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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Não sejam coveiros da Autonomia (1)

Notícias vindas a público revelam que a Assembleia Legislativa da Madeira iniciou o processo para rever o Estatuto Político-Administrativo. Embora seguindo o estabelecido no artigo 226º da Constituição da República, no artigo 37º, alínea a), do Estatuto em vigor, e nos procedimentos regimentais (arigo 165º e seguintes), é necessário que a Comissão Eventual para aquele efeito tenha um cuidado muito especial para não incluir no projeto de alteração normas de natureza remissiva quanto à definição do estatuto dos deputados e dos membros do Governo Regional.
Em 1999, com a alteração do Estatuto, o texto final foi enviado para a Assembleia da República. Em 28/06/1999, pela Resolução 16/99/M a Assembleia Regional aprovou por unanimidade as alterações propostas por aquela Assembleia que, no dia 2 de julho daquele ano, aprovou por unanimidade o texto definitivo, publicado pela Lei n.º 130/99.
Por ter participado na revisão do Estatuto, nunca imaginei que a norma do nº 19 do artigo 75º, estabelecendo que “O regime constante do Título II da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 16/87, de 1 de Junho, 102/88, de 25 de Agosto, e 26/95, de 18 de Agosto, aplica-se aos deputados à Assembleia Legislativa Regional e aos membros do Governo Regional”, servisse de arma mortífera contra a Autonomia da Madeira,  usada por órgãos de soberania agindo como se fossem coveiros da Autonomia.

O Título II da Lei nº 4/85 (artº 24º a 31º)  trata das subvenções dos titulares de cargos políticos (ex: deputados da Assembleia da República e membros do Governo da Republica), nas modalidades de «subvenções vitalícias» e «subsídio de reintegração», definindo forma de cálculo, acumulação e direito por incapacidade e, no caso de morte, o direito do cônguge sobrevivo e dos filhos a uma percentagem.
A condição para ter direito a «subvenções vitalícias» é ter exercido o cargo durante 8 ou mais anos, seguidos ou interpolados. Este direito passou a ser de 12 ou mais anos, com a alteração feita pela Lei nº 26/95. E com a Lei nº 16/87 a subvenção mensal vitalícia é cumulável com pensão de aposentação ou de reforma, com sujeição ao limite da subvenção base do cargo de ministro.
É atribuído um «subsídio de reintegração» a quem não tivesse exercido o cargo durante 8 (depois) 12 anos “durante tantos meses quantos os semestres em que tiverem exercido esses cargos, de montante igual ao vencimento mensal do cargo à data da cessação de funções”.

Uma questão que pode e deve ser colocada é a de saber a razão de a Lei 4/85 apenas ser aplicada aos deputados da Assembleia da República, membos do Governo da República e outros cargos nacionais. A resposta é simples: porque já estavam institucionalizadas as duas regiões autónomas dos Açores e da Madeira e, naquela altura, houve o cuidado de deixar a definição do estatuto dos deputados regionais (incompatibilidades, remunerações, subvenções…) para diploma regional próprio e, depois, a obrigatoriedade de incluir essa matéria no estatuto político-administrativo de cada região.
Por isso é que o artº 1º da Lei 4/85 especifica:
“1 – O presente diploma regula o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.
2 – São titulares de cargos políticos, para efeitos do presente diploma: a) O Presidente da República; Os membros do Governo; Os deputados à assembleia da República; Os ministros da República para as regiões autónomas; Os membros do Conselho de Estado.
3 – São equiparados a titulares cargos políticos para os efeitos da presente lei os juízes do Tribunal Constitucional”.
(continua)



segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Estatísticas do Emprego são irreais

