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sábado, 18 de dezembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (62)

 

* Junta Geral do Funchal e a Desconcentração do Poder Central:

Como órgão da administração distrital autónoma, a Junta Geral teve muitas vicissitudes ao longo dos tempos. Após a criação do Distrito do Funchal em 1834, a Junta Geral foi criada pelo Decreto de 16 de julho de 1835. Depois foi extinta pelo Decreto de 6 de agosto de 1892 e restabelecida pelo Decreto de 8 de agosto de 1901, diploma que regulamentou a lei de 12 de junho de 1901.

Durante nove anos sem Junta Geral, funcionou a Comissão Distrital presidida pelo Governador Civil, fazendo parte o Auditor Administrativo e três vogais eleitos por delegados das Câmaras Municipais. Se com a Revolução da Maria da Fonte, ocorrida no norte do país, a Madeira teve uma Junta Governativa durante 76 dias (entre 29 de abril e 14 de julho de 1847) e com a Revolta da Madeira em 4 de abril de 1931, foi constituída a Junta Revolucionária da Madeira, não significando a extinção dos respetivos organismos existentes em cada época. A natureza transitória daquelas Juntas, apenas teriam deixado suspensos de funções os ditos organismos.  Em 16 de fevereiro de 1928, o Decreto 15.035 ampliou a autonomia administrativa dos distritos insulares. Mas foi o Decreto-lei nº 31.095, de 31 de dezembro de 1940, que a concretizou dando execução à Lei nº 1.967, de 3 de abril de 1936, aprovando um novo modelo de autonomia consubstanciado no Estatuto do Distrito Autónomo que sofreu várias alterações.

 O órgão da administração distrital era a Junta Geral que tinha várias atribuições no tocante à administração dos bens, coordenação económica, obras públicas, viação, educação, cultura, saúde pública, assistência e polícia, podendo arrecadar receitas provenientes de impostos do Estado. A Junta Geral era composta por “sete procuradores, dos quais três natos e quatro eleitos quadrienalmente”. O Presidente era nomeado, por quatro anos, pelo Governador Civil, de entre os procuradores eleitos. Mas, excecionalmente, o cargo de Presidente poderia recair “em pessoa estranha ao corpo administrativo desde que tenha revelado méritos extraordinários em serviços prestados ao Estado”.

Apesar de a Revolução do 25 de Abril estar em marcha acelerada, a Junta Geral manteve-se em funções. Tal como aconteceu com as pessoas que estavam à frente das Câmaras Municipais, os dirigentes daquele organismo foram demitidos e substituídos por novas personalidades. Assim, por alvará de 13 de setembro de 1974, precisamente um mês após o Dr. Fernando Rebelo ter tomado posse do cargo de Governador Civil, este nomeou o Dr. António Loja como Presidente da Junta Geral, em substituição do Engº Rui Vieira que solicitou a sua exoneração do cargo que ocupava desde 27 de fevereiro de 1971.  No fundo, o engº Rui Vieira não tinha outra forma mais honrosa de deixar o cargo senão como o fez. Embora, independentemente disso, a sua substituição era inevitável por razões revolucionárias da época. Também por alvará do dia 20 daquele mês de setembro, o Governador Civil nomeou o Dr. Gaudêncio Figueira para o cargo de Vice-Presidente, tendo tomado posse do dia 23. O Dr. Gaudêncio Figueira substituiu o engº Manuel de Sousa que tinha sido empossado no dia 8 de janeiro daquele ano de 1974. O cargo de Vice-Presidente, de que o Engº Manuel de Sousa foi o primeiro titular, tinha sido criado pelo Decreto-Lei nº 421/73, de 22 de agosto. Para completar o elenco da nova Comissão Administrativa, no dia 10 de outubro seguinte tomaram posse do cargo de vogais o Dr. Henrique de Pontes Leça e a Profª Maria Teresa Pinheiro.

 

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (61)

 

O Dr. Juvenal de Araújo salienta que a Madeira “estava a braços com os resultados duma monstruosa legislação marítima, cheia de encargos e de motivos de afastamento para os navios que pretendam demandar o seu porto. Foi encontrá-la sem recursos para poder construir o mais pequeno porto de abrigo de que tanto necessita, mas, no entanto, contribuindo até à última migalha do imposto de comércio marítimo cobrado no seu porto em benefício do porto de Leixões.

Foi encontrá-la sofrendo as consequências desastrosas duma terrível crise sacarina, porque o governo que então estava no poder persistira até a ultima hora em não tomar as menores providências que de todos os lados se reclamava para que essa tremenda crise se evitasse. No entanto, Sr. Presidente, veiu o aumento das contribuições, e da Madeira não ouviu o governo um grito de revolta, não teve do mais recôndito concelho do arquipélago a mínima manifestação de protesto, o mais ligeiro conflito ou incidente. Um povo que assim procede tem especial autoridade para reclamar cuidados especiais do governo para os seus interesses, sobretudo quando sente, como no presente momento, que tem em risco o mais forte e sólido esteiro da sua prosperidade e da sua movimentação económica e financeira.

Confio no patriotismo do govêrno. Especialmente, confio na recta intenção do sr. ministro da Agricultura, pela pasta de quem corre esta ordem de assuntos, para que esteja convencido de que não deixarão de ser tomadas urgentes e eficazes providências. Ainda ha dias, tive ocasião de apreciar o critério e o espírito de justiça de sua ex.ª na solução de um assunto de interesse para a Madeira. O governo actual assumira o poder, encontrado publicado pela pasta da Agricultura um decreto em que eram onerados os trigos e farinhas importados na Madeira, do que necessariamente resultaria um agravamento sensível do preço do pão.

Devo declarar que em todas as conferências que tive com s. exª sobre êste assunto, encontrei-o, desde a primeira hora, sinceramente disposto a ouvir as justas solicitações da Madeira que lhe eram feitas e em revogar o decreto que encontrara publicado. Não deixou s. ex.ª de revogar finalmente esse diploma, como era de incontestável justiça. Confio em que esse espírito de justiça mais uma vez se exerça na questão que acabo de trazer ao conhecimento da Câmara. Exige o não só o interêsse da Madeira, mas o interesse da vida económica nacional.

Insisto, por isso, pelas providências que deixei solicitadas, como absolutamente indispensáveis para que seja salva da derrocada a riqueza representada pela produção e pelo comércio duma das mais reputadas marcas de vinhos generosos portuguesas, cujo crédito nos cumpre, através de tudo, salvaguardar. Tenho dito”.

Concluídas as citações das intervenções do Dr. Juvenal Henriques de Araújo, na Camara dos Deputados da Legislatura de 1922-1925, é importante concluir com um breve curriculum:

- Nasceu no Funchal a 21/11/1892, onde faleceu a 02/11/1976; formou-se em Direito na Universidade de Coimbra; foi eleito Deputado nas listas do Centro Católico Português, pelo círculo do Funchal em 1922-1925; Deputado à Assembleia Nacional nas legislaturas de 1934-1938, 1938-1942 e 1942-1945; Diretor do «Diário da Madeira»;  Presidente da Misericórdia do Funchal; Diretor do Banco da Madeira, tendo influência junto do Ministério das Finanças na fusão do Banco Sardinha, da Casa Bancária Rodrigues, Irmãos & Cª, no Banco da Madeira, pelo Decreto-Lei nº 23026 de 12/09/1933.

(Continua)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (60)

 

Acerca da questão vinícola da Madeira, o Dr. Juvenal de Araújo continua a referir que “As consequências que, desta verdadeira obra de traição e de crime, resultam para a Madeira e mesmo para a vida económica nacional são bem patentes: é o desaparecimento do tipo especial do vinho da Madeira, como tal conhecido e creditado em toda a parte; é a concorrência que êsses produtos,  que ordinariamente se obteem em vantajosas condições de preço, fazem aos legítimos vinhos da Madeira; e é, finalmente, como resultado final de todos estes abusos, a perda irremediável dos nossos  mercados.

Pautando, a dentro desta Câmara, todos os meus actos pela minha consciência e pelo interesse nacional, eu hesitei, e hesitei muito, em trazer estes factos ao conhecimento da Câmara, pelo éco que as minhas palavras poderiam encontrar lá fóra, e pelo descrédito que êsse facto poderia resultar para o vinho da Madeira. Mas verifico, Sr. Presidente, que mais perigosa do que a constatação dos factos, hoje um, amanhã outro, hoje às ocultas, àmanhã claramente, hoje isoladamente, àmanhã colectivamente, numa verdadeira obra de traição aos interesses sagrados e respeitáveis duma população inteira.

