De Distrito do Funchal a Região Autónoma (2)
Desde o início do
século XX, tiveram lugar algumas mudanças substanciais, embora no essencial
manteve-se o modelo de Distrito, que sobreviveu ao período da monarquia, da I
República, da Ditadura Militar do 28 de Maio de 1926, que deu lugar ao Estrado
Novo, e à Democracia de «Abril de 1974» até entrar em funções o I Governo
Regional, a 1 de outubro de 1976.
Mas o ideal
autonomista continuou vivo e reivindicativo ao longo dos tempos, embora com
alguns sobressaltos, não se limitando às leis já publicadas e àquelas que
porventura introduziam novas formulações legais de mera cosmética. A 16 de fevereiro
de 1928, foi publicado o Decreto nº
15 .035 que ampliou de certo modo a autonomia administrativa
dos distritos insulares, regulando a constituição, funcionamento, competência e
atribuições das Juntas Gerais do Funchal, Ponta Delgada e Angra do Heroísmo.
Seis meses depois, o Decreto
15805 , de 31 de julho, alargou a descentralização governativa
dando às Juntas Gerais mais poderes. Mas a esse aumento de poderes não
correspondeu mais fundos financeiros para a concretização efectiva do
desenvolvimento social e económico. Pelo contrário, outras leis impuseram à
Madeira obrigações incomportáveis como foi o célebre Decreto nº 19273 , de 22 de janeiro
de 1931, que alterou o regime cerealífero do Distrito, o qual deu origem à
Revolta da Farinha, em 4 de fevereiro daquele ano, criando motivos para a formação
da Junta Revolucionária da Madeira. A reação e ação dasta ultrapassaram os limites
do modelo de autonomia que vigorava, dando lugar a um corte radical com a
ditadura do Poder Central e a institucionalização de um poder próprio na
Madeira que, depois, deveria estender-se ao Continente. De qualquer forma, quer
em 1847, quer em 1931, não deixou de haver algum significado autonómico ou até
de cariz independentista, embora na Revolta de 1931 os principais dinamizadores
não fossem madeirenses.
A 23 de maio de
1935, Oliveira Salazar, Presidente do Governo, enviou uma carta ao Presidente
da Junta Geral, Dr. João Abel de Freitas, respondendo à carta deste, de 28 de março,
mas também era o corolário de uma exposição da Junta Geral, de 5 de abril, de
um ofício do Governador Civil, da mesma data, e de um memorial, de 21 de abril,
assinado por Pestana Reis, Juvenal Araújo e Favila Vieira. Não podia ser mais
clara a visão do Presidente do Governo quanto ao mal-estar vivido no Distrito e
quanto ao conceito de autonomia. Salazar escreveu: “«O abandono da Madeira por parte do Poder Central» entrou na
formação da consciência madeirense e vejo que os dirigentes da situação
política não podem rebater essa falsa ideia (...) leio tudo o que vem da
Madeira há bastantes anos e já tenho experiência do Governo suficiente para não
me irritar ou sequer para me importar além de certa medida com o que se diz aí
da acção do Governo (...) A autonomia não é a autonomia de gastar mas a de
administrar um património ou uma receita, tirando de um ou de outra o maior
rendimento (...) O que fica dito da Junta pode aplicar-se mutatis mutandis
às Câmaras Municipais. As verbas anuais para despesas de anos findos mostram a
irregularidade da vida administrativa, porque ou os pagamentos andam atrasados
em relação aos compromissos – e isto é que é mais natural são feitas muitas despesas
por fora do orçamento. Empréstimos para regularizar estas situações é contra os
nossos princípios autorizá-los”. Salazar termina a carta assim: “Agradeço a V.
Exª. o sacrifício de chefiar a Junta Geral, com grande prejuízo da sua vida
particular, mas neste momento não podem as pessoas boas deixar de sacrificar-se
pelo bem comum, e a Madeira merece, até pela sua doença de espírito, esse
sacrifício”.
No ano seguinte à
missiva de Salazar, na sequência do Decreto-lei nº 26655 , de 4 de junho, que institui a
Junta Nacional dos Lacticínios da Madeira, o povo da Madeira promoveu mais uma
revolta - «A Revolta do Leite» - em que teve um papel ativo o padre César
Teixeira da Fonte. A repressão sobre a Madeira não tardou...!
Pese embora o
contínuo reforço do poder centralizador, a etapa seguinte da autonomia
distrital surgiu com o Decreto-Lei
nº 30214 , de 22 de dezembro de 1939, ao aprovar o «Estatuto
dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes», depois revisto pelo Decreto-Lei nº 31 .095, de 31 de dezembro
de 1940, em execução da Lei nº
1967 , de 30 de abril de 1938, relativo ao Código
Administrativo que enunciava as bases da administração
distrital autónoma.
Este novo regime
foi sucessivamente alterado nos anos subsequentes, nomeadamente com nova
redacção dada pelos Decretos-Lei nº 31386, de 14 de julho de 1941 e 36453, de 4
de agosto de 1947.
O
diploma que criou o Estatuto do Distrito Autónomo prevê que o cargo de
Governador Civil tenha honras de Ministro de Estado. Apesar de tudo, o termo
“autónomo” mais não era do que uma ficção de autonomia sem poder do povo
insular.
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