Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

 

 Conflitos da Autonomia – Primavera Marcelista (5)

 

Em entrevista de Marcelo Caetano ao «Jornal da Madeira», publicada do dia 23 de setembro de 1971, refere o momento em que foi convidado pelo Presidente da República para exercer funções de Presidente do Conselho: “Eu estava, então, completamente afastado da vida pública. Tinha uma vida profissional muito ocupada e, pelos motivos que sabe, uma vida particular preocupante. Foi com surpresa que vi o meu nome começar a ser citado quando a doença do prof. Salazar se agravou. O sr. Presidente da República reuniu o Conselho de Estado, de que era – e sou – um dos membros vitalícios, o qual, em vista do parecer dos médicos que assistiam ao doente, foi de opinião de que era preciso substituí-lo das suas funções, pois não havia esperanças  de que pudesse retomá-las. E o Chefe do Estado começou as suas consultas, meticulosamente, ouvindo sugestões, apreciando o que lhe era dito, tirando sensatamente as suas conclusões. Mais de quarenta individualidades foram ouvidas. Nunca, em qualquer país, houve certamente tanto cuidado e tanta ponderação numa escolha. E, um dia, chamou-me para me dizer que uma grande maioria esmagadora das pessoas consultadas era de opinião de que deveria ser eu o encarregado de formar Governo. Depois, tanta gente me disse que não poderia escusar-me ao convite que o aceitei. Nem pus a minha candidatura, nem me furtei ao cumprimento do meu dever”.

 

Em 28 de março de 1974, Marcelo Caetano proferiu a última «Conversa em Família» através da rádio e da televisão. A última porque vinte e oito dias depois, a revolução do 25 de Abril motivou o seu exílio no Brasil, depois de ter passado alguns dias instalado no Palácio de São Loureço no Funchal:

“Desde meados de Fevereiro até agora de todos os recantos do País, de aquém e além-mar, milhares de mensagens de apoio, de incitamento, de estímulo. Tantas que não é possível acusar aos remetentes a sua recepção. Nem sequer responder às centenas de cartas de pessoas amigas, algumas delas tão comoventes. Fica aqui o meu agradecimento a todos. Deus permita que eu seja sempre digno da confiança dos bons portugueses. Por isso me tenho esforçado.

Olhando para o trabalho realizado nos cinco anos e meio de governo, fazendo exame de consciência sobre as intenções que me têm norteado, fica-me a tranquilidade de ter sempre procurado cumprir retamente o meu dever para com o País, que o mesmo é dizer, para com o Povo Português (…) a vida em sociedade implica numa atitude de solidariedade e de colaboração que exige dádiva de si próprio, sacrifício de interesses, espírito de serviços, integração em planos coletivos. Mas o egoísmo materialista desfaz tudo isso (…) Quantas vezes as pessoas se queixam de injustiças, por não lhes ser feita a vontade! Para muitos justiça é o que lhes convém.

Estamos perante a invasão de uma mentalidade que grassa já na maior parte dos países e que, infelizmente, está longe de ser um sinal de progresso. Por este caminho progride-se sim, mas para a anarquia (…) Poucos se aperceberão do esforço titânico que tem sido realizado pelos homens do Governo para, no meio de tantos obstáculos, com serviços administrativos inadequados às circunstâncias, tendo de vencer hostilidades incontáveis e de, a cada passo, ocorrer a situações inesperadamente graves, ir prosseguindo no caminho traçado de proporcionar  ao País, com a rapidez necessária, os meios indispensáveis à valorização da nossa gente (…)” (Marcelo Caetano Depoimento, pag.240 e 241, distribuidora Record de Serviços de Imprensa, S.A., Rio de Janeiro-São Paulo. 1974).

sábado, 11 de fevereiro de 2023

 

 Conflitos da Autonomia – Primavera Marcelista (4)

 

Em dezembro de 1970, Marcelo Caetano proferiu um discurso na Assembleia Nacional, baseado

essencialmente de revisão constitucional e na política ultramarina: “Os vários movimentos chamados libertadores que nos dão combate na Guiné, em Angola e Moçambique foram formados no estrageiro, com dirigentes que o estrangeiro  sustenta e apoia e é de territórios estrangeiros que nos desferem os ataques e enviam os guerrilheiros (…) o ataque desencadeado contra Portugal pela construção de Cabora Bassa é bem significativo do carácter da guerra que nos movem (…) o apelo à tirania não pode acobertar-se decentemente com o manto da Democracia (…) na revisão actual procura-se ampliar as atribuições legislativas da Assembleia Nacional pela extensão da lista das matérias reservadas à sua competência exclusiva, mantendo-se a estrutura política da Constituição de  1933 (…) .

O Governo tem de estar, nestes casos de subversão grave, apetrechado com os poderes necessários para lhe fazer face onde quer que, de uma maneira ou outra, ela se manifeste”.

(in Diário de Notícias, Madeira, 04/12/1970).

 

O discurso de Marcelo Caetano, transcrito no Jornal da Madeira do dia 15 de fevereiro de 1971, trata de matérias  e problemas relevantes do  País, os quais merecem ser aqui referidos: “Quando se pensa uma questão, logo mais dez surgem. Umas vezes é a natureza que não ajuda, a chuva que escasseia, os pastos que não rebentam, a carne que escasseia, a energia que tem de se importar, outras vezes é a impaciência dos homens que desejam ver todas as suas aspirações satisfeitas ou todas as deficiências acumuladas ao longo dos anos supridas sem demora e quotidianamente apresentam listas de reclamações regionais ou profissionais que só por milagre ou se o Governo dispusesse de uma varinha de condão poderiam ser atendidas  com a urgência  requerida.

