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quinta-feira, 20 de junho de 2013

ÁGUA REVOLTA POVO DA CALHETA
 “Levada, que aqui me tens,
Custaste um saco de dinheiro
E um pico de vintens!”
(Ditado popular)

Eram dez horas da manhã do dia 20 de Junho de 1953 quando repicou o sino da capela de S. Pedro, no Lombo do Atouguia (Calheta). Não se tratava de sinal para a realização de qualquer cerimónia religiosa, mas sim para uma Revolta Popular contra a usurpação, por parte da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, da água que corria na Ribeira do Luís, no local onde passa a nova levada que conduz água da Central Hidroeléctrica da Calheta para irrigar a parte leste do concelho, fazendo parte do Plano Hidroagrícola  do primeiro ciclo do Plano de Fomento da Madeira.

Passados 60 anos, parece irrealista admitir que, em plena pujança do regime salazarista, algumas dezenas de pessoas se tivessem revoltado contra o Poder instituído, cuja rebelião causou a prisão de meia dúzia de mulheres, de entre as quais a que tocou o sino da capela. Parecendo que as revoltas populares desenrolam-se nas cidades, o certo é que o povo – no caso, tratou-se de uma revolta de mulheres - ao sentir-se lesado não escolhe lugar nem regime político para agir em defesa dos seus direitos. Isso aconteceu, mais tarde, na Ponta do Sol, também por causa da água de rega e que provocou uma morte – a da Sãozinha. E contecerá sempre que algum poder, por mais democrático que diga ser, corte ou desvio a água de rega que é dos regantes.

Primeiro no calaboiço da Ponta do Sol e, depois, durante cerca de um mês, na Cadeia dos Viveiros, as mulheres que mais ativamente destruiram a levada que desviou a água da ribeira para a levada do grande empreendimento da época pagaram com a prisão o facto de terem recuperado a água uzurpada. Para elas não havia plano hidroagrícola, por mais importante que fosse, que tivesse mais interesse do que a água que os habitantes daquela localidade usavam na agricultura – a verdadeira agricultura biológica. E o povo acabou por perder a “batalha”, cujas armas foram as enxadas com que cavavam a terra, contra o poder da força policial armada. Revolta tão natural como naturais eram as necessidades da água para a agricultura.
Aquela revolta ficou na história daquele sítio da Calheta, a qual faço questão de relembrar sempre, tanto mais que a presenciei no próprio local.

O regime hidroagrícola da Madeira nunca foi pacífico. A água, aparentemente abundante, sempre criou conflitos pelo direito de propriedade e utilização. Nascentes várias brotavam água que motivou a construção de levadas que passaram por locais inacreditáveis. Foi uma obra útil e necessária para a realidade agrícola de então e para o consumo domicíliário, neste caso retirada dos fontenários públicos ou directamente das nascentes. Ainda hoje se discute, investiga, projecta e constrói obras com vista à captação e condução de tão precioso líquido. E cada vez mais ela é escassa! A luta pela água de rega é cada vez mais acentuada, apesar de muitos terrenos perdidos.

Ao longo da história, a questão das águas foi de tal ordem complexa que já D. João II tomou medidas de carácter legislativo fixando princípios de direito que serviram de orientação para as entidades públicas que vieram a ser as Levadas. Pelos séculos adiante, nunca mais pararam as medidas reguladoras deste setor, reconhecendo direitos adquiridos aos regantes em épocas passadas.

A Revolta, agora recordada, tem a sua mais directa relação na criação, em 1943, da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira que ficou com a competência de promover e orientar a execussão dos novos empreendimentos hidroagrícolas e hidroeléctricos da Madeira. Legislação de 1947 e de 1952 completou o regime jurídico daquele plano que incluía a construção das centrais hidroeléctricas e levadas de maior capacidade, cuja despesa seria suportada metade pelo Estado e metade pela Junta Geral.
A levada da revolta ficou incluída na primeira fase do grande projecto hidroagrícola e foi classificada “Levada  da Calheta-Ponta do Pargo”, irrigando os terrenos a partir da Madalena do Mar até  à Ponta do Pargo, numa extensão de 67 km.



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