Deputados com voto controlado
A pena de suspensão, por cinco meses, que o Conselho Nacional de
Jurisdição do CDS-PP aplicou a Rui Barreto, em funções de deputado na Assembleia
da República, levanda algumas questões jurídico constitucionais de legalidade de
tal sanção.
O castido aplicado ao deputado deveu-se ao facto deste ter votado contra
o Orçamento do Estado para 2013, tendo desrespeitado o regulamento do seu Grupo
Parlamentar, que determina a obrigatoriedade de todos os deputados terem o
mesmo sentido de voto que o Grupo determinar em cada momento – no caso do Orçamento
do Estado (OE), o voto devia ser a favor, dada uma invocada relevância política
que tem o OE.
É precisamente essa obrigação de um deputado votar num determinado
sentido, por imposição do grupo parlamentar, que no meu entender a norma
concreta do regulamento viola o artigo
155º , no 1
(primeira parte) da Constituição da República ,
ao estabelecer que “Os Deputados exercem
livremente o seu mandato (…)”.
E por muito que se invente subterfúgios para impor o voto num determinado
sentido, certo é que o mandato do deputado exercido livremente não abrange
apenas a presença física, mas está também inerente à sua consciência de
escolher o sentido de voto que entenda, a todo o momento e em todas as matérias
em votação. A
não ser assim, é o grupo parlamentar que se sobrepõe ao interesse do povo que o
deputado representa e enteda ser a melhor opção.
No âmbito nas imunidades dos deputados, o artigo 157º , nº 1 , da Constituição estabelece
que “Os Deputados não respondem civil, criminal
e disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas
funções”.
No meu entender, ao abrigo desta norma constitucional o
deputado Rui Barreto não podia ser alvo de um processo disciplinar movido pelo
Partido, ou por qualquer entidade, caso contrário um qualquer deputado pode ser
sancionado por iniciativa arbitrária do grupo parlamentar, mesmo que este seja
estatutariamente um órgão do Partido.
Também a lei geral, que regula o regime dos partidos políticos,
estabelece (artigo 24º) que “Os cidadãos eleitos
em listas de partidos políticos exercem livremente o seu mandato, nas condições
definidas no estatuto dos titulares e no regime de funcionamento e de exercício
de competências do respectivo órgãos electivo”.
Ora, o Estatuto dos Deputados (artigo 10º) não só repete a norma do artigo 157º , nº 1 , da Constituição,
acrescentando “e por causa delas”, mas também estabelece que devem observar (artigo 14º, nº1,
al. f) o Regimento da Assembleia da República.
E o regimento ao permitir que uma das formas de votação seja por “levantados e sentados”, também estabelece
no artigo 94º, nº 3, que “Nas votações por levantados
e sentados, a Mesa apura os resultados de acordo com a representatividade dos
grupos parlamentares, especificando o número de votos individualmente expressos
em sentido distinto da respectiva bancada e a sua influência no resultado,
quando a haja”.
Em parte alguma da Constituição
da República , do Estatuto dos Deputados e do Regimento está
estabelecido que um deputado deve votar de acordo com o regulamento do grupo
parlamentar, apesar de o Regimento estabelecer que “Os deputados eleitos por cada partido ou coligação de
partidos podem constituir-se em grupo parlamentar” (artigo 6º, nº 1) e que um dos direitos de cada grupo
parlamentar seja o de “Eleger a sua direcção e
determinar a sua organização e regulamento internos” (artigo 9º, al. a) ).
Na qualidade de filiado no CDS-PP o deputado Rui Barreto aderiu à
Declaração de Princípios e ao Programa do Partido Popular e tem o dever de
respeitar os “Estatutos e os Regulamentos
aprovados pelos órgãos competentes, bem como acatar as directrizes dos órgãos do Partido” (artº 6º dos Estatutos). Mas tem o direito de “manter a sua liberdade de opinião desde que, ao exercer esse
direito na qualidade de membro do Partido, se conforme com o programa do
Partido Popular e com as directrizes dos respectivos órgãos” (artº
7º). Mas a questão do sentido de voto como deputado não pode caber no respeito
das diretrizes de qualquer órgão.
O artigo 31º, nº 2, da Lei dos Partidos Políticos determina que “Da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e
qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de
organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional”.
E como a interpretação de normas de direito não é uma ciência exata,
gostaria de saber o resultado de um hipotético recurso. Aliás, se porventura o
Rui Barreto não fosse membro do CDS-PP, mas integrasse o grupo parlamentar e tivesse
votado contra o Orçamento do Estado, qual seria a sanção a aplicar?
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