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sábado, 22 de outubro de 2022

 

Conflitos da Autonomia – Quirino de Jesus escreve a Salazar

 

A «Comissão do Livro Negro Sobre o Fascismo», no livro intitulado «Cartas e Relatórios de Quirino de Jesus a Oliveira Salazar, de março de 1987, relata vária correspondência e relatórios de um madeirense que teve um papel importante na implementação do regime consolidado por Salazar: Quirino Avelino de Jesus. “é uma personagem tão importante quanto enigmático na história económica e política dos primeiros anos da Ditadura Militar instalada em 1926 e do período de implantação do Estado Novo, no início dos anos trinta. E no entanto chega ao «28 de Maio» com a provecta idade de 71 anos, culminar de uma multifacetada carreira de publicista, doutrinador e político que se iniciara por volta da crise de 1890/91. Teorizador do «terceiro império» e do novo ciclo colonial africano que então desponta; organizador e ideólogo percursor do que ele próprio chamou o «nacionalismo católico» desde 1892 – o que o leva ao convívio com Salazar e os jovens animadores da nova militância católica redesperta a partir de 1912,  nomeadamente no Centro Católico reorganizado em 1917, economista especializado em problemas financeiros e coloniais; advogado com estreitas ligações à alta finança; político adepto de um Estado «tradicionalista e progressivo», isto é, avesso à desordem ao «falso liberalismo», ao socialismo e ao comunismo, mas simultaneamente dinamizador do fomento económico e demarcado dos «impulsos hitlerianos» decorrentes do «desenvolvimento excessivo do poder público – eis a traços grossos o perfil de um dos mais destacados pensadores do conservadorismo português na transição do século, e quiçá do mais influente e discreto conselheiro de Salazar (…)”.

Na carta enviada a Salazar no dia 9 de setembro de 1930, Quirino de Jesus refere: “O Presidente da Associação Comercial do Funchal falou-me na necessidade de estender aos algodões de determinada espécie o regime pautal dos linhos para salvar o que seja ainda susceptivel de salvação nos bordados, conforme reclamação existente no Ministério das Finanças. Não estudei o caso, mas se a técnica alfandegária, fazendo o estudo, achar possível tal solução sem perigo de descaminhos, conviria salvar-se o que pode ainda subsistir.

Vão ser fixados naturalmente agora os direitos do trigo e das farinhas dos Açores. Peço-lhe que não deixe subsistir o absurdo a que se refere a nota junta, devendo a Madeira ser igualada ao distrito da Horta neste assunto, se não for possível restabelecer pela forma apropriada o antigo regime contrário à importação da farinha como lhe disse por nota de ha duas semanas”.

 

“Quirino Avelino de Jesus nasceu no Funchal a 10 de novembro de 1865 e faleceu em Lisboa a 3 de abril de 1935

Inicialmente destinado a seguir o sacerdócio, frequentou o Seminário do Funchal, mas desistiu quando se preparava para tomar ordens menores.

Em 1887 matriculou-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra, formando-se em 1892, fixando-se em Lisboa.

Para além da sua actividade como advogado, dedicando a maior parte do seu tempo ao serviço da casa comercial madeirense Casa Hinton (William Hinton & Sons, Lda), colaborou com diversos periódicos, escrevendo maioritariamente sobre questões sociais, económicas e religiosas. Também se empregou na Caixa Geral de Depósitos, onde ascendeu a chefe de serviços.

Foi autor de diversas monografias sobre a Casa Hinton e sobre temática religiosa e colonial. Foi redactor e director do jornal Portugal em África, do Economista e do Correio Nacional e colaborou na Choldra”.

(Wikipédia)

domingo, 16 de outubro de 2022

 

Conflitos da Autonomia – Vícios Graves nas Eleições do Estado Novo

 

A «Comissão do Livro Negro Sobre o Fascismo», de julho de 1979, relata várias situações, juntando documentos, que dizem respeitos aos vícios praticados pelos órgãos do Estado na preparação e durante os atos eleitorais, incluindo os da eleição para Presidente da República.

O documento de que destaco algumas passagens tem a data de 24 de junho de 1958 e tem como subscritores António Sérgio (escritor) e Francisco Vieira de Almeida (Prof. Catedrático e escritor).

Numa nota a seguir às assinaturas é referido: “Não houve possibilidade de submeter este documento à assinatura de algumas individualidades que, nos últimos dias foram detidas pela Polícia Polícia (…)”.

