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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (11)

Alguns órgãos de comunicação social escrita, existentes quando se dá o «25 de Abril 1974», sofreram, posteriormente, algumas importantes metamorfoses na sua titularidade e direção. As mais significativas ocorreram no «Jornal da Madeira», no «Diário da Madeira» e no «Re-Nhau-Nhau».

Com a alienação da quase totalidade do capital social, que, em dezembro de 1985, foi atribuído à Imprensa Regional da Madeira, EP, e, pela Resolução nº 1035/97, de 31/07/1997, do Plenário do Governo Regional, passou para a posse da Região Autónoma da Madeira, com o fundamento da necessidade de aumentar o capital social, o «Jornal da Madeira» apenas pode ser considerado da Diocese pelo suplemento «Pedras Vivas». Quanto ao resto, tudo foi controlado pelo Governo Regional, onde impera a parcialidade ideológica.

Pela Resolução 272/82 do Governo Regional da Madeira, reunido em plenário em 1 de abril de 1982, foi resolvido adquirir “o prédio urbano sito à Rua da Alegria, 23 e 25, desta cidade. Mais resolve adquirir o semanário intitulado «Diário da Madeira» e a oficina de tipografia que se encontra instalada no aludido prédio, pelo valor de 30.000.000$00. Esta aquisição tem em vista aproveitar a capacidade do parque gráfico, permitindo assim a elaboração rápida do Jornal Oficial da Região Autónoma e possibilitar também a feitura de outros trabalhos”.
Quando, em 7 de Junho de 1983, a Assembleia Regional aprovou a criação da empresa pública, Imprensa Regional da Madeira, EP, outro dos objectivos previstos nos seus estatutos era editar o periódico «Diário da Madeira». Na altura, este jornal era crítico da governação regional, o que valeu a sua aquisição. Mas acabou por nunca ser publicado por aquela empresa pública, facto que motivou a perda do direito ao título, o que prova que o objectivo da compra foi simplesmente calá-lo.
Uma vez perdido o título do «Diáro da Madeira», por não ter sido publicado, em 1984 aparece o nº 1/84 com propridade e direção de Ernesto Pestana e, em 1993, passa para a C.J.M. – Cooperativa Jornalística da Madeira, C.R.L., sendo diretor António Aragão de Freitas.

O trimensário humorístico “Re-Nhau-Nhau”, fundado por Gonçalves Preto e João Miguel, em 1928, depois propriedade de João Miguel, Herdeiros, teve uma nova série em Janeiro de 1996, de periodicidade mensal com o Editor António Loja e diretor Ricardo Freitas,

A 18/10/1976, nasce o semanário «ZARCO», sendo diretor José de Carvalho, como órgão oficial da APAM – Associação Política do Arquipélago da Madeira. Com uma tiragem de 3200 exemplares, publica o «Manifesto ao povo madeirense» que justifica o aparecimento do jornal pelo facto de os fundadores da APAM entenderem que “os partidos políticos representados na Madeira serviam em primeiro lugar os interesses eleitoralistas e os de uma política global portuguesa, ditada pelos seus centros de decisão instalados em Lisboa”. O Manifesto termina: “Por isso Madeirenses, vos pedimos que se unam em torno da APAM. Que sobreponham às ideologias políticas a vossa qualidade de Madeirenses, e que todos juntos, lutemos pela construção da Madeira em que todos nós desejamos viver”.
Também publica alguns artigos dos estatutos da APAM, referindo o artigo número um: “A Associação que se rege pelos presentes estatutos denomina-se «ASSOCIAÇÃO POLÍTICA DO ARQUIPÉLAGO DA MADEIRA» e constitui a reunião política de todas as pessoas que desejam lutar pela efectiva realização de um futuro de paz, progresso, independência e justiça social para todos os Madeirenses”.

A 06/12/1976, surge o jornal «Madeira Press», edição de Frank Ligne e direção de Ornelas Teixeira. O editorial refere que o “Madeira Press será o porta-voz, não de uma classe dominante, mas sim de todo o Povo: o Povo Madeirense”. Refere que “ Do mesmo modo que Portugal não é só Lisboa, também a Madeira não é só o Funchal” e que o “Madeira Press preenche uma lacuna no nosso meio cultural, onde os órgãos de comunicação, em nome dum falso progressismo, tem os olhos voltados para o estrangeiro, em vez de olhar para sua própria realidade regional”.
A «Nota do Editor» refere: “É sabido que desde há cinco meses venho dirigindo as «Páginas da Madeira» de o «Retornado», mas foi agora que na realidade senti que, mais dignamente, poderia servir o Povo da Madeira e Açores, editando um jornal regionalista 100% escrito e elaborado na Madeira, por homens de boa vontade, que tentaram e conseguiram fazer de mim, aquilo que hoje sou: um ilhéu de coração!”
(continua)







terça-feira, 24 de junho de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (10)