Quis trazê-los ao conhecimento do Parlamento, constrangido, mas sereno, com consciência de que pratico um dever – o dever de pôr diante do governo, com toda a nitidez, tal como ela é, de modo ao governo ter uma perfeita compreensão do que tem a fazer. Não desejo, porém, apontar o mal. Quero deixar aconselhadas ao governo as medidas que, em meu entender, devem ser tomadas, de modo a acudir-se à situação. A primeira medida que reclamo do governo é a da proibição de importação na Madeira de vinho de pasto do continente que tenha mais de 12.º. Para o que fôr importado com graduação inferior à que deixo fixada, haja a mais rigorosa fiscalização, desde a sua passagem pela alfândega até à altura de transitar para o consumo, de modo a evitar-se que êle entre nos armazéns e aí seja lotado com vinha da Madeira.

Unifique-se o serviço de fornecimento de guias de álcool aos vinhos que tenham de ser beneficiados, de modo a que, em vez de ser sub-dividido pela Alfândega e pela repartição de finanças, esteja apenas entregue a uma repartição, por forma a obter-se um trabalho mais eficaz e perfeito. Depois de tomadas estas medidas de carácter urgente, medidas de momento, que imediatamente podem e devem ser tomadas, proceda-se a uma revisão cuidadosa do Regulamento do Comércio e Produção do Vinho da Madeira, de 8 de Novembro de 1913, por forma a que nele sejam introduzidos, por uma maneira efectiva, os preceitos que deixei apontados e ainda as providências que a experiência tiver vindo aconselhando.

A primeira destas últimas providências, já digo à Câmara qual ela deva ser: é a unificação dos serviços de fiscalização, de modo a fazer com que, em vez de dispersos pela alfândega, pelos delegados concelhios e pela Estação Agrícola, sejam cometidos apenas a uma destas entidades, de modo a conseguir-se uma fiscalização melhor ordenada, mais homogénea e mais eficaz.

Estas providências, Sr. Presidente, tem a Madeira incontestável direito de reclama-las. Povo ordeiro, trabalhador, amante da sua Pátria como poucos, nunca para êle o Estado apelou em vão, na hora difícil dos sacrifícios.

Ainda no ano passado, votou-se aqui a reforma do nosso sistema tributário, da qual resultou um notável  acréscimo de impostos, como se sabe. Pois sabe a Câmara em que situação económica e financeira êsse aumento de impostos foi encontrar a Madeira?”

 

(Continua)

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (59)

 

Dada a questão vinícola da Madeira, o Dr. Juvenal de Araújo continua a referir que “não há facto algum que nos leve a concluir que esta importação é requerida pelas necessidades normais do consumo. Não há escassez de vinho regional, não há escassez de aguardente, não houve tão pouco um tal acréscimo no numero de consumidores de vinho de pasto que pudesse ter operado, por si, êste facto verdadeiramente estupendo: que, sendo a importação nos últimos três anos de 249 cascos anuais em  média, possa ter aumentado legitimamente, no corrente ano, em nove vezes mais.

É voz corrente que a maior parte do vinho importado se destina à preparação de falso vinho da Madeira, andando igualmente de bôca em bôca os processos por que se opéra a sua transformação.  Reconheço que o vinho de pasto do continente, como vinho especial de mesa, não tem competidor em nenhuma espécie de vinho produzido na Madeira; reconheço que tem os seus consumidores especiais, que o não dispensam. Nem o desejo da Madeira é o de furtar-se por qualquer modo a constituir um mercado de colocação para vinhos de Portugal. Mas o que a Madeira tem o direito de exigir é que se rodeie o vinho importado do continente da mais rigorosa fiscalização, dêsde que êle é submetido a despacho alfandegário até ao momento em que entra no consumo, de modo a garantir que êle realmente é destinado à venda avulsa e nunca à sua transformação em vinho generoso da Madeira.

Mas, ultimamente, descobriu-se mais um facto profundamente revoltante: foi a importação de vinho licoroso do continente, destinado a ir apenas à ilha receber o nome e o rótulo de Madeira, com que depois seria exportado.  É certo que o Regulamento de 8 de Novembro de 1913, pelo seu artigo 4º, apenas permite ali a importação de vinhos generosos do Porto, Carcavelos e Moscatel de Setubal e dos demais vinhos generosos nacionais, quando engarrafados e destinados ao consumo local. Entretanto, inventou-se facilmente o meio de iludir esta disposição legar. E sabem v. exªs como? Importando o vinho em cascos com o aspecto dos que servem para o embarque de vinho comum do continente, e submetendo-o depois a despacho como se se tratasse realmente de vinho de pasto!

Valeu, nêste caso, a fiscalisação da alfândega, que fez a apreensão, mas o acto aí ficou, eloquentemente, a testar os processos de que se serve a fraude para levar até ao fim os seus intentos. De resto, uma corporação de carácter oficial, a Comissão de Viticultura da Madeira, chegou, nêste ponto, a conclusões verdadeiramente interessantes, que desassombradamente expôs ao governo e que o devem ter elucidado inteiramente sobre o modo como ali se está tratando de operar o descrédito dos afamados vinhos generosos daquela ilha.

Mas, perguntar-me-há a Câmara, perguntar-me-há, sobretudo, o nosso ilustre colega sr. dr. Brito Camacho que me dá a honra de escutar, e que conhece, como poucos, a legislação vinícola da Madeira: como se poderá obter o álcool para a preparação dêsses vinhos, se os vinhos produzidos na Madeira estão sujeitos a manifestos de produção e de trânsito, e se só a estes póde ser fornecido o álcool de que carecem para a sua beneficiação? A esta observação eu responderei: Pois até já se calca aos pés êste preceito legal, importando fraudulentamente aguardente vínica, em cascos habitualmente usados para o transporte de vinho, despachados como vinho de pasto! Ainda há três dias se realizou na Madeira uma importação deste género, que a alfândega apreendeu”

 

(Continua)

sábado, 20 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (58)

 

A situação vinícola da Madeira foi um dos temas que o Dr. Juvenal de Araújo produziu na Camara dos Deputados na legislatura de 1922 a 1925. Iniciou a intervenção dizendo: “As considerações que vou produzir, dirijo-as ao sr. Ministro da Agricultura. Não vendo, porém, sjua exª presente, peço ao sr. Ministro da Instrução, que vejo ocupar o seu logar, a fineza de transmitir ao seu colega daquela pasta aquilo que vou dizer.

Desejo chamar a atenção do sr. Ministro da Agricultura – mas a atenção a mais rigorosa e a mais pronta  -  para o que de importante e muito grave se vem passando na Madeira, tendente a destruir uma das maiores fontes de riqueza daquela ilha: o crédito dos seus afamados vinhos generosos. O comercio de exportação dos vinhos da Madeira é representado por um certo número, restrito, de casas, umas nacionais, outras estrangeiras, quási todas de antiga existência, que ali se formaram e se desenvolveram, primando quási todas elas pela sua probidade, pela lisura dos seus processos comerciais e pelo zelo com que sempre defenderam a genuinidade das suas marcas.

Ora atravessando épocas de prosperidade, ora atravessando momentos de crise os mais agudos e difíceis, os velhos exportadores de vinho Madeira, pelo menos na sua parte mais importante e expressiva, sempre se mantiveram à altura dos seus créditos. Veiu a guerra. Quási todo o comercio se desenvolveu de atingiu o mais elevado grau de prosperidade. Pois, apesar disso, as casas exportadoras de vinho Madeira, na sua quási totalidade, encontram-se hoje quási nas mesmas condições financeiras em que se encontravam antes da guerra. É que se trata de um género de comercio que, sendo consciencioso e sério, não pode ter uma grande margem de lucro, mórmente quando tem de lutar lá fóra com uma intensa e desleal concorrência.