“A oposição perdeu também nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, na maioria de cujas ilhas não houve um único voto a favor do Senhor General Humberto Delgado, sendo que em muitas freguesias o número de votantes foi igual ao dos eleitores – o que está desde logo denunciando a descarga a descarga pura e simples, em lugar da votação pessoal e directa. Este fenómeno repetiu-se, aliás, em muitas freguesias rurais da metrópole (…) Comecemos pela organização dos cadernos eleitorais. De muitos distritos do País, desde viana do Castelo até ao de Faro, choveram nas Comissões de candidatura do General Humberto Delgado as queixas contra a eliminação naqueles cadernos de muitos dos cidadãos mais qualificados como eleitores (…)

 

Uma boa parte do País, das ilhas adjacentes e das províncias ultramarinas, ficou privada de listas, antes de mais nada pela impossibilidade de as imprimir e distribuir no pequeno espaço de tempo eu o governo concedeu às actividades eleitorais; em segundo lugar, pelas dificuldades que as autoridades opuseram à sua distribuição, não excluindo o roubo de muitos milhares de listas. Assim, por exemplo, no Funchal, conforme notícias da respectiva comissão distrital, as listas chegaram no dia 7, cerca das 8 horas da manhã, mas tais dificuldades foram postas à sua entrega  pela alfândega, que exigiu, inclusivamente, pagamento de direitos - impostos a mercadoria – que os pacotes respectivos só puderam ser retirados cêrca das 3 da tarde, o que impossibilitou a sua distribuição na ilha em tempo útil e a dificultou na própria capital. E quando assim foi na Madeira, pode imaginar-se o que sucedeu nos Açores.

 

Nas vésperas das eleições praticaram-se em todo o País muitas prisões para intimidar o eleitorado, incluindo o de muitos membros mais destacados das comissões do candidato Senhor General Humberto Delgado, com o fim, neste caso, de desorganizar os trabalhos preparatórios do acto eleitoral. Foi-se até ao ponto de ordenar a prisão do Presidente da Comissão Nacional, Professor Vieira de Almeida (…) e enquanto os membros do governo, contra a mais elementar ética política, falavam em comícios a favor do Senhor Almirante Américo Tomaz, as sessões de propaganda contrárias eram impedidas, como sucedeu em Braga, Caldas da Rainha e Beja, por mera arbitrariedade do Poder, impedimentos agravados pela Censura (…).

É mais que tempo de realizar as promessas, até hoje sem cumprimento, de Sua Excelência o Presidente do Conselho, quando a 7 de Outubro de 1945, após o triunfo dos Aliados na segunda grande guerra, anunciava aos portugueses: «”Espero, finalmente, que haja a liberdade de imprensa suficiente para que possam ser apreciados sem restrições  os actos do Governo e seja possível a propaganda das ideias políticas e dos candidatos apresentados ao sufrágio”».

domingo, 9 de outubro de 2022

 Conflitos da Autonomia – Última Eleição do Estado Novo

 

O ato eleitoral de 28 de outubro de 1973 para eleger os 150 deputados para a Assembleia Nacional foi o último das onze eleições realizadas no longo período do regime de ditadura do «Estado Novo» de Salazar e do «Estado Social» de Marcelo Caetano. Nem com a chamada «primavera marcelista» houve mudança na repetida propaganda oficial invocando que as “eleições foram as mais concorridas de sempre” ou o Ministro Silva Cunha afirmar: “Mais uma vez as populações do Ultramar por forma inequívoca afirmam clara e firmemente que os seus destinos não podem ser objecto de negociações”. Continuou a radicalização da sociedade portuguesa, tendo havido apenas um incidente de rua, provocado na Marinha Grande, por um grupo de “agitadores”, apesar de a oposição não ter concorrido nas eleições realizadas em outubro de 1973.

Marcelo Caetano quebrou as expetativas por não abrir o regime nem legislou em matéria de recenseamento, de eleições, de censura, de política, de direito de reunião e de associação, agindo sempre e só para garantir a continuidade do fascismo implementado por Salazar. Proibiu a Comissão Promotora do Voto, criada pela Oposição ao regime. “Caetano, tal como Salazar, não podia autorizar o exame de recenseamento porque sabia que ele estava falsificado (…) disso é exemplo típico o Decreto-Lei nº 49229, de 10 de Setembro de 1969, que introduziu alterações a uma nova relação a alguns artigos do Decreto-Lei nº 37570, sobre o acto eleitoral” (José Magalhães Godinho, O Jornal, de 22 de agosto de 1980).

O vício do ato eleitoral nas eleições começava com o envio do Boletim de Voto, pela Comissão Eleitoral da Acção Nacional Popular (anterior União Nacional), para a residência dos eleitores, acompanhado de um apelo ao voto, o qual, no que diz respeito ao círculo Eleitoral da Madeira, diz o seguinte:

“SENHOR ELEITOR A Comissão Eleitoral da Acção Nacional Popular tem a honra de enviar a V. Excia. a lista dos candidatos a deputados à XI Legislatura da Assembleia Nacional, por este círculo. Constituída pelo Dr. António Manuel Rebelo Pereira Rodrigues Quintal, Prof. Eleutério Gomes de Aguiar e Dr. Graciano Ferreira Alves, a lista proposta dá-nos a garantia de que os legítimos interesses e as justas aspirações da população deste Distrito serão devidamente defendidos, pelo que se espera venha a obter a confiança de V. Excia., no firme propósito de apoio à acção governativa do Senhor Professor Marcelo Caetano, nas suas instantes preocupações de progresso em paz, desenvolvimento económico, justiça social, promoção cultural, evolução sem revolução e unidade nacional.

