Estatuto dos partidos e a disciplina de
voto
Os estatutos de quase todos os partidos políticos com
representação parlamentar na Assembleia da República apresentam normas
impositivas que obrigam os deputados a seguir a orientação de voto que a
direção do grupo parlamentar exige. Alguns estatutos também atribuem poderes a
determinado órgão partidário para dar orientações ao respetivo grupo
parlamentar no sentido de impor determinada orientação de voto.
O recente caso do deputado Rui Barreto do CDS-PP constituiu
apenas um exemplo do que pode acontecer a qualquer deputado de outro partido,
que é coagido a seguir um sentido de voto que não é o que mais entenda ser
adequado.
De uma forma mais ou menos expressa, a cegueira orientadora
de controlar o voto dos deputados é transversal a todos os partidos que
desprezam o artigo 155º ,
nº 1 (primeira
parte) da Constituição da República , ao estabelecer
que “Os Deputados exercem livremente o seu mandato (…)”. Basta que o
regulamento do grupo parlamentar estabeleça um conjunto de matérias, sobre as
quais a orientação de voto tem de ser cumprida pelos deputados, o que torna
ineficaz o conceito de mandato exercido livremente. Mas como a liberdade do
deputado não abrange apenas a presença física, também está inerente a sua consciência
de escolher o sentido de voto que entenda, a todo o momento e em todas as
matérias em votação, ser a melhor opção para os interesses gerais dos cidadãos.
Os estatutos do Partido Socialista (artigo 77º -
disciplina de voto) são os que melhor expressam a imposição do sentido de voto
em algumas matérias específicas que “relevam para a governabilidade,
designadamente o programa de Governo, o Orçamento de Estado, as Moções de
Confiança e de Censura e os compromissos assumidos no programa eleitoral ou constantes
de orientação expressa da Comissão Política Nacional, veiculada em deliberação
aprovada com tal efeito”. Estas são as exceções ao princípio da liberdade de
voto que está expresso no número 1 daquele artigo. No entanto, para além das
matérias que constem do regulamento do grupo parlamentar, sobre as quais os
deputados são obrigados a seguir a orientação de voto, a Comissão Política
Nacional pode, em qualquer caso, aprovar o sentido de voto que tem de ser
cumprido pelos deputados. A curiosa contradição – até para efeitos
disciplinares de deputados militantes do partido – aparece no artigo 75º que
estabelece: “A participação de independentes eleitos nas listas do Partido nos
Grupos de Representantes e Parlamentares pode ser solicitada a qualquer momento
(…)”. Isto é, levando à risca o cumprimento dos estatutos e do regulamento do
grupo parlamentar, um deputado independente tem mais liberdade de voto (o que é
natural, face ao artigo 155º
da CRP )
que um deputado militante do partido.
Os estatutos do Partido Social Democrata (artigo 7º) contemplam
nos deveres dos militantes não só a exigência de serem leais “ao Programa,
Estatutos e directrizes do Partido, bem como aos seus Regulamentos”, mas também
determinam que “Os Deputados e os eleitos em listas do Partido para as
Assembleias das Autarquias comprometem-se a conformar os seus votos no sentido
decidido pelo Grupo que integram, de acordo com as orientações políticas gerais
fixadas pela Comissão Política competente, salvo prévia autorização de dispensa
de disciplina de voto, por reserva de consciência, nos termos do Regulamento
desse Grupo”. Só aparentemente o PPD/PSD é liberal na disciplina de voto dos
deputados. A reserva de consciência invocada por um deputado não é, certamente,
atendida quando está em causa uma matéria que o Grupo Parlamentar considera
crucial. Quando muito, o deputado vota no sentido que foi imposto, mas faz uma
declaração de voto, cujo efeito é zero no resultado da votação.
Os estatutos do Partido Comunista Português não especificam o
sentido de voto dos deputados. Mas como está elaborado com uma ampla visão de
forma, baseada na estrutura orgânica e no funcionamento do Partido, “no
desenvolvimento criativo do centralismo democrático”, acaba por vincular os
deputados no sentido de voto determinado pelo grupo parlamentar, sob pena de,
violando a disciplina, estarem sujeitos a sanções disciplinares (artigo 58º).
Os Estatutos do Bloco de Esquerda e os do Partido Ecologista
«Os Verdes» não tratam da obrigatoriedade de voto imposta aos deputados.
Apenas, genericamente, exigem dos militantes o respeito dos estatutos, o que se
pode endender que nesse respeito cabem todas as orientações dos respetivos
órgãos partidários.
Quanto aos estatutos do Partido Popular (CDS/PP), a eles já
me referi no texto da passada semana.
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