À acção perseverante, continua, de muitos anos, do comercio digno, se deve em grande parte o bom nome de que os vinhos da Madeira gosam de há mio, as honrosas tradições que em volta dêle se criaram e a conquista e a expansão dos seus mercados. O papel que a riqueza da produção e comercio dos vinhos da Madeira representa hoje em toda a ilha, não preciso de o põr em relevo à Camara, pois todos sabemos que a lavoura, a propriedade, o comercio teem encontrado na vinicultura e na viticultura da ilha uma das mais fortes razões do seu desenvolvimento e da sua valorização, com o correlativo interesse para o Estado.

Pois toda essa soma importantíssima e valores, representada pela agricultura e pelo comércio de vinhos, está hoje sendo criminosamente minada e destruída por alguns indivíduos sem escrúpulos que ali se estão entregando às mais grosseiras falsificações. No ministério  da Agricultura, devem já existir numerosos elementos, fornecidos por entidades oficiais e particular, de modo a esclarecer inteiramente o governo sobre o que ali se passa.

Entretanto, para que a Camara atente bem na justiça das reclamações de que me faço éco, vou referir alguns factos particularmente elucidativos. A importação de vinho de pasto do continente na Madeira foi, em 1920, de 214 cascos, em 1921 de 246, e em 1922 de 288. Pois pelo  que se acha apurado com relação à importação feita no corrente ano, desde o mês de Janeiro até Outubro, não deve essa importação andar muito longe de 2.000 cascos!

 

(Continua)

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (57)

 Por meio de uma ampla reforma dos serviços públicos, da qual “resultasse o córte de todas as despesas parasitarias e o emprego das receitas em obras que tendessem a fazer aumentar a riqueza pública, facilmente se obteriam os recursos necessários.

É indispensável que essa reforma, para ter unidade e ter lógica, seja feita no mesmo momento e obedecendo ao mesmo critério, porque de contrário, melhorar-se-hão uns serviços e outros não, beneficiar-se-hão uns quadros com prejuízo de outros, e nada de útil se terá finalmente alcançado. Faça-se, porém uma reforma dos serviços públicos com rigor e com unidade, e daí se obterão fatalmente duas ordens de medidas: medidas expressas em economias, e medidas que, baseando-se em uma nova orientação do plano financeiro, possam conseguir a criação de novas receitas, sem representarem um sacrifício intolerável para o contribuinte.

Viu-se ainda no último ano económico, quando aqui se discutiu o Orçamento, que esta casa do Parlamento fez reduzir as despesas públicas em 15.582 contos. É preciso notar-se que se fez esta redução de despesas, apesar do carácter perdulário que teem as Assembleias desta natureza, apesar da forma precipitada e por vezes vergonhosa como aqui se discutiu o Orçamento, e apesar de a maior parte das despesas previstas não ser susceptivel de redução por corresponder a serviços públicos criados e regulados por lei. Mas êste facto é já um indicador precioso de quanto se poderia fazer baixar as despesas do Estado, desde que se fizesse com severidade, com ansia resoluta e reduzir ao indispensável, a reorganização dos serviços públicos.

O Sr. Ministro das Finanças, no Relatório de que faz acompanhar o Orçamento Geral do Estado, diz que, além de recorrer ao empréstimo, vai remodelar as contribuições do sêlo e do registo com o intuito de fazer diminuir o déficit orçamental, e, em justificação do seu plano, tem em seguida estas palavras: «Inspirando-se nestas normas, aceita e pratica o Governo os princípios que viu sustentados e aprovados na conferência internacional de Bruxelas»

Ora, eu não ignoro que a necessidade de os Estados fazerem o equilíbrio das suas receitas e despesas foi, realmente, uma das conclusões da Conferência de Bruxelas. Mas a par dessa, houve outras conclusões não menos importantes, muito adequadas à situação portuguesa, que o Sr. Ministro das Finanças esqueceu registar e que eu não posso deixar de lembrar nêste momento, para provar que a orientação do governo português, em matéria financeira, não me parece muito conforme com as conclusões da conferência de Bruxelas.

O Sr. Ministro das Finanças, que é um homem inteligente e um homem de estudo, não póde ignorar a influência directa que tiveram nas conclusões da Conferência os princípios aí sustentados por três das suas figuras mais eminentes: Lord Chalmers, o delegado francês Mr. Avenol e o honrado administrador do «Lloyd`s Bank» de Londres, o Honorable Robert Brand. Pois o primeiro, Lord Chalmers, apreciando o recurso ao imposto como solução financeira, sustentou que êle representava, em regra, uma diminuição da riqueza pública, pois outra coisa não era, no fundo, que o deslocamento dos recursos do cidadão em favor do Estado. E acrescentou que, não havendo diminuição de despesas, o recurso tem de ser um destes dois: o aumento da circulação fiduciária ou o empréstimo.

O primeiro caminho  - mereceu-lhe inteira reprovação. O segundo fê-lo dividir os empréstimos em duas categorias: «empréstimos maus» e «empréstimos bons»”.

(Continua)

domingo, 7 de novembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (56)

Na discussão do orçamento do Estado para o ano económico de 1923-1924, o Dr. Juvenal de Araújo falou da tríplice obra que deixa exposta, tendo como base a melhoria da situação económica do país, não podendo ser, naturalmente, uma obra do Ministério do Comercio. “tem de ser o fruto dum plano de acção conjugada entre os Ministérios do Comercio, da Agricultura e dos Negocios Estrangeiros. O Ministério da Agricultura, cuidando de provocar uma maior e uma melhor produção nacional; o Ministério do Comercio, melhorando os nossos portos e desenvolvendo os transportes terrestres e marítimos; o Ministério dos Estrangeiros, finalmente, procurando, por meio de entendimentos, convenções e tratados internacionais, garantir a vantajosa colocação dos nossos produtos nos mercados externos.

No tôpo desta acção conjugada, aparece, pois, necessariamente, como fundamental, a acção do Ministério da Agricultura. Entretando – o que se verifica, infelizmente? Que o Ministério da Agricultura não tem dado um passo para a obtenção deste desideratum de verdadeira salvação nacional. E é profundamente lamentável que assim aconteça, tanto mais que os serviços do Ministério da Agricultura teem hoje uma organisação verdadeiramente modelar, onde fez reflectir o seu valor e o seu interesse pela causa da agricultura nacional um dos homens mais experimentados que teem passado pela gerência desta pasta – o sr Eduardo Fernandes de Oliveira.

É o decreto nº 4249, de 8 de maio de 1918, onde os serviços agrícolas estão magistralmente regulamentados. Por êsse diploma, foi o país dividido em onze regiões agrícolas, sendo oito no continente, desde Entre Douro e Minho até ao Algarve, e três nas ilhas adjacentes. Em cada uma destas regiões, foi criada uma estação agrícola, cujos fins principais são os de auxiliar o desenvolvimento das culturas regionais; adoptar novas culturas; introduzir processos culturais que possam interessar à lavoura regional; e investigar as causas dos males que perseguem as culturas e vulgarizar os processos de os debelar.

Subdividiu-se depois cada região agrícola em sub-regiões agrícolas, para cada uma das quais se criaram postos agrários, espécie de escolas móveis agrícolas, que teem por fim ministrar pela exemplificação ao lavrador os conhecimentos que mais o possam ajudar a vencer as fificuldades que encontre na sua lavoura. É, como se vê, o esqueleto de uma organização admirável, que visa superiormente a este fim único: o alcance de uma maior e de uma melhor produção nacional.

Entretanto, Sr. Presidente, vejo com desgosto que é uma organização de serviços que existe sòmente na letra da lei. Quantas estações agrícolas temos a funcionar, verdadeiramente, utilmente no país? – Umas três ou quatro, se tanto. Quantas escolas móveis de agricultura por esse país fora? – Nenhumas.

Não só se não cuida da agricultura com as atenções que ela devia merecer aos governos, como ainda se a onera constantemente com impostos e alcavalas, como foi aquêle que ha ainda poucos dias foi votado, com o nosso maior protesto, por esta Camara, permitindo aos municípios o lançamento de pesadissimas contribuições sobre a propriedade rústica.

É com estas medidas que se trata em Portugal de aumentar a produção nacional e de estimular o trabalho tão necessário à lavoura!

Dir-me-hão que o Estado não tem recursos para realizar toda esta obra que eu deixo gizada, de protecção à economia nacional. Não é assim, Sr. Presidente. Por meio de uma ampla reforma dos serviços públicos (…)”.