 COMUNICAÇÃO SOCIAL  -  A comunicação social, existente quando se dá o «25 de Abril 1974», baseava-se na RTP, com programação e emissão regionais restritas; rádios eram três (Emissora Nacional, também com programação e emissão regionais, Posto Emissor do Funchal e Estação Rádio da Madeira; na imprensa havia dois jornais diários (Diário de Notícias e o Jornal da Madeira), e cinco jornais periódicos, de frequência geralmente semanal (Eco do Funchal, Diário da Madeira, Voz da Madeira, Comércio do Funchal e Re-Nhau-Nhau), para além dos poucos jornais nacionais que chegavam à Madeira; havia também a delegação da agência noticiosa ANOP.

A comunicação social viu-se livre da censura e do aviso prévio, abolidos com a Revolução, medida que estava prevista na alínea g) do nº 2 das Medidas Imediatas do Programa do Movimento das Forças Armadas. A “Liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma”, bem como “A promulgação de uma nova Lei de Imprensa, Rádio, Televisão, Teatro e cinema”, constam, respetivamente, nas alíneas c) e d) do nº 5 das Medidas a Curto Prazo do mesmo Programa. Com aquelas liberdades instaladas, cuja regulamentação foi entretanto produzida, tornou-se natural o aparecimento de uma comunicação social nova, quer na existente, quer na que surgiu, a partir do mês de novembro de 1975, sob a forma de revistas, jornais e, anos depois, novas rádios locais, televisões privadas e por cabo, que estenderam a sua emissão à Região.

Os jornais existentes não colocaram muitos entraves à publicação de extensos comunicados partidários e manifestos eleitorais para as primeiras eleições entretanto realizadas. A época foi de dar largas à imaginação para dizer e escrever o que tinha sido proibido durante quase meio século. Cada organização tudo fez para publicar a sua visão acerca da nova ordem política nacional e regional. Uma vez que estávamos numa altura de efervescência política, não se tornou difícil classificar, com maior ou menor rigor, a orientação ideológica dos diferentes órgãos de comunicação social existentes.
A concorrência entre eles despertava interesse na publicação variada de temas propícios à época. Mas se para uns, estar à esquerda não só era moda como dava jeito mostrar que tinha havido rompimento com o regime deposto, outros não tiveram pejo em contestar a nova política de esquerda que tudo fazia para se instalar na sociedade. Outros iniciaram a marcha na defesa da Autonomia e, mais do que isso, pugnaram acerrimamente pela independência da Madeira. Estavam nesta onda:
- o «Diário da Madeira», cujo director, dr. Castro Jorge, chegou a ser preso a 15 de maio de 1975, “com guia de marcha para Caxias”, conforme consta no livro de Manuel Macedo;
- o continental jornal «O Retornado», cujo proprietário e director era Arthur Ligne, que teve inicialmente como correspondente na Região o professor Ornelas Teixeira, e depois criou uma delegação, que publicou o suplemento “Páginas da Madeira”, tendo como director da delegação Franklin Ligne e, depois, Mendes Moreira que deu maior expansão às referidas páginas regionais.

De mais relevante no suplemento “Páginas da Madeira” do jornal «O Retornado», de 29 de junho de 1976, é a entrevista dada pelo autodenominado Presidente da Flama, a pedido deste, que apenas se deixou fotografar encapuzado:
“Estou na Madeira porque sou madeirense, mais propriamente das regiões de São Vicente. Procurei-vos porque vos considero um órgão de informação arrojado, dinâmico, verdadeiro. Em contrapartida os nossos jornais regionais não têm expressão no contexto nacional e internacional para os procurar. O «Diário de Notícias», como sabe, é um jornal que não é carne nem peixe, quer dizer, umas vezes é comunista, outras é socialista, outras é fascista. O «Jornal da Madeira» é, para nós, aquele que merece mais consideração mas só circula dentro do nosso território. Sou o presidente da FLAMA. O Comandante chefe da UNIARMA. Estou hoje aqui, vindo de Londres; venho aqui todos os meses para conferenciar com os nossos chefes regionais (...)”.

