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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (3)

As homilias de D. Francisco Santana promoveram mais polémica política separatista do que, propriamente, divulgação dos ensinamentos de fé da Igreja Católica Apostólica Romana. Na mensagem de Ano Novo de 1975 foi peremptório ao questionar se “o povo madeirense, agitado durante este último ano por aventureiros manipulados contra a vontade do Povo, estará condenado a ser uma província do novo «ultramar português», para ficar reduzido a uma colónia que pouco ou nada conta para a Mãe Pátria, a não ser para lhe fornecer muito do seu sangue e trabalho?”
Quando chegou à Madeira notou que não havia uma organização juvenil que seguisse os seus passos. Por isso, já antes de terminar o ano de 1974, criou o Movimento dos Jovens Cristãos da Madeira. As actividades culturais diversas foram uma das tarefas empreendidas pelos JCM, após o desenvolvimento de uma acção psico-social junto deles. A organização estendeu-se a toda a Região, tendo uma equipa central e outras nas paróquias. Foi criado um boletim para divulgação das suas actividades. Em termos estruturais e de acção, a JCM fazia inveja a qualquer estrutura juvenil porventura existente na época.
Outra frente de batalha, que intrigou D. Francisco Santana, situou-se a leste da Madeira, em Machico. A acção política do padre Martins levou o Bispo, em 5 de Novembro de 1974, a intimá-lo a entregar a chave da Igreja da Ribeira Seca, onde aquele era pároco. Mandou polícias cercarem a igreja durante 18 dias. Os paroquianos não cederam, nem concordaram com a ordem do Bispo. Uma manifestação junto do Paço Episcopal foi a forma mais visível de apoio ao pároco. D. Francisco Santana não hesita em suspender o padre Martins «ad Divinis». Esta pena sempre foi considerada por Martins Júnior como abusiva e ilegal por nunca ter havido um julgamento formal, até porque estava em causa a validade dos actos religiosos praticados na paróquia. A conflitualidade Bispo/padre Martins foi escaldante e de natureza mais política do que religiosa. É que se o padre Martins em vez de estar na extrema esquerda da política, estivesse, por exemplo, no PPD, certamente o Bispo nem olhava para Leste. Seja como for, o certo é que o povo estava firme na sua luta contra tal suspensão, querendo que o seu pároco ali se mantivesse. A ordem dada ao vigário da Vila para tomar conta da paróquia da Ribeira Seca não foi aceite pelos paroquianos desta. Com um padre “estranho” a igreja simplesmente ficava sem assistência. Então se os fiéis constituem a Igreja, por que não poderão estes ter uma opinião na escolha do padre que dirige os seus destinos religiosos? 
Em entrevista ao DN do dia 24 de Dezembro de 1976, D. Francisco Santana deixou bem claro o seu entendimento acerca  dos acontecimentos em Machico, e a sua visão no que concerne à obediência e respeito pela hierarquia da Igreja, bem como quanto à participação dos padres na política. O entendimento do Bispo foi o de que o padre Martins praticou actos de indisciplina perante o seu superior, a quem, ao que parece, deveria ter uma obediência cega e incondicional.  É que “A Igreja é dirigida pelos Bispos e pelo Papa como sucessores dos Apóstolos e de Pedro”. Além disso, salientou que “O Padre Martins nunca foi autorizado a exercer qualquer actividade política, nem mesmo quando procurou em Lisboa o Núncio Apostólico, que lhe recomendou que obedecesse ao seu Bispo, o que não fez. Não foi autorizado a trabalhar para a UDP, nem agora para os GDUPS. Não foi autorizado a ser Presidente da Comissão Administrativa da Câmara de Machico. Não foi autorizado a ser Deputado na Assembleia Regional”.
Como se vê, a legitimidade para a participação do padre Martins na política passava simplesmente por uma autorização do Bispo ou do Papa! Até porque “Foram dadas normas precisas, ao longo destes últimos anos, para toda a Igreja universal e ainda, nos últimos tempos no nosso país, sobre a atitude dos sacerdotes perante a actividade política. Sucede em alguns casos, que há Padres que perderam a sua identidade sacerdotal: como se diz, têm um pé dentro e outro fora e acabam por não saber qual é a sua missão específica”.
Esta afirmação levanta a dúvida se D. Francisco Santana alguma vez soube que o cónego madeirense, Agostinho Gomes, foi deputado na extinta Assembleia Nacional! Além disso, facilmente pode ser notada incoerência (teo)lógica e política nas afirmações do Prelado madeirense ao dizer que “excepcionalmente um sacerdote pode desempenhar um cargo político, mas deve ter a idoneidade para isso e estar superiormente autorizado. O Papa reservou a si o conceder esta autorização”. Ou seja, o que daqui se deduz é que a idoneidade exigida ao padre é aferida pelo Papa que autorizará ou não conforme as suas conveniências político-religiosas.
Prosseguindo, o Bispo deixou claro: “posso dizer que um padre dirigente político, dando-se sem autorização dos seus superiores a uma vida política, é um falsário do Evangelho”.





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