 

(Continua)

domingo, 31 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (55)

O Dr. Juvenal de Araújo, no orçamento para o período de 1923-1924, continua a afirmar que “as despesas do Ministério da Marinha acham-se orçadas em 67.000 contos, sem que a sua equivalência corresponda de facto a valores, pois o país dispende toda essa soma com a Armada e a verdade é que não tem defesa naval. E é isto, Sr. Presidente, que também preocupa a Nação, porque os serviços do Estado devem ter, em regra, uma equivalência de valores efectiva.

O Ministerio do Comercio e Comunicações tem orçadas despesas em cêrca de 41.000 contos. E  para se poder determinar com exactidão qual a orientação a seguir nos serviços deste ministério carecemos de ter em vista o que as estatísticas nos mostram com relação ao movimento comercial do país. A última estatística do Comercio e Navegação que, creio, está publicada ou de que, pelo menos, tenho conhecimento, é referente a 1919. Por ela se vê que em 1913, antes da guerra, o nosso movimento comercial com o estrangeiro (importações e exportações), que era de mais de 4 milhões de toneladas, andou em 1919, e portanto em período pleno de paz, em volta de 2 milhões.

Esta diminuição considerável sofrida pelo nosso comercio externo esclarece-nos absolutamente sobre a obra tríplice que há, neste ponto, a realizar e que se cifra em: melhorar os nossos portos, desenvolver as nossas relações comerciais e, especialmente, dar maior incremento ao nosso comercio com as colonias.

Quanto aos melhoramentos a levar a efeito nos portos nacionais, é preciso não esquecer a situação de verdadeiro abandono em que se encontram três deles: o porto grande de S. Vicente, exclusivamente entregue aos privilégios da sua situação natural, e sob a ameaça constante dos portos de Dakar e de Canárias; o porto do Funchal, com a importância que todos lhe reconhecem, de onde se exportam 67.000 contos de mercadorias, e que todavia não tem um cais acostável, nem um porto de abrigo, que constitua uma condição de protecção ou de garantia à navegação que a êle aflua;  o porto de Leixões, completamente desprezado, representando um papel preponderante no comercio e na industria do Norte, que com o decreto de novembro  de 1921 veiu inutilisar-se inteiramente , fazendo reverter em favor do Estado a maior parte das suas receitas próprias. No desenvolvimento das nossas relações comerciais com o estrangeiro não podemos pôr de lado três dos principais pontos de apoio que poderemos encontrar para a obra que preconiso: a Inglaterra, a Espanha e o Brasil.

À Inglaterra, estamos ligados pelos mais estreitos interesses comerciais, a tal ponto que, dos 2 milhões de mercadorias movimentadas em 1919 nos nossos portos, pertencem 54% à Inglaterra; a Espanha, antes da guerra, tinha com Portugal um movimento comercial de cêrca de 14.000 contos anuais, mas a verdade é que temos todas as condições de aproximação, quer de ordem geográfica, quer de ordem étnica, para procurar  aumentar esse movimento através de fronteiras comuns; o Brasil é povo irmão do nosso, com quem estaria naturalmente indicado um entendimento no campo económico, que até hoje se não tem infelizmente realisado.

Lançamo-nos sempre a um estreitamento de relações, entre os dois países, no campo moral e intelectual. Temos desprezado o aspecto económico das relações, e o resultado é o aparecerem outras nações exercendo a sua acção no apetecido e disputado mercados do Brasil e o nosso movimento comercial com o país irmão descer bruscamente em 1919 para 35.000 toneladas, quando nos anos anteriores oscilava em torno de 150.000 toneladas!”

 

(continua)

sábado, 23 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (54)

É um dos princípios elementares e correntes que o défice orçamental resulta de uma diminuição de receitas ou de um aumento das despesas. E não é menos verdade que um orçamento é uma previsão estimada das receitas possíveis para aplicá-las em despesas diversas, no período de tempo a que o mesmo diz respeito. Num orçamento público, as opções de fazer aumentar ou diminuir as receitas orçamentais para o ano seguinte e, consequentemente, promover as respetivas despesas, cabe ao Governo em funções.

Já era assim no princípio do século XX, quando o Dr. Juvenal de Araújo participou na discussão do orçamento para o período de 1923-1924. Na altura, afirmou: “os impostos antigos teem sido aumentados, teem-se criado novos impostos, e é o próprio orçamento que acusa um aumento de receitas públicas na soma de 300 mil contos. Temos, pois de reconhecer que o deficit é resultante dum aumento de despezas. Mas desce-se a análise dessas despesas, e vê-se que não se trata infelizmente de despezas de caracter reprodutivo, que possam transformar-se ámanhã em fontes de riqueza nacional e que contribuam portanto para a melhoria da situação económica do país, única base da sua restauração financeira.

E é isto, Sr. Presidente, que mais preocupa a Nação. Com efeito, poderia o Orçamento acusar um déficit maior, e entretanto não constituir esse déficit um perigo para a Nação, dêsde que ele fosse resultante da realização de despesas tendentes a criar novas fontes de receita para o país, como seriam as despesas feitas com obras de protecção ao trabalho, à produção e á industria, que, num futuro mais ou menos próximo, se desdobrassem em outros tantos caudais de receita pública. Mas o que noto é que o nosso déficit é, infelizmente, um déficit de mau caracter  -  e êste facto é que é de ordem a trazer-nos justamente alarmados.

As despesas ordinárias e extraordinárias do Ministerio da Guerra estão orçadas em 139.285 contos, tendo portanto essas despesas sofrido um aumento de 52.000 em relação ao ano económico findo. Isto, Sr. Presidente, em pleno período de paz. É certo que temos de possuir a nossa defesa, que é a base da nossa organização política da Nação e que é, sem dúvida, a mais forte garantia da liberdade, da fazenda e da vida de todos nós. Mas é preciso que esta defesa seja a defesa dum povo pobre, dum país pequeno, que tem necessidade, sim, de ir para a guerra, mas guerra que não se faz com armas, mas com alma, com isenção e com devoção patriótica, contra as nossas próprias paixões e os nossos próprios êrros.

Ainda no ano passado, o ilustre deputado sr. Barros Queiroz apresentou uma proposta de redução de serviços militares, proposta que então a maioria da Camara poz de parte, não por a reputar menos justa, mas por entender que esta pretendida redução de serviços se não podia fazer dum jacto, mas só depois de uma preparação conveniente. Entretanto, Sr. Presidente, um ano é passado  - e que se faz para preparar o terreno, a fim de  dar execução à honesta e justa proposta do sr. Barros Queiroz?

Absolutamente nada. Os serviços militares teem, no orçamento para 1923-24, a mesma organização de há um âno. Todavia, ao mesmo tempo que isto se passa em Portugal, a Inglaterra, apesar da sua especial situação geográfica e apesar do papel que representa no concerto europeu, reduziu em dez milhões de libras as suas despesas militares para o futuro âno económico, fazendo nêste capitulo uma economia de 16% sobre os gastos do âno findo. Pois Portugal aumentou as suas despesas militares em mais de 50%!

(continua)

sábado, 16 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (53)

 

Na sessão legislativa de 1922-1925, a Câmara dos Deputados procedia à discussão na generalidade do Orçamento Geral do Estado e propostas orçamentais relativas aos ministérios. Quanto ao ano económico de 1923-1924, na sua intervenção o Dr. Juvenal de Araújo antes de produzir considerações que o assunto requeria, afirmou em plenário: “seja-me permitido extranhar e lamentar a forma como está decorrendo nesta Câmara a discussão orçamental. Com efeito, temos em discussão, simultaneamente, o Orçamento Geral do Estado e os orçamentos dos onze ministérios em que o gabinete se sub-divide; sabemos que a elaboração de cada um destes orçamentos marca a iniciativa pessoal do respectivo ministro; sabemos que os serviços públicos, dependentes dos diversos ministérios, são fundamentalmente diferentes, pela sua natureza, pela sua organização e pela sua função; sabemos que na altura da discussão orçamental é justamente quando o Poder Legislativo tem o ensejo de apreciar o critério que se seguiu na elaboração dos orçamentos, a oportunidade ou inoportunidade dos diversos serviços públicos, a forma como estão sendo cumpridos, a maneira como são dotados, etc.,- e é toda esta discussão, toda ela requerendo estudos e considerações diferentes, que estamos obrigados a fazer ao mesmo tempo, quási que duma assentada, numa confusão que é realmente extraordinária, pelas precipitações a que tem de dar fatalmente logar, sem sombra de utilidade para a discussão.