SENHOR ELEITOR

Participe na construção do seu próprio futuro.

Afirme a sua vontade, votando.

Apoie os seus representantes à nova Assembleia Nacional.

Funchal, Outubro de 1973”

 

A CDE desistiu por considerar que não existiam condições para a realização de eleições livres.

A Acção Nacional Popular obteve a totalidade dos 150 deputados na Assembleia Nacional, com 100% dos votos, em eleição de 66,4% de votantes de 1.393.294, no total de inscritos de 2.096.020.

 

Os cadernos eleitorais não tinham fiabilidade, tanto mais que não era entregue aos recenseados prova de como estava recenseado, tal facto impedia qualquer reclamação.

A partir de dezembro de 1968, com a lei 2137 (alterou a lei 2015, de 28 de maio de 1946) passaram a ser eleitores todos os cidadãos portugueses de ambos os sexos, que soubessem ler e escrever português; tivessem incapacidades legais; mesmo não sabendo ler se estivesse recenseado com base na lei 2015

sábado, 1 de outubro de 2022

 

Conflitos da Autonomia – Eleições com Candidatos da Madeira

 

-Pela quinta vez, nas eleições de 1949 a União Nacional voltou a obter a totalidade dos 120 deputados na Assembleia Nacional, com 97,1% dos votos, apesar de ter havido candidatos da Oposição em alguns círculos eleitorais: os Agrários Independentes, com 2,9%, e os Regionalistas, também com 2,9%.

-Nas eleições de 1953 repetiu-se a vitória do regime, com uma baixa significativa de votantes (68,2%), obtendo a União Nacional 85,7%, elegendo a totalidade dos 120 deputados, e a Oposição, com 14,3%.

-Novas eleições tiveram lugar no dia 3 de novembro de 1957, com 70,4% de votantes, obtendo a União Nacional 87,9%, elegendo os 120 deputados, e a Oposição com 12,1%. A estas eleições concorreram pelo círculo do Funchal o Padre Dr. Agostinho Gomes, o Dr. Alberto Henriques de Araújo e o Ten.-Coronel José Freitas Soares. O padre Vigário Geral como deputado afirmou: “(…) temos alguém a seguir no exemplo: SALAZAR!... (intervenção na sessão de campanha eleitoral em 31/10/1957 e publicadas nos diários de 01/11/1957. O pároco da Ponta do Sol, padre João Vieira Caetano, afirmou, para justificar a candidatura do Pe Agostinho Gonçalves Gomes: “(…) considero absolutamente legítimo a colaboração do clero na política superior”. Entende como “política superior”: “como cidadão e como sacerdote não hesito em aconselhar os patrícios e paroquianos e levarem o seu voto às urnas para a eleição dos deputados indicados pela União Nacional” (Diário de Notícias, Madeira, 29 de outubro de 1957).

-Nas eleições de 12 de novembro de 1961, a efervescência política ficou ao rubro com o eclodir da guerra de guerrilha em Angola. Desta vez, apesar da candidatura da Oposição, os 74% de votantes foram 100% para a União Nacional que elegeu os 130 deputados, certamente por via de desistência da Oposição. Pelo círculo eleitoral da Madeira concorreram duas listas: a da União Nacional, composta pelo Dr. Agostinho Cardoso, Padre Agostinho Gonçalves Gomes e Dr. Alberto Henriques de Araújo, e a lista da Oposição era composta pelo Dr. António Manual Sales Caldeira, Dr. João Brito Câmara e Dr. Manuel Gregório Pestana Júnior. “(…) o padre Agostinho Gomes referiu: “quando há quatro anos, aqui falava, em ocasião idêntica a esta, dizia ser meu programa de acção, adentro da representação que me seria confiada na Assembleia Nacional, SERVIR…(…) e assim, apesar da minha insatisfação, aceitei o honroso convite da União Nacional para candidatar-me mais uma vez a deputado; e vou com o mesmo entusiasmo do primeiro momento,,,”. (campanha eleitoral de 10/11/1961, publicada em 11/11/1961 no Jornal da Madeira, órgão da diocese, cujo diretor era o então deputado Agostinho Gomes).

-Nas eleições de 1965, com a «guerra Colonial» cada vez mais intensificada pelos movimentos de libertação e ainda o assassinato de Humberto Delgado, o cerco do regime tornava impensável qualquer abertura, antes pelo contrário, a falta de democracia e de liberdade para a Oposição concorrer estava cada vez mais firme. Dos 73,6% de votantes, a União Nacional arrebatou os 130 deputados.

-Nas eleições de 1969 votaram 62,5%, e para além do partido do regime, com 88%, concorreram a CDE, com 10,3%, CEUD, com 1,5%, e a CEM, com 0,1%, mas os 130 deputados foram para a União Nacional. Pelo círculo da Madeira a lista da União Nacional era composta pelo Dr. Agostinho Cardoso, Eng. Pinto Eliseu e prof Eleutério de Aguiar; a lista da CED-Comissão Eleitoral Democrática era composta por José Manuel Barroso, Dr. Fernando Rebelo a Dr. António Loja.