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domingo, 7 de agosto de 2022

 

Conflitos da Autonomia - «Revolta do Leite» 1936

 A carta-resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral faz referência aos lacticínios apenas escrevendo o seguinte: “Está em estudos a organização para que já há bases suficientes, mas neste momento nada posso ainda dizer-lhe”.

Cerca de um ano após a carta foi publicado o contestado Decreto-Lei nº 26.655, de 4 de junho de 1936, que instituiu a Junta dos Lacticínios da Madeira (JLM), tendo provocado muita contestação dando origem à designada «Revolta do Leite». As animosidades que Salazar nutria para com a Madeira, na sequência de revoltas anteriores, motivou a imediata deslocação de forças militares apoiadas por dois navios de guerra, bem como reforço com elementos da PIDE.

Naquela época a criação de gado para a produção de leite constituía uma das principais atividades económicas da Madeira, com cujos recursos financeiros subsistia a maioria das famílias madeirenses.

João Abel de Freitas, no seu livro a «Revolta do Leite Madeira 1936, de Abril de 2011» refere:

“Quando se torna público o dia do começo da execução da lei, 1 de Agosto, anunciado em entrevista do Presidente da Junta de Lacticínios, publicada em 23 de Julho de 1936, o povo começa a reagir fortemente, com as autoridades de governação da Ilha inicialmente a fazerem jogo duplo. Era do seu interesse esse jogo na perspectiva de que o Governo viesse a fazer cedências, o que explorariam junto das populações (…) Os dias finais de Julho e o mês de Agosto de 1936 foram críticos e os mais visíveis da Revolta do Leite”

A revolta ocorreu em várias freguesias da Madeira, tais como Faial, zonas altas do Jardim da Serra, Ribeira Brava, Tabua e Funchal

 

A Revolta não demoveu o Poder político. Pelo contrário, quer o acusado “líder” da Revolta, o pároco da freguesia do Faial, padre Teixeira da Fonte, quer cerca de uma centena de revoltosos, acabaram por ser encarcerados na cadeia do «Lazareto», no Funchal, tendo o padre Teixeira da Fonte sido enviado para a prisão de Caxias, em Lisboa.

Em entrevista ao Jornal da Madeira, de 1 de maio de 1982, Teixeira da Fonte descreve as  situações decorrentes da revolta, bem como as condições da cadeia do Lazareto: “O povo pediu-me e exigiu que eu o acompanhasse na sua reclamação. Eu como pároco da freguesia conhecia o problema e tinha obrigação de conhecer. Acompanhei o povo ordeiramente, até porque a população se comportava com dignidade e ordem (…) Estive no Lazareto, cerca de onze meses e o resto foi para Caxias … a prisão mais perigosa e rigorosa. Entretanto, nunca perdi o moral, mesmo no Lazareto, desculpe, no meio daquela (…) toda! Fazíamos as nossas necessidades maiores e menores à vista de todos, em latas de folha, então usadas em petróleo… Cortavam as tampas da parte superior das latas, nem sequer fazíamos assento nas mesmas e, com licença, … à vista de todos.

Não havia sanitários. Era então o Lazareto, o casarão enorme destinado a empestados…Os presos depois levavam essas latas da porcaria para o mar. Só tive pena de não carregar uma dessas latas, a «pide» não me deixou. No Lazareto havia cerca de 300 ou 400 prisioneiros…

Fizeram uma montagem de tarimbas em toda a volta do salão, rés do chão… Uns dormiam nas tarimbas e outros no chão. Também quis dormir no chão, mas os presos não me deixaram. (…).

A minha prisão foi tida como um facto político, de me intrometer no assunto que não me dizia respeito e que não dizia respeito aos interesses do povo. Quando era precisamente o contrário.

(…) Interessei-me, porque os paroquianos pediam que intercedesse por eles…”

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