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sexta-feira, 19 de junho de 2015



1953 - ÁGUA REVOLTA POVO DA CALHETA

Eram dez horas do dia 20/06/1953 quando repicou o sino da capela de S. Pedro, no Lombo do Atouguia (Calheta). Não se tratava de realização de qualquer cerimónia religiosa, mas sim para uma Revolta Popular contra a usurpação, por parte da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, da água que corria na Ribeira do Luís, junto à nova levada que conduz água da Central Hidroeléctrica da Calheta para irrigar a parte leste do concelho da Calheta e parte da Ponta do Sol.

Passados 62 anos, parece irrealista admitir que, em plena pujança do regime salazarista, mulheres de febra rija tivessem feito a revolta contra o Poder instituído. Até a que tocou o sino acabou na prisão juntamente com outra meia dúzia de mulheres. Parecendo que as revoltas populares desenrolam-se nas cidades, o certo é que o povo – no caso, tratou-se de uma revolta de mulheres - ao sentir-se lesado não escolhe lugar nem regime político para agir em defesa dos seus direitos. Isso aconteceu, em 1962, na Lombada da Ponta do Sol, também por causa da água de rega e que provocou uma morte – a da Sãozinha. E acontecerá sempre que algum poder, por mais democrático que diga ser, corte ou desvie água de rega que é dos regantes.
Primeiro no calaboiço da Ponta do Sol e, depois, durante cerca de um mês, na Cadeia dos Viveiros, as mulheres, que mais ativamente destruiram a levada que desviou a água da ribeira para a do grande empreendimento da época, pagaram com a prisão o facto de terem recuperado a água usurpada. Para elas não havia plano hidroagrícola, por mais importante que fosse, que tivesse mais interesse do que a sua água. E o povo acabou por perder a “batalha”, cujas armas foram as enxadas com que cavavam a terra, contra o poder da força policial armada. Revolta tão natural como naturais eram as necessidades da água para a agricultura - a verdadeira agricultura biológica.

O regime hidroagrícola da Madeira nunca foi pacífico. A água, aparentemente abundante, sempre criou conflitos pelo direito de propriedade e utilização. Nascentes brotavam água que motivou a construção de levadas passando por locais inacreditáveis. Foi uma obra útil e necessária para a realidade agrícola de então e para o consumo domiciliário. Mas ainda hoje se discute, investiga, projecta e constrói obras com vista à captação e condução de tão precioso líquido. E cada vez mais ela é escassa! A luta pela água de rega é cada vez mais acentuada, apesar de muitos terrenos abandonados.
Ao longo da história, a questão das águas foi de tal ordem complexa que já D. João II tomou medidas de caráter legislativo fixando princípios de direito que serviram de orientação para as entidades públicas que vieram a ser as Levadas. Pelos séculos adiante, nunca mais pararam as medidas reguladoras deste setor, reconhecendo direitos adquiridos aos regantes em épocas passadas.
A Revolta, agora recordada, tem a sua mais directa relação na criação, em 1943, da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira que ficou com a competência de promover e orientar a execussão dos novos empreendimentos hidroagrícolas e hidroeléctricos da Madeira. Legislação de 1947 e de 1952 completou o regime jurídico daquele plano que inclui a construção das centrais hidroeléctricas e levadas de maior capacidade, cuja despesa seria suportada metade pelo Estado e metade pela Junta Geral.
A levada da revolta ficou incluída na primeira fase do grande projecto hidroagrícola e foi classificada “Levada da Calheta-Ponta do Pargo”, irrigando os terrenos a partir da Madalena do Mar/Canhas até a Ponta do Pargo, numa extensão de 67 km.


gregoriogouveia.blogspot.pt

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