De parte deste grupo parlamentar, há, Sr. Presidente, toda a autoridade para se proferir estas palavras, pois foi desta bancada que partiu a iniciativa duma forma de discussão orçamental que, conciliando os critérios opostos que então se expozeram nesta Camara, marcava o verdadeiro caminho aa seguir-se, com a vantagem dupla de fazer separadamente uma discussão ampla dos orçamentos e de evitar-se os abusos da discussão na especialidade. Foi esta proposta rejeitada – e o resultado é aquêle que estamos verificando: discutir-se os orçamentos pelo modo atrabiliário e confuso que se constata, numa amálgama que não é senão prejudicial a uma consciente apreciação de tão importantes documentos.

Diz-se que o Orçamento Geral do Estado tem de ser, no fundo, mais que um programa financeiro, um plano de acção, em que se reflita o pensamento e a róta do Governo sobre os mais diferentes ramos da administração pública. Nunca, como nêste momento, foi tão necessário que o Orçamento do Estado constituísse verdadeiramente um plano de acção, expressos em serviços e obras que marcassem realmente o início daquele período de reformas nacionais por que todos almejamos, que todos os governos prometem ao país, mas que infelizmente ainda não foi principiado.

Lê-se o Orçamento da primeira à ultima página, e vê-se que êle, neste período grave da vida portuguesa, tem a mesma elaboração do dos anos anteriores, constituindo pouco mais que uma simples conta do Estado com um deficit de cerca de 139 mil contos. Não tenho elementos para ajuizar da exactidão desta cifra. Quando se fala em deficits orçamentais, recordo sempre uma fráse dum estadista de saudosa memória - Saraiva de Carvalho – que, nesta mesma Camara, em 1879, entrando na discussão do Orçamento, principiava por estas palavras: «Estamos em presença, Sr. Presidente, de um Orçamento erradamente calculado, e calculadamente errado».

 (…) não me detenho na análise do  montante do deficit, pois o que mais preocupa a Nação não é o quantitativo do deficit: é a sua natureza, é o seu caracter”.

(continua)

domingo, 10 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (52)

 Na discussão do orçamento do Ministério da Guerra para ano económico 1922-1923, o Dr. Juvenal de Araújo fez uma intervenção na Câmara dos Deputados, acerca do capítulo 2º, afirmando: “Refiro-me às verbas inscritas sob a designação de «Servço Automovel Militar», acusando uma despeza de 576 contos, à qual a comissão do orçamento propõe determinadas reduções, mas que ainda assim fica atingindo a importante soma de 406 contos. Ao ver que se destinam estas quantias para o serviço dos automoveis militares, e ao verificar a organização complicada, verdadeiramente faustosa,\ que tem esta especie de serviços, eu fico realmente surpreso, pela forma como tudo isto se faz, nêste momento, sob o imperio das mais fundas dificuldades económicas e financeiras.

A organização é, com efeito, tão aparatosa que o serviço tem, nada mais, nada menos, do que cinco secções: -É a secção da direção do Serviço Automovel Militar, é a secção da Comissão Tecnica do Automobilismo Militar, é a secção das tropas automobilistas, é a secção do Parque Automóvel Militar, é a secção, finalmente, da Escola de Condutores Militares de Automoveis de Lisboa! E, ao verificar toda a complicação desta organização de serviços, mais propriamente dum país que estivesse na hora máxima do seu esplendor do que sob a pressão dos maiores embaraços de ordem financeira, ficamos a cogitar quais os fins a que obedece uma organização tão dispendiosa. Entretanto, nada mais simples: a constituição do serviço automóvel militar e a conservação do material existente. Este é o fim único destes serviços, segundo o dizer expresso do relatório do decreto nº 4705 que os criou, e entretanto estabelecem-se todas aquelas secções, todas guarnecidas de pessoal e absorvendo quantias que não se compadecem de modo algum com o regímen de economias em que o país tem que entrar.

É contra êste facto, que tanto depõe contra a nossa administração pública, que eu me insurjo, em defesa dos legítimos interesses nacionais.

Na proposta orçamental do Ministerio da Guerra, faz-se alusão ao decreto de 29 de junho de 1918 debaixo da rúbrica de «Serviço Automovel Militar», como para justificar de algum modo a inscrição das verbas previstas nesta arte do Orçamento, visto ter sido esse o diploma que criou e regulou essa ordem de serviços. Esta circunstancia não justifica, porém, nem de qualquer forma desculpa as extraordinárias despezas absorvidas por esse serviço, porquanto há serviços públicos, instituídos e regulados por lei, que são do mais palpável interesse nacional e que estão absolutamente por funcionar, por falta de recursos. Dentre esses, aponto um, como exemplo à Camara: - o dos serviços agrícolas.

A lei de maio de 1918, que marca superiormente a nossa organização agrícola, dividiu o país em zonas, tomando por base a divisão administrativa de Portugal, e dentro de cada uma delas criou regiões agrícolas, subdividindo-as depois em sub-regiões, e estabelecendo postos agrários e escolas moveis de agricultura.

É uma organização perfeita, em que ha secções para instruir o lavrador sobre os mais modernos processos de cultura, em que se faz a análise da composição de cada espécie de terrenos, em que se fazem pesquisar sobre o género de cultura mais adequada a cada região, em que se estudam e divulgam os meios de tornar as produções mais aperfeiçoadas e abundantes (…) poucas são as estações agrícolas que neste momento estão funcionando em Portugal (...) a do Funchal, criada recentemente”.

(continua)

domingo, 3 de outubro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (51)

 Nas expropriações em que o Estado é a entidade expropriante torna-se importante uma conciliação de interesses pela indemnização justa da propriedade, e vai de encontro à natureza da própria função do Estado, de modo especial uma função de equilíbrio. É neste princípio que o Dr. Juvenal de Araújo continua a referir que “É preciso não perder de vista que o Estado que expropria, para a realização duma obra de possível utilidade pública, é o Estado que é expropriado numa das parcelas da sua riqueza, numa das parcelas daquele campo onde êle vai buscar o alimento para o seu erário.

De harmonia tem de ser, portanto, a função do Estado nesta matéria. E de harmonia muito cuidada, porque se a verdade é que muitas vezes a obra que se vai realizar é de verdadeira utilidade comum, outras vezes ela representa um favoritismo ou uma obra de odio, com que se premeiam serviços políticos ou se exercem vinganças mesquinhas. Temos, pois, de rodear a propriedade de todas as garantias que são de justiça, e tanto a propriedade urbana como a rústica.

Disse-se já nesta Camara que bastaria alterar o modo de fixação da indemnização à propriedade urbana, deixando que a propriedade rústica continuasse a ser avaliada tomando como base o rendimento constante da matriz. Nada mais injusto, Sr. Presidente, do que êste critério. Não há nenhumas razões para que continue a deixar-se a propriedade rústica entregue ao regímen iníquo da lei de 1921, pois a verdade é que, embora a matriz acuse uma diferença maior em propriedade rústica em relação à propriedade urbana, do que em relação à propriedade rústica, a verdade é que, por menos sensível que seja, alguma é sempre, e injustos são portanto igualmente os seus efeitos.

O nosso desenvolvimento agrario é deficiente, e embora tenhamos uma organização magnífica, na letra da lei, dos nossos serviços agrícolas, que é a lei de maio de 1918, a verdade é que, na pratica, a lavoura tem sido absolutamente abandonada da acção protectora do Estado.

O agravamento do cambio mais vem dificultar a vida do lavrador, pela impossibilidade em que êle realmente se encontra para importar os adubos quimicos, as sementes, as máquinas e instrumentos agrícolas de que carece. A obra do credito agrícola não passa, por seu lado, duma bela aspiração.

Que razões há para que ainda mais se vá dificultar a situação da propriedade rústica, ponda-a na dura contingencia de ser liquidada em expropriação pelo rendimento acusado na matriz, e dando-se garantias maiores à propriedade urbana, como pretende quem assim argumete?!

