Reflexos de «Abril 74» na Madeira (2)
ACÇÃO POLÍTICA DA IGREJA MADEIRENSE - A hierarquia da Igreja madeirense não se coibiu de
intervir ativamente na política regional, no período pós-25 de
Abril 74, constituindo a sua intervenção a fase preparatória da política ocorrida
posteriormente.
A
diocese do Funchal esteve alguns anos sem Bispo, sendo as suas funções
exercidas pelo Vigário Geral, cónego Agostinho Gomes. Em 18 de março de 1974, o
padre Francisco Santana foi nomeado Bispo do Funchal. Era director nacional do
Apostolado do Mar, para cujas funções tinha sido nomeado em 1960, ficando com a
responsabilidade de assistência aos marítimos nos portos do Continente, Ilhas e
Ultramar, e era ainda chefe dos capelães de bordo. Tinha passado por várias paróquias
do Continente, pela assistência do escutismo católico e pela JOC, bem como por
prefeito e professor do seminário de Santarém. O novel Bispo não era um padre
qualquer. O seu currículo demonstrava experiência pastoral e um certo bom
enquadramento confessional e político do ideal do Estado Novo. Aliás, a regra
era a de que um padre só chegava a bispo com o parecer favorável das entidades
civis.
Os
acontecimentos do 25 de Abril de 1974 aceleraram a vinda de D. Francisco
Santana para as suas novas funções. Chegado à Madeira a 12 de maio seguinte, a
sua principal tarefa “pastoral” foi o exacerbado ataque aos socialistas e aos
comunistas, acabar com o Seminário Menor, criar a JCM-Jovens Cristãos da
Madeira e mobilizar o povo com nova imagem das festas do Corpo de Deus, no
Estádio dos Barreiros. Além disso, outra tarefa importante seria encontrar uma
pessoa de inteira confiança e ligada ao regime deposto para diretor do jornal
da Diocese. Se não faltavam padres com capacidade para tais funções, o certo é
que melhor diretor não poderia ter encontrado do que o dr. Alberto João Jardim.
Este, já com experiência obtida nas crónicas, intituladas «TRIBUNA LIVRE» no
«Voz da Madeira», e grande defensor do regime que acabava de sucumbir, resolveu
um problema ao Bispo que encontrou a pessoa ideal para a tarefa que era
necessário empreender. Iniciando funções em 29 de outubro de 1974, o JM passou
a ter a sua «Tribuna Livre», assinada pelo director.
A
Igreja não podia renunciar à intervenção política naquele período conturbado: a
nível nacional, começava a circular a defesa da necessidade de rever a
Concordata e o Acordo Missionário; o celibato dos padres era já questionado; o
avanço das forças de esquerda foi álibi para a Igreja deitar mãos à obra na
defesa da sua tradicional visão
conservadora; 1975 foi declarado «Ano Internacional da Mulher», tema caro à
Igreja Católica que, apesar de se considerar autora da libertação da mulher,
sempre a colocou claramente como um ente subjugado ao homem.
A
época era propícia para D. Francisco Santana e o clero em geral desenvolverem o
seu múnus pastoral tendo como primeira frente de combate um grupo de padres
progressistas (os chamados Padres do Pombal) que pretendiam uma nova ordem no
interior da Igreja Regional. Depois estavam os inimigos políticos,
representados pelos partidos de esquerda. D. Francisco Santana, apesar de
alfacinha, e face ao avanço do comunismo e do socialismo, tornou-se, pouco a
pouco, no maior anti-continental e exacerbado autonomista da época, roçando a
fronteira da independência da Madeira.
Numa
das deslocações à Madeira, aquando da apresentação de Jorge Campinos como
cabeça de lista pelo círculo da Madeira nas primeiras eleições para a
Assembleia da República, os dirigentes do PS fizeram questão de apresentar cumprimentos
a D. Francisco Santana. O “progressista” Bispo era fumador. Ângelo Paulos conta
que, quando o Bispo puxava a sua carteira de cigarros, Jorge Campinos pretendeu
oferecer um dos seus, tendo o Bispo dito que não fumava cigarros portugueses,
só fumava cigarros madeirenses.
As homilias de D. Francisco Santana constavam
sempre de duas partes: a primeira tinha a ver com o tema litúrgico da
efeméride; a segunda era de pura natureza política. Na Quaresma de 1975,
referiu que “a genuína missão da Igreja é defender o progresso do Homem e da
dignidade assaltada por alguns que se dizem «cristãos» para a destruir,
fomentando a desunião e o desequilíbrio (...)”. No dia 12 de maio de 1975, numa
peregrinação ao Terreiro da Luta, afirmou que “Um socialismo marxista, onde se
escondem habilmente os agentes do comunismo internacional, pretende assaltar o
nosso arquipélago da Madeira para o colonizar”. Na homilia da missa do Corpo de
Deus, a 31 de maio de 1975, foi claro na afirmação de que “A Igreja em Portugal
nunca aceitou nem assinou nenhum pacto de neutralidade”. Na sua mensagem de Ano
Novo, a 31 de dezembro de 1975, voltou a atacar “um comunismo utópico, nas suas
mais variadas formas, para obrigar o país a recuar para 1917, ainda que se
tenha de destruir tudo o que tínhamos de bom, de são e de aproveitável. Que
significa o aumento do desemprego, a maior criminalidade e roubo, a queda na
bancarrota, a paralisação da produtividade e a fuga para o estrangeiro de
muitos dos nossos operários especializados?”.
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