Entretanto, o aparecimento de vários órgãos de comunicação social escrita deu azo às mais variadas manifestações ideológicas de extrema esquerda, esquerda, centro, direita, autonomistas, separatistas e centralistas. Sobre estes escreverei na próxima semana.





quinta-feira, 12 de junho de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (9)

 A PIDE/DGSA PIDE - Polícia Internacional e de Defesa do Estado, que Marcelo Caetano mudou o nome – mas sem mudar as funções -  para DGS - Direcção Geral de Segurança, era uma polícia autenticamente política. Controlava os cidadãos, barcos e aviões e seus passageiros, fazia censura prévia na comunicação social e em tudo quanto era publicado e usava meios violentos pela tortura contra os presos políticos.
A falta de liberdade era de tal ordem que levava à autocensura para evitar dissabores. Prendeu e mandou executar pessoas que se opunham ao regime ditatorial do Estado Novo, ultrapassando as funções de simples segurança do Estado.
A sua presença, visível ou camuflada, estendeu-se a todos os espaços da metrópole, ilhas e Ultramar. Estarem três pessoas numa qualquer rua a conversar poderia ser motivo de suspeita. Tinha agentes informadores por todo o lado e, especialmente, infiltrados nos serviços da administração pública e não só. Trabalhou em conjunto com a Legião Portuguesa, criada em setembro de 1936, na defesa civil e segurança interna.

Quando a DGS foi criada (Dec-Lei 49 401, de 24/11/1969), a PIDE existia há 24 anos (Dec-Lei 35 046, de 22/10/1945), sendo esta a herdeira da PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (Dec-Lei 22 992, de 29/8/1933). Por sua vez, a PVDE tinha resultado da fusão da Polícia Internacional Portuguesa (Decreto 20 125, de 30/7/1931) e da Polícia de Defesa Política e Social (Decreto 22 151, de 23/01/1933).
A par daquela instituição repressiva, funcionou a União Nacional, criada pelo Decreto 21 608, de 26/8/1932, como “associação sem carácter de partido e independente do Estado, destinada a assegurar, na ordem cívica, pela colaboração dos seus filiados, sem distinção de escola política ou de confissão religiosa, a realização e a defesa dos princípios consignados nestes estatutos, com o pleno acatamento das instituições vigentes”.
Na sequência do V Congresso, realizado em fevereiro de 1970, a UN transforma-se em ANP – Acção Nacional Popular. Sem diferença nos objetivos, a UN/ANP era a única força política permitida pelo regime, concorrente às eleições. E quando outras organizações da oposição passaram a concorrer, os vícios do regime favoreceram a da situação.  

No «25 de Abril de 1974», a estrutura e as funções da DGS, na Madeira, mantinham-se tal como Salazar as tinha deixado.
O Programa das Forças Armadas estabelece “A extinção imediata da DGS”, acrescentando ainda a “Legião Portuguesa e organizações políticas da juventude”. Prevê, na alínea c) do nº 2 da Medidas Imediatas:
“No ultramar a DGS será reestruturada e saneada, organizando-se como Polícia de Informação Militar enquanto as operações militares o exigirem”.
 Logo no dia 25 de Abril de 1974, a DGS foi extinta pelo Decreto-Lei nº 171/74. A investigação dos “crimes contra a segurança interior e exterior do Estado” passou para a competência da Polícia Judiciária. Para a Guarda Fiscal ficaram as atribuições de “vigiar e fiscalizar as fronteiras terrestres, marítimas e aéreas”. Na dependência e à custódia das Forças Armadas ficou todo o equipamento pertencente à DGS: “material mecânico, veículos, armamento e munições, mobiliário, livros, papéis de escrituração, documentos e demais elementos”.

As instalações da PIDE/DGS, no Funchal, foram abertas à comunicação social no dia 29 de Maio de 1974. Esse acontecimento teve relevância política não só por ter sido possível a quem lá entrou consultar os arquivos, como até pelo facto de, posteriormente, o seu equipamento, constituído por mobiliário e máquinas de escrever, ter sido distribuído pelos partidos políticos com delegações nesta Região, que pretendessem usá-los.
O Brigadeiro Carlos Azeredo deu a ordem. Alguns partidos assim o fizeram: secretárias e máquinas de escrever faziam falta para as imensas tarefas que os partidos iriam empreender. Até porque partiram do nada em relação a equipamentos.
Daí, não faltar à verdade se considerar que o primeiro equipamento utilizado por alguns partidos foi o mesmo que, durante muitos anos, os PIDES usaram na sua acção persecutória, nas inscrições e averbamentos em fichas onde descreveram a actividade política das pessoas que não estavam claramente do lado do regime deposto – o Estado Novo.





quarta-feira, 4 de junho de 2014

Reflexos de «Abril 74» na Madeira (8)


