Conflitos da Autonomia - «Revolta do Leite» 1936
Cerca de um
ano após a carta foi publicado o contestado Decreto-Lei nº 26.655, de 4 de
junho de 1936, que instituiu a Junta dos Lacticínios da Madeira (JLM), tendo provocado
muita contestação dando origem à designada «Revolta do Leite». As animosidades
que Salazar nutria para com a Madeira, na sequência de revoltas anteriores,
motivou a imediata deslocação de forças militares apoiadas por dois navios de
guerra, bem como reforço com elementos da PIDE.
Naquela
época a criação de gado para a produção de leite constituía uma das principais
atividades económicas da Madeira, com cujos recursos financeiros subsistia a
maioria das famílias madeirenses.
João Abel
de Freitas, no seu livro a «Revolta do Leite Madeira 1936, de Abril de 2011»
refere:
“Quando se
torna público o dia do começo da execução da lei, 1 de Agosto, anunciado em
entrevista do Presidente da Junta de Lacticínios, publicada em 23 de Julho de
1936, o povo começa a reagir fortemente, com as autoridades de governação da
Ilha inicialmente a fazerem jogo duplo. Era do seu interesse esse jogo na
perspectiva de que o Governo viesse a fazer cedências, o que explorariam junto
das populações (…) Os dias finais de Julho e o mês de Agosto de 1936 foram
críticos e os mais visíveis da Revolta do Leite”
A revolta
ocorreu em várias freguesias da Madeira, tais como Faial, zonas altas do Jardim
da Serra, Ribeira Brava, Tabua e Funchal
A Revolta
não demoveu o Poder político. Pelo contrário, quer o acusado “líder” da
Revolta, o pároco da freguesia do Faial, padre Teixeira da Fonte, quer cerca de
uma centena de revoltosos, acabaram por ser encarcerados na cadeia do «Lazareto»,
no Funchal, tendo o padre Teixeira da Fonte sido enviado para a prisão de
Caxias, em Lisboa.
Em
entrevista ao Jornal da Madeira, de 1 de maio de 1982, Teixeira da Fonte
descreve as situações decorrentes da
revolta, bem como as condições da cadeia do Lazareto: “O povo pediu-me e exigiu
que eu o acompanhasse na sua reclamação. Eu como pároco da freguesia conhecia o
problema e tinha obrigação de conhecer. Acompanhei o povo ordeiramente, até
porque a população se comportava com dignidade e ordem (…) Estive no Lazareto,
cerca de onze meses e o resto foi para Caxias … a prisão mais perigosa e
rigorosa. Entretanto, nunca perdi o moral, mesmo no Lazareto, desculpe, no meio
daquela (…) toda! Fazíamos as nossas necessidades maiores e menores à vista de
todos, em latas de folha, então usadas em petróleo… Cortavam as tampas da parte
superior das latas, nem sequer fazíamos assento nas mesmas e, com licença, … à
vista de todos.
Não havia sanitários. Era então o Lazareto, o
casarão enorme destinado a empestados…Os presos depois levavam essas latas da
porcaria para o mar. Só tive pena de não carregar uma dessas latas, a «pide»
não me deixou. No Lazareto havia cerca de 300 ou 400 prisioneiros…
Fizeram uma montagem de tarimbas em toda a volta
do salão, rés do chão… Uns dormiam nas tarimbas e outros no chão. Também quis
dormir no chão, mas os presos não me deixaram. (…).
A minha prisão foi tida como um facto político, de
me intrometer no assunto que não me dizia respeito e que não dizia respeito aos
interesses do povo. Quando era precisamente o contrário.
(…) Interessei-me, porque os paroquianos pediam
que intercedesse por eles…”
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