua missão específica do Anúncio do Evangelho. O Clero muito pode
contribuir para que a sociedade progrida sem serem desprezados os valores
espirituais, para que o tecnicismo científico não faça dos Homens mais máquinas
do que seres humanos, realizando-se em liberdade e não manipulados por
interesses de grupos – novas classes – que a sorte ou a habilidade lhes
proporciona novas modalidades de exploração das populações, muitas vezes
indefesas”.
O
problema é que as acções do Bispo e do padre Martins não coincidiram e entraram
em rota de colisão: o primeiro era da direita política, o segundo da
extrema-esquerda. Os extremos chocaram-se provocando um curto-circuito
religioso. Mais parecia estarmos perante um mini-cisma da Igreja Madeirense! O
certo é que D. Francisco Santana faleceu no dia 5 de março de 1982 sem resolver
o “caso de Machico”, e nem os Bispos seguintes solucionaram o problema da
suspensão. Mas o povo venceu e o padre Martins ainda lá está...!
A
acção da Igreja Madeirense contra os «infiéis» (políticos de esquerda) não se
limitou às várias iniciativas e homilias de D. Francisco Santana. À volta da
ilha, alguns párocos tiveram a árdua tarefa de, por sua conta ou cumprindo
“ordens” superiores, lançar ferozes ataques à nova ordem política. A grande
maioria do clero não tinha consciência política nem autonomia da vontade para proceder
autonomamente. E se se pode dizer que o exemplo veio de cima, então os púlpitos
encheram-se de «vozes do dono» que estava instalado no centro de comando da Rua
da Carreira.
O
caso digno de nota foi o que aconteceu no Porto Moniz, quando, no dia 14 de junho
de 1974, um grupo de 25 paroquianos subscreveu um documento queixando-se do
pároco, padre António José Lobo. Face à sua intervenção nas homilias das missas
daquela paróquia, os subscritores apresentaram a Carlos Azeredo, delegado da
Junta de Salvação Nacional na Madeira, a queixa solicitando “que mande proceder
a um inquérito a fim de serem tomadas as medidas mais adequadas em relação ao
seguinte facto que lhes merece o maior protesto e repúdio: Após a manifestação
ocorrida no Porto Moniz, em 25 de Maio de 1974, o pároco desta freguesia, padre
António José Lobo, abusando do seu poder e das suas funções, em todas as missas
do domingo seguinte, dirigiu-se ao povo da freguesia, e exercendo ameaçadoras
palavras de modo a provocar pressão e coacções sobre o povo indefeso, palavras
essas que causaram indignação, tais como: «Cães», «Vagabundos», «Canalhas»,
«Bandidos», etc., etc. O dito pároco, para além de invectivar o povo em geral,
nomeou casos particulares, facilmente identificáveis pelo povo. Pede-se a Vossa
Excelência que à base de um inquérito sejam tomadas medidas contra processos
atentatórios da liberdade do povo, garantidas pelas Forças Armadas e
preconizadas pelo Governo Provisório”.
Esta
queixa, cumulada com reincidência do mesmo pároco relativamente à sua alergia
perante cartazes partidários levou Carlos Azeredo a chamar o referido padre ao
Palácio de S. Lourenço. O que aquele lhe terá dito ou que justificação o padre
deu não se sabe. A verdade é que o governante aplicou uma “penitência”
obrigando o padre Lobo a dirigir-se à sede de todos os Partidos políticos e
solicitar cartazes para afixar no salão paroquial. Custou mas ainda conseguiu
entrar na sede do PS. Foi o Ângelo Paulos que o atendeu. O senhor vigário do
Porto Moniz justificou o que vinha fazer, mas ainda assim afirmou que “até ao
Partido Socialista ainda venho, mas ao Partido Comunista, eu quero ser preso
para todo o sempre, não vou buscar nenhum cartaz”. Era evidente que Carlos
Azeredo não iria fiscalizar se o padre iria ou não cumprir o castigo aplicado,
mas parece que foi cumprido quase na totalidade! Se houve ou não arrependimento
do “pecado político” cometido pelo padre Lobo, não se sabe. O que não houve foi
neutralidade da Igreja, a começar pelo
superior hierárquico!
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