 Há dias, o sr. Ministro das Finanças queixava-se, das bancadas do Governo, de que o dinheiro português, em vez de fixar-se em valores nacionais, fugia, apavorido, para o estrangeiro. Não me parece, Sr. Presidente, que seja por esse caminho que se remedeia e se trata de evitar esse grande mal de que o sr. Ministro das Finanças se lamenta. Se não acudirmos com medidas legislativas atiladas, a desconfiança continuará cada vez maior, e os nossos capitais, não encontrando nenhumas garantias na sua fixação na propriedade nacional, continuarão infelizmente a róta do seu êxodo.

Por todas estas razões, espero que a Camara atenda devidamente o assunto que se discute, e que vote no sentido que é o mais honesto e o mais justo, o único harmónico com a noção do direito e o interesse nacional, qual é o de modificar as basas sobre que assenta o modo de fixação do valor da propriedade nos casos de expropriação por utilidade pública, por forma a que êsse valor seja determinado com rigor e com justiça. Tenho dito”

(continua)

domingo, 26 de setembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (50)

 

Em França, é a lei de 3 de maio de 1841 que vigorava nos primeiros vinte anos do século XX, regulando as expropriações. Esta lei consigna um processo muito importante para a avaliação da propriedade expropriada, com as seguintes linhas gerais: “são convocados, além dos proprietários, os arrendatários e todos os que teem qualquer direito de usufruto, servidão, etc., sobre o prédio que vai ser expropriado; o expropriante declara aos expropriandos qual a quantia que oferece pela propriedade, e, quando não cheguem a acordo, é a indemnisação fixada por um júri especial, composto de dezasseis membros e presidido por um magistrado, que procede à fixação dessa indemnisação por intermédio de peritos que melhores qualidades possuam para bem avaliar do valor real do prédio.

Na Inglaterra, é um juízo arbitral que fixa essa indemnisação; na Belgica, recorre-se igualmente ao arbitramento. Na Russia, antes do vendaval terrivel e sinistro que ali sopra hoje e que é desgraçadamente a negação de todo o direito, também a lei mandava recorrer a árbitros que fizessem, livremente, a determinação do valor da propriedade exproprianda, notando-se que, quando o prédio fôsse urbano, fazia por lei parte da comissão avaliadora o arquitecto do departamento e, quando o prédio  fosse rustico, era ouvida sempre a opinião de proprietarios rurais, para que no primeiro caso o prédio fosse avaliado em todo o seu valor de construção, arquitectonico, etc., e no segundo caso fosse avaliado por aqueles que, devido à sua situação especial, melhor conhecimento podiam ter da verdadeira situação da propriedade”.

O Dr. Juvenal de Araújo destaca: “Diz-se que a fonte da nossa legislação sobre expropriações foi a lei italiana, de 25 de Julho de 1865, que, como se sabe, é uma das leis europeias mais perfeitas sobre a matéria. Pena foi que não a seguíssemos inteiramente, pois não reproduzimos precisamente a sua parte mais justa, referente ao modo de fixação do valor da propriedade. Realmente, segundo essa lei, tratando-se de expropriações totais, o valor da propriedade é aquêle que ela atingiria antes da expropriação num contrato livre de compra e venda, e, tratando-se de expropriações parciais, o valor é aquele que há entre a diferença do valor do prédio antes da expropriação e aquele que passa a ter, depois da expropriação, a parte que fica ao proprietário.

Como se vê, ha sempre, o recurso não a um elemento de ordem social, não a um elemento de estatística, não a qualquer dado que possa fornecer-nos o sistema de repartição do imposto, - mas o recurso ao valor real e efectivo da propriedade, no momento da expropriação.

Este é o princípio que baseia todas as legislações europeias modernas, como acaba de ver-se.

A lei portuguesa, abandonando esse critério que é o unico defensável e justo, para determinar que a base do valor da propriedade expropriada seja fornecida pelo rendimento colectavel acusado na matriz, consignou um preceito que não tem paralelo lá fóra, e por isso bem andou a comissão de legislação civil, denominando de anacrónicas e injustas essas disposições da lei que urge alterar.

Na prática, todos nós sabemos o resultado da vigência de tais preceitos:  - é o Estado, o corpo administrativo a expropriar uma propriedade, pagando apenas uma parte do seu valor verdadeiro, que é aquêle que se determina pelos dados duma matriz não actualisada. Todavia, esta legislação iníqua vai de encontro à natureza do instituto da expropriação (…).

(continua)

 

sábado, 18 de setembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (49)

 

No dizer do Dr. Juvenal de Araújo, um conflito terminado com a vitória de um interesse sobre o outro, quando a verdade num caso especial da expropriação o que há, o que deve haver é a conciliação de direitos. “Esse equilíbrio é que o Estado tem de saber estabelece-lo, por meio duma legislação criteriosa e justa, que afaste e evite precisamente esse conflito que é falsamente pressuposto pelo argumento produzido. E assim deve ser, porque a função do Estado é, essencialmente, unificadora ou moderadora, e para o exercício desta função o Estado não tem apenas o dever de assegurar as condições de existência e desenvolvimento da sociedade, mas também o bem estar moral e material dos indivíduos que a compõem e procurar o equilíbrio  de todas as suas manifestações de actividade e de riqueza.

E, assim, o Estado nunca póde aparecer diante de nós e, no caso sujeito, diante da classe dos proprietários, como uma entidade discrecionaria, impondo o arbítrio. O Estado, como sujeito de direitos, está preso pela força da lei, está obrigado pelas regras jurídicas, e nenhuma regra jurídica deve perdurar quando não esteja em estricta harmonia com as condições sociais do momento e quando não seja imposta pelo espírito de justiça. Que o interesse pessoal de cada indivíduo deve ceder ao interesse comum – é incontestável, mas temos de usar de todas as cautelas na aplicação deste principio. Há uma méta, um limite que o interesse comum não póde transpor: é o ponto em que termina a defesa do interesse comum, para começar o abuso e a delapidação.

Ataca-se ainda, Sr. Presidente, o parecer em discussão, argumentando-se que o Estado tem o direito de expropriação, e não é legítimo que se lhe levante dificuldades para o exercício dêsse direito incontestável, fazendo-se com que êle vá indemnizar o proprietário duma propriedade expropriada com um valor superior àquêle que consta da matriz. Ora, não é bem assim. A premissa está mal posta. O direito fundamental, essencial, que aqui ha a atender, é inteiramente outro: é o direito de propriedade, que é o mais extenso de todos os direitos reais.

A expropriação não é mais do que uma delimitação ao exercício pleno e absoluto desse direito e, por isso, tem de sêr considerada e interpretada nos seus precisos termos, e nunca em termos tão amplos que se confunda com o confisco. E é por isso que o que distingue o instituto jurídico da expropriação não é apenas o ser uma privação forçada da propriedade: ela é, de facto, uma privação forçada da propriedade, mas mediante justa indemnização.  – Esta é que constitui, completamente, a característica do instituto da expropriação.

Percorram-se todas as legislações modernas, e ver-se-ha que é êste  o principio consignado em todas elas. Tenho ouvido, muitas vezes, dentro e fóra desta Camara, apelar-se para a legislação francesa, principalmente para aquela que foi promulgada ao influxo dos ideais novos semeados pela Revolução. Pois eu aceito, transitoriamente, para efeitos de argumentação, esse ponto de vista, e coloco-me no campo para que me arrastam, analisando o que se passa em França em materia de legislação sobre expropriações. E o que se verifica então? Que a lei de 1807, que durante certo tempo foi a que vigorou em matéria de expropriações, não resistiu aos golpes da campanha terrivel que lhe foi movida, precisamente por colocar o interesse dos cidadãos em absoluta dependência do poder administrativo. E a lei, que hoje vigora, é a de 3 de maio de 1841 (…)”.

(continua)

domingo, 12 de setembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (48)

 

O Dr. Juvenal de Araújo reitera que “há uma razão de ordem moral que terá, talvez, uma importância secundária como argumento isolado, mas que subsidiariamente não poderá deixar  de pesar no nosso espírito: - é que muitas vezes o Estado, a Camara ou a Junta Geral vai expropriar a leira de terra que é o único património dum lavrador humilde, muitas vezes para realizar uma obra de verdadeiro benefício público, outras vezes para executar uma obra de favoritismo ou de compadrio, e não é justo que para essa courela de terra que se vai expropriar se estabeleça um valor por critério diferente daquele por que se vai indemnizar o proprietário dum prédio urbano.