Vivendo num mundo onde as nações estão cada vez mais ligadas umas às outras e solidárias entre si, não podemos evitar os reflexos na nossa vida do que se passa nas casas alheias: o problema dos preços, por exemplo, é hoje universal, e não há governo europeu que neste momento não esteja preocupado  com as exigências dos países  produtores de petróleo, do petróleo bruto donde, como se sabe se extraem a gasolina, o gasóleo e o fuel (…) A Nação tem vencido nos tempos modernos gigantescos obstáculos e realizado cometimentos em todos os campos que são de molde  a inspirar-nos fé na nossa capacidade presente e mais firme esperança do êxito no futuro (…) e não é tanto o dinheiro que, embora não nademos na abundância dele: É gente para dar conta de tanta coisa a fazer ao mesmo tempo. Não há engenheiros que cheguem para projectar obras, não há operários que bastam para os executar, não há médicos nem enfermeiros suficientes para as necessidades rurais (…) a reforma administrativa está a andar, vai ganhando terreno todos os dias, e progredirá cada vez mais à medida que a mentalidade dos dirigentes se vá impregnando do seu espírito e que seja possível estudar o que convém em cada serviço e para cada lugar (…).

Uma das preocupações do Governo é a de facultar, ampla e livremente, o acesso de quantos o mereçam aos mais altos graus da cultura e do saber (…) as palavras que o País me tem escutado sobre o valor e a defesa do Ultramar Português, o modo como afincadamente me tenho devotado a continuar a defesa militar, políticas e diplomática  da integridade da Nação, trudo isso seria suficiente para afastar da mente das pessoas de boa fé qualquer dúvida acerca das minhas intenções (…)”.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

 

Conflitos da Autonomia – Primavera Marcelista (3)

 

A iniciativa de Marcelo Caetano de deixar a política ativa, informando Oliveira Salazar, este, no mesmo dia, 14 de agosto de 1958, respondeu a agradecer os préstimos de Marcelo Caetano, informando que: “de todos os desgostos que tivera nos últimos anos, ver-se privado da companhia e colaboração de Marcelo Caetano era o maior. Mas encerrava reafirmando a intenção de ver Caetano continuar, de alguma forma, a colaborar com o Estado Novo: «Espero que, feito o necessário repouso, continue a dar ao regime  que tanto lhe deve a colaboração que será sempre possível prestar a quem dispõe de tantos dotes». A última carta entre ambos, ainda do quadro de episódio da demissão de Marcelo Caetano foi aquela em que este lhe agradeceu os elogios que Oliveira Salazar lhe fez aquando da posse de Pedro Teotónio Pereira como novo ministro da Presidência.

Em Agosto de 1959 o governo procedeu a uma revisão constitucional com o objectivo de reduzir o colégio eleitoral para a Presidência da República. A eleição do Presidente ficava doravante restrita a procuradores, deputados e representantes das câmaras municipais de cada distrito, além dos representantes das províncias ultramarinas (…) Em 1966, Marcelo Caetano foi chamado para escrever um texto a respeito dos jornais «A Época» e «A Voz», este último sucessor do primeiro a seguir à sua proibição pelo regime republicano. Trata-se, como se vê, de um texto memorialístico a respeito de temas marcantes para a sua juventude. Lembra no texto que a década de 1920 foi um período de tomada de posições, de moções apaixonadas, de alianças e rupturas efémeras, típico das paixões da época. Para os católicos portugueses aquela era uma época difícil, de perseguições constantes impostas pelo regime de 1910.

Assim, os jornais referidos militavam no campo da resistência e da defesa da causa católica (…) Para o Dr. Salazar era indispensável que os católicos levassem a sua actividade ao terreno político, pois só através do exercício do Poder, ou da influência nele, poderiam obter as liberdades almejadas (…).

Desde o início do seu governo, Marcelo Caetano procurou adoptar medidas de impacto que demonstrassem, na prática, a ideia de uma nova marca. Mesmo que fosse mais na forma do que no conteúdo. Uma das mudanças foi a utilização dos meios disponíveis de difusão. A rádio e a televisão eram, pois, os meios mais fáceis para chegar aos Portugueses, do Minho ao Algarve, do Funchal a Ponta Delgada. Da mesma forma que foi o primeiro político a falar para todo o país pela televisão, quando ministro da Presidência, Marcelo Caetano passou a utilizar a rádio e a televisão semanalmente”. (In Marcelo Caetano Uma Biografia, 1906-1980, Francisco C. P Martinho).

 

A 7 de novembro de 1973, Marcelo Caetano, presidente do Conselho de Ministros, remodelou o seu Governo “entregando, pela primeira vez, a pasta da Defesa a um civil, Joaquim Silva Cunha, ministro do Ultramar desde 1965, é o novo Ministro. Para o Ultramar, o eixo desta última remodelação política, Caetano chama um firme adepto da rota autonómica para as colónias, ministro e ex-governador de Moçambique, Baltazar Rebelo de Sousa.

O outro eixo da remodelação, e onde a questão ultramarina é ainda central, é a área militar. O general Andrade e Silva é escolhido para novo ministro do Exército.

O regime herdado de Salazar oscilava entre a liberalização e conservadorismo, entre Caetano e um homem que personifique um outro caminho. (Diário de Notícias-Lisboa, 07/11/1998).