OCUPAÇÃO DO SEMINÁRIO MENOR (2):
- A urgente devolução do Seminário, ocupado a 31/10/1974, foi fundamentada no comunicado do dia seguinte, tendo em conta que “OS CRISTÃOS CATÓLICOS PRECISAM DO SEMINÁRIO DA ENCARNAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DO PROGRAMA JÁ ELABORADO E DADO A CONHECER EM 19 DE SETEMBRO DE 1974”. Menciona os nove “serviços a instalar na casa da Diocese – Seminário da Encarnação”:
- GABINETE DO PRELADO, incluindo a Secretaria Episcopal e o Gabinete de Informação; 
- GABINETE DO VIGÁRIO GERAL;
- GABINETES DOS VIGÁRIOS EPISCOPAIS;
- CÚRIA DIOCESANA que incluía o Tribunal Eclesiástico, a Câmara Eclesiástica e os Serviços Administrativos;
- CONSELHOS DIOCESANOS, compostos pelo Conselho Presbiteral, Conselho do Apostolado dos Leigos, Conselho Pastoral e Conselho Diocesano de Administração; 
- COMISSÕES DIOCESANAS, tais como a Comissão de Liturgia e Música Sacra, a Comissão de Arte Sacra, a Comissão de Justiça e Paz e a Comissão da Cáritas;
- SECRETARIADOS DIOCESANOS da Evangelização, da Doutrina Cristã (Catequese), da Família, da Juventude, das Vocações, da Emigração e Turismo e das Missões; 
- SERVIÇOS CENTRAIS, compostos pelo Centro Pastoral de Documentação e Leitura; Centro de Retiros e de Cultura Religiosa e Sala de Conferências;
- JORNAL DA MADEIRA.

Não há dúvidas de que todo este imenso rol de serviços daria para ocupar todas as instalações do edifício. Só que a devolução não se verificou, nem com a manifestação de fé a favor da mesma. Mais tarde, acabou por ali ser instalada a “Escola Bartolomeu Perestrelo”, ficando o prédio no regime de arrendamento. Nem a regionalização do setor da Educação levou o Governo Regional a devolver o prédio ao seu legítimo proprietário. Daqui se deduz que o comunicado do dia 1 de novembro de 1974, que não foi elaborado por um leigo qualquer, constituiu apenas um falso argumento para nele instalar os serviços mencionados. Se o quisesse, não tinha optado pelo arrendamento que chegou a 1.400 contos por mês.

Em 2005, o Governo Regional e a Diocese do Funchal revogaram por mútuo acordo o contrato de arrendamento do edifício do Seminário. A Resolução de 29 de Setembro de 2005 do Governo Regional, dando conta do acordo, determinou atribuir um subsídio de 150 mil euros à Diocese “para a realização das obras de reparação e reposição do locado da responsabilidade do inquilino”. O acordo previa o pagamento daquela quantia nos prazos estipulados (22.447,50 euros até Dezembro de 2005 e o remanescente no ano de 2006).
O certo é que o inquilino (Governo Regional) deixou o edifício em muito mal estado de conservação. A «gaiola verde», na linguagem seminarística de então, pela sua história e arquitectura, não merecia estar sujeita à degradação a que foi submetida. Quando deixou o edifício, o inquilino nem se dignou retirar uma estrutura de alumínio branco colocada numa das entradas, que ajudou a “engalanar” o panorama degradante do imóvel. Passados nove anos da desocupação, o edifício não foi submetido a obras, continuando permanente a sua degradação.

Refere o Elucidário Madeirense que deve-se ao bispo D. Manuel Agostinho Barreto a construção do edifício “na cerca do extindo convento da Incarnação” destinado ao Seminário Diocesano. Para tal obra, “dispendendo toda a sua fortuna herdada e adquirida, dotou a diocese com um amplo e esplêndido edifício, que é um dos mais belos títulos de glória da sua administração episcopal”.
O seminário começou aí a funcionar em outubro de 1909, mas foi extinto pela lei de 20/4/1911, passando o edifício para a posse do Estado. Apenas foi recuperado pelo decreto de 25/4/1927, que considerou ilegal a cessão feita à Junta Geral do edifício da Incarnação. Apenas em outubro de 1933 é que o Seminário Diocesano voltou a ser instalado naquele edifício, sem interrupção até 1974.
Em 1958, o Seminário Diocesano foi desdobrado em dois: o Menor e o Maior. O Seminário Menor manteve-se no edifício da Incarnação, com os alunos até o 5º ano. O Seminário Maior passou para o edifício na Rua do Jasmineiro, com os alunos do 6º ano e seguintes.

Da riqueza instalada no edifico da Incarnação constava o Museu de História Natural do seminário, fundado pelo padre Hernesto Schmitz que foi vice-reitor, tendo dado continuidade ao Museu o cónego Barreto e, mais tarde, o padre Manuel de Nóbrega, quando o espólio já se encontrava no Jardim Botânico.