Por estas razões, e ainda porque o projecto da autoria do sr. Alvaro de Castro parece tender mais a regular o modo de nomeação de louvados no processo de expropriação do que a regular a forma de avaliação dos bens, encerra doutrina mais aceitável e ampla o contra-projecto apresentado pela comissão, onde vejo remediados, até certo ponto, tais inconvenientes e lacunas.

Como tal o votarei, por o reputar conveniente e oportuno e, principalmente, por vêr nêle a revogação e substituição de preceitos que, como disse à Camara, teem dado logar a verdadeiras iniquidades e extorsões, com que se tem profundamente lesado a propriedade e ofendido direitos absolutamente respeitáveis.

Voto, pois, na generalidade o contra-projecto referido, reservando-me o direito de, na especialidade, propor-lhe as emendas que entender como mais convenientes e ajustadas ao seu espirito de preceitos reformador e inteiramente moralizador”.

Ainda em relação à defesa da propriedade, o Dr. Juvenal de Araujo apresentou na Mesa do Parlamento a seguinte moção: “«A Camara – reconhecendo a necessidade de serem alteradas as disposições da lei de 26 de Julho de 1912, que mais directamente ofendem e inutilizam as garantidas inerentes ao legitimo  exercício do direito de  propriedade, e entendendo que essas garantias tanto devem envolver a propriedade rústica  como a propriedade urbana, não havendo razões para que, nos casos de expropriação por utilidade pública, se adopte para a determinação do valor da primeira um criterio diferente daquêle que se segue para a fixação do valor da segunda – passa à ordem do dia»”.

“Sr. Presidente: Os princípios consignados na minha moção são aqueles que, creio eu, devem orientar a Camara na discussão e na votação do parecer que neste momento apreciamos. Os argumentos até aqui apresentados em ataque ao parecer e em defesa da conservação dos preceitos actualmente vigentes sobre o modo absolutamente injusto de avaliação da propriedade expropriada, não me lograram convencer, como não convenceram, segundo espero, a maioria da Câmara. Para fundamentar o criterio de que o valor da propriedade deve continuar a ser determinado segundo o rendimento colectavel acusado pela respectiva matriz, diz-se, como argumento fundamental, que os interesses particulares devem subordinar-se aos interesses do Estado.

Tal argumento não resiste à mais ligeira análise, pois que envolve, no caso sujeito, uma noção falsa: é a de um conflito terminado com a vitória de um interesse sobre o outro, quando a verdade é que, neste caso especial da expropriação, o que há, o que deve haver é a conciliação  de direitos, e, no dizer autorizado de alguém, a substituição dum direito em benefício doutro, para a coexistência de ambos.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (47)

Na continuação do segundo tema em que o Dr. Juvenal de Araújo participou, salienta: “Não se achando, pois, actualizadas as matrizes e vigorando por outro lado os preceitos legais que mandam em casos de expropriação liquidar-se os prédios conforme o rendimento colectavel inscrito nessas matrizes, o proprietário vê-se diante desta situação verdadeiramente iníqua e absurda: não pôde fazer aumentar o rendimento do seu prédio, especialmente se êle é urbano, porque a isso se opõe o Decreto de 17 de abril de 1919 que regula as relações entre senhorios e arrendatários;  tem de pagar, ou expontaneamente, ou coercivamente, os tributos mais pesados ao Estado; tem de satisfazer, para a conservação do seu prédio, despezas que são cada vez mais excessivas; e, como cúpula de toda esta situação de dificuldades, está na contingência de, dum momento para outro, surpreendido pela instauração dum processo de expropriação, ver-se na obrigação dura de alienar a sua propriedade por um preço que representa a décima ou vigésima parte do seu valor real e efectivo!

Verdadeiras extorsões se teem praticado, Sr. Presidente, à sombra desta legislação iníqua, por todo esse país fóra, em que o Estado, a Camara ou a Junta Geral nos aparece exercendo um autêntico papel de delapidador, aliás à sombra duma disposição que a lei sanciona e regula.

Foi para obviar a estes inconvenientes e evitar a repetição destas injustiças que surgiu o projecto de lei que neste momento se acha em discussão, estabelecendo que, nos casos de expropriação por utilidade pública de prédios urbanos, o seu valor seja fixado por arbitramento, segundo o rendimento do predio nesse momento, e nunca conforme o rendimento celectavel na matriz.

Este projecto, embora tendendo a fixar doutrina justa e moralizadora, tem ainda assim certos defeitos na sua estrutura e, mesmo, no seu pensamento, defeitos que a comissão de legislação civil e comercial remedeia no seu contra-projecto que conjuntamente apreciamos.

Com efeito, o primeiro defeito do projecto do sr. dr. Alvaro de Castro é fazer restringir à propriedade urbana a sua doutrina, deixando que a avaliação da propriedade rústica se faça, como até aqui, conforme o rendimento colectavel constante da matriz. É preciso que as providencias que o poer legislativo faça promulgar, aproveitem tanto à propriedade urbana com à rústica, visto que as razões que existem para que se tomem medidas de defesa para com uma, são justamente as mesmas que subsistem para que se defenda e garanta a outra.

É certo que, nos centros mais populosos, a propriedade urbano tem atingido um valor extraordinário, e é por isso que em relação a ela se torna mais frizante a desproporção que há entre o seu valor real de hoje e aquele que possa determinar-se tomando como base o rendimento colectavel acusado pela matriz.

Mas a propriedade rústica acha-se também sensivelmente valorizada, por não ter conseguido escapar à regra geral dos efeitos da depreciação da moeda, e não é portanto justo que se siga para com ela um critério diferente daquele que para a propriedade urbana devemos seguir, deixando-a sem garantia e sem defesa perante o Estado que, aliás, não deixou de acautelar os seu interesses, quando pela lei de 24 de setembro de 1921 regulou a liquidação dos direitos de transmissão, quer por título gratuito, quer por título oneroso, mandando que o rendimento colectavel inscrito na matriz fosse multiplicado por 80, para a determinação do valor dessa propriedade”.

(continua)

domingo, 29 de agosto de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (46)

 

Na parte final da intervenção no Parlamento nacional, acerca da problemática dos transportes relacionada com a Madeira, o Dr. Juvenal de Araújo salientou que a “circunstância da concorrência das Canárias tem, de resto, servido sempre de fundamento para reconhecer-se à Madeira uma situação e excepção no tocante à cobrança de impostos marítimos. Foi justamente por esta ordem de motivos que, desde a carta de lei de 23 de abril de 1880, a lei de 28 de maio de 1896, até outros diplomas recentes, se conferiram aos vapores estrangeiros que demandam as ilhas adjacentes, designadamente a Madeira, vantagens especiais.

Ainda há cerca de dez anos, criou-se o imposto de farolagem. Desde logo se reconheceu que a criação deste imposto depressa determinaria o êxodo da navegação estrangeira, e tão justos e bem fundamentados foram os clamores que em seu redor se levantaram, que a cobrança dêsse imposto teve de ser a breve trecho suspensa.

Pela força dos mesmos motivos, impõe-se neste momento a suspensão da execução do Decreto 7.822. É a doutrina do projecto de lei que tenho a honra de mandar para a meza, e requeiro para êle a urgência, na certeza de que o Parlamento, votando-o pratica um acto de bom critério e presta um serviço ao Estado e, sobretudo, à Madeira, terra que bem merece dos poderes públicos, pelo muito que é generosa e sã nos seus costumes de vida, pelo muito que contribue para o Tesouro e pelo muito e muito que tem sido esquecida. Tenho dito”.

O segundo tema que o Dr. Juvenal de Araujo refere, diz respeito à defesa da propriedade, incluída no projeto de lei discutido na generalidade no Parlamento: “A lei de 26 de julho de 1912 e o decreto de 15 de fevereiro de 1913 são os diplomas, actualmente vigentes, que fixam e regulam o processo especial da expropriação por utilidade pública.