O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado no corrente ano, intitulado «Perspetivas Sociais e de Emprego no Mundo - Mudança nas modalidades do emprego», confirma que os critérios estatísticos  do mercado laboral não refletem a realidade social nos países da União Europeia e noutros que odotam semelhante critério que é aplicado desde 1993. E nós, parvos, julgávamos que o Eurostat e os INE`s dos Estados tinham um sistema de contagem tão apurado que refletia todas as situações laborais: o número exato da população ativa e inativa; o número real de desempregados; os trabalhadores que não contam para o número de desempregados por estarem em cursos de formação; os que estão a recibo verde e/ou a tempo parcial; o serviço doméstico que não conta para o número de desempregados; os que emigram por não arranjarem trabalho…! 
É, na verdade, percetível a existência de um rol de situações na atual Classificação Internacional da Situação no Emprego que está desajustado da realidade. Essa constatação levou a 19ª Conferência Internacional dos Estaticistas da OIT, realizada entre os dias 2 e 11 de outubro de 2013, em Genebra, a iniciar o processo de revisão. Ainda bem que o Eurostat reconhece a necessidade da revisão, em coordenação com o respetivo organismo dos Estados membros, prevendo a entrada em vigor dos novos critérios para 2019. Até lá, continuaremos desconexados com a realidade social, que mostra mudanças profundas na economia global incapaz de fazer aumentar postos de trabalho.
A OIT reconhece que o “emprego informal continua a ser comum em muitos países e, na base das cadeias de abastecimento mundiais, os contratos de muito curta duração e os horários de trabalho irregulares estão a tornar-se uma prática generalizada”, sendo cada vez menos representativo o emprego clássico. Outra constatação é o facto de “os trabalhadores temporários e da economia informal, os trabalhadores a tempo parcial e os trabalhadores familiares não remunerados, muitos dos quais são mulheres, também são desproporcionalmente afectados pela pobreza e exclusão social”. Pelo que as políticas públicas devem ser tidas em consideração para garantir a proteção adequada para os trabalhadores em todas as novas modalidades de emprego.
No âmbito da legislação da União Europeia, a recente decisão do Conselho, do dia 10 do corrente mês, refere que é encorajada a ratificação das convenções internacionais sobre o trabalho classificadas como atualizadas pela OIT, com vista a contribuir para os esforços da União para a promoção dos direitos humanos e do trabalho digno para todos e para erradicar o tráfico de seres humanos dentro e fora da União, em que a proteção dos princípios e direitos fundamentais no trabalho constitui um aspeto fundamental.
A Convenção sobre o trabalho forçado, de 1930, da OIT, completada pelo Protocolo de 2014, é uma convenção fundamental da Organização Internacional do Trabalho e tem incidência sobre as regras que fazem referência às normas laborais fundamentais.
Além disso, os Estados-Membros são autorizados a ratificar, no que se refere às partes que incidem sobre matérias da competência da União nos termos do artigo 153.o, n.o 2 do TFUE, o Protocolo de 2014 relativo à Convenção sobre o trabalho forçado, de 1930, da Organização Internacional do Trabalho, além de que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para depositar os respetivos instrumentos de ratificação do Protocolo junto do Diretor-Geral do Secretariado Internacional do Trabalho o mais rapidamente possível, de preferência até 31 de dezembro de 2016.



terça-feira, 10 de novembro de 2015

A praga da Ação Executiva

Na sequência da recente realização do I Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução da Comarca da Madeira, o Bastonário e o presidente da Delegação de Lisboa da Ordem falaram do drama dos cerca de 3 500 processos que estiveram encravados nas “gavetas” de uma tal Agente de Execução, Maria João Marques. E que a Ordem atua disciplinarmente nos casos de condutas ilegais de associados. Recordo que o JM, de 02/02/2015, noticiou que o Agente de Execução, do Continente, “Francisco Duarte, fica em prisão domiciliária (…) até estarem reunidas as condições técnicas para a colocação da pulseira electrónica”.
Nada tenho a ver com nenhum daqueles Agentes de Execução, nem confundo a árvore com a floresta, porque em todas as profissões existem muitas marias marques e franciscos duartes!

Até o dia 15/9/2003, as ações executivas foram sempre atribuídas aos tribunais, sem qualquer influência externa. Com o Dec-Lei 38/2003, de 8 de março, o Governo de Durão Barroso introduziu no instututo das ações executivas uma espécie de praga ao privatizá-las a favor dos solicitadores de execução (designados em 2009, como agentes de execução), a quem foram atribuídos poderes importantíssimos nas diligências processuais, deixando apenas aos tribunais