Em conformidade com estes diplomas, - o que serve de base à determinação do valor do prédio a expropriar, para o efeito de indemnização a pagar pela entidade expropriante á entidade expropriada, é o rendimento colectavel que se acha inscrito na respectiva matriz predial. É fácil verificar os inconvenientes e as verdadeiras extorsões a que dá logar na prática a vigência de tal preceito, se consideramos que o cadastro da matriz predial foi organizado e aferido há anos, sob o imperio de determinadas condições sociais e económicas; que, neste intervalo, se modificaram de tal modo essas condições, que, substancialmente, se alterou o valor da propriedade; e que, dadas estas circustancias, nunca o valor acusado pela matriz pôde portanto constituir base para uma determinação exacta do valor da propriedade objecto da expropriação.

Diversas são as causas  que contribuem para essa não actualisação da matriz, mas  como causa fundamental aparece-nos, sem duvida, a desvalorização enorme que a moeda tem atingido entre nós e que infelizmente continuará a acentuar-se, emquanto, de um modo geral, não procurarmos  atenuar os efeitos dolorosos da guerra e, dum modo especial,  não tratarmos de restringir, em vez de ampliar, a esfera do nosso meio circulante, de diminuir os encargos infelizmente crescentes do Tesouro resultantes do aumento da nossa divida flutuante externa e interna, de entrar num período decidido de redução de despezas públicas e, finalmente, emquanto o Poder Legislativo e o Poder Executivo, trabalhando de mãos dadas, não infundirem no espírito aquela confiança que é a base de toda a obra que tenda verdadeiramente a alcançar o equilíbrio económico e financeiro do país”.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (45)

 

Em 1928 na ação política no Parlamento nacional, o Dr. Juvenal de Araújo reconhecia que a Madeira “é uma terra que vive essencialmente do turismo, que só ali póde, de mais a mais, exercer-se pela via marítima. É o turismo que sustenta uma grande parte do seu comércio, que assegura o movimento de muitas actividades e de muitíssimos braços, que enche por esta época os seus hotéis, que anima a vida da cidade, que deixa enfim bem impressa nas várias manifestações da actividade madeirense a passagem da sua prosperidade e do seu oiro.

Todos ainda hoje na Madeira recordamos com angustia o que foram os dias tristes da guerra, em que a linda baía do Funchal deixou de reflectir na limpidez das suas águas tranquilas a linha donairosa dos grandes transatlaticos que até então nos visitavam com frequência, e em que a miséria bateu à porta de muitos lares e as dificuldades maiores assoberbaram a manutenção do comercio e daquelas industrias que são fundamentalmente dependentes da concorrência do estrangeiro.

Os bordados e os vinhos, nomeadamente, são industrias cujo exercício se prende hoje, directa e indirectamente, desde a capital da ilha até o mais recuado logarejo, à vida da quase totalidade da população madeirense, e é difícil prever o que seria amanhã, não digo já tranquilidade do seu viver, mas das suas próprias condições de vida, se os navios estrangeiros que ali tocam, transportando toda uma população de gente rica e de bom gosto, deixassem de fazer escala  pelo porto do Funchal”.

Mais salienta que o Estado não prescinde da cobrança das suas receitas regulares, “mas lembremo-nos que elas àmanhã estancarão, se continuarmos a ter em tão pouca conta os elementos que alimentam e engrandecem a riqueza pública, base de toda a matéria colectavel. Há, todavia, ainda, sr. Presidente, uma circunstância particular que coloca a Madeira em uma situação especial perante o Decreto 7.822. É a sua vizinhança das ilhas Canarias e a concorrência que encontra neste arquipélago, dotado hoje de excelentes portos de abrigo e de motivos de atracção para o forasteiro.

E todos sabemos, sr. Presidente, que esses elementos naturais não bastam hoje de modo algum pra que o turista, cada vez mais rodeado lá fora de conforto e de facilidades, vá à Madeira para que simplesmente atraído pelas suas condições naturais.

A Madeira, sem um cais acostável, sem um porto de abrigo, sem uma estação de telegrafia sem fios, sem viação electrica, sem um caminho de ferro, sem predicados para bem receber o turista que não sejam aqueles que derivam naturalmente da índole bôa do seu povo e da iniciativa do comercio de produtos regionais, - a Madeira vê-se, assim, em luta com a rivalidade das Canarias, simplesmente entregue às belezas da sua paisagem e às doçuras do seu clima

O decreto 7.822 constitue, neste ponto, precisamente antítese, o inverso daquilo que seria necessário legislar-se, pois por um lado a cobrança que preceitua «em ouro e ao par» para as taxas que incidem sobre os navios estrangeiros e, por outro, os impostos novos que cria sobre os preços das passagens tomadas nos vapores, só teem como resultado o abandono do porto do Funchal por parte dos navios estrangeiros e a sua imediata substituição pelos das ilhas Canarias, onde o estrangeiro encontra aquelas facilidades e aquelas diversões para o seu espírito com que nós outros, infelizmente, não sabemos ou não queremos atraí-lo.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (44)

 

Na primeira vez que Dr. Juvenal de Araújo fez uma intervenção na sessão legislativa de 1922 a 1925 do Parlamento, apresentou uma iniciativa legislativa acerca dos transportes marítimos.

Na sua intervenção referiu: “Sr. Presidente: Vou ter a honra de mandar para a mesa um projecto de lei, em que colaboraram todos os deputados pelo círculo do Funchal e que vai, portanto, assinado também pelos nossos ilustres colegas nesta Camara, srs. Américo Olavo, Carlos Olavo e Pedro Pita, suspendendo na ilha da Madeira a execução do Decreto nº 7.822 de 22 de novembro de 1921 sobre navegação”. Aquele diploma fixa a forma especial de pagamento dos impostos de comercio marítimo, pese embora se tratasse de um verdadeiro e pesado imposto sobre os navios estrangeiros, cuja consequência seria o afastamento cada vez mais acentuado dessa navegação dos nossos portos.

 O artigo 3º do referido Decreto preceitua que “os impostos, licenças, despachos, dum modo geral, todas as taxas a que estão sujeitos os navios nos portos nacionais serão pagos em escudos quando se trate de navios portugueses e, em libras ao par, tratando-se de navios estrangeiros”.

Por força do mesmo Decreto foi lançado um imposto de 20, 15, 10 e 5% sobre os preços das passagens marítimas vendidas no território da República conforme essas passagens são de luxo, de primeira, de segunda ou de terceira classe, como se cria também um imposto especial de 20% sobre o preço das passagens em navios estrangeiros para as colónias, desde que para elas existam carreiras portuguesas.

“Estas disposições foram, é certo, determinadas pelo patriótico e elevado intuito de protecção à marinha mercante nacional, mas o que não é menos certo é que, com essas medidas de caracter protecionista, se foi criar uma situação de tal modo custosa à navegação estrangeira que há-de reflectir-se, fatalmente, como se está reflectindo já, no movimento do nossos portos e, portanto, na balança económica do país.

Bem avisados andaremos certamente, animando e fomentando o desenvolvimento da nossa marinha mercante, como em toda a parte se faz. Mas o que é indispensável é conciliar as medidas que nesse sentido se venha a tomar com o interesse máximo que a Nação tem em assegurar o movimento dos seus portos e chamar a si a maior corrente de navegação estrangeira que lhe for possível atrair, mórmente num momento como aquêle em que estamos, em que ainda não possuímos, infelizmente, uma marinha mercante que, de momento, possa substituir e desempenhar o papel que na vida do nosso país a navegação estrangeira desempenha.

É talvez por esta ordem de motivos que se entende – e ainda recentemente no Congresso Económico de Coimbra foi presente uma proposta nesse sentido – que o Decreto 7.822 não deve entrar em execução sem sofrer uma revisão cuidadosa e inteligente, por forma a que se expurgue do conjunto dos seus preceitos aqueles que só em prejuízo da nacionalidade redundam (…) desejo apenas salientar , como justificação do meu projecto, quando êle vem agravar, especialmente, a ilha da Madeira, que em condições tão particulares e especiais se encontra em relação aos outros portos portugueses e que justamente vê no Decreto de que trato uma das mais sérias ameaças da vida e da prosperidade da sua população.

A Madeira é uma terra que vive essencialmente do turismo, que só ali póde, de mais a mais, exercer-se pela via marítima. É o turismo que sustenta uma grande parte do seu comércio, que assegura o movimento de muitas actividades e de muitíssimos braços (…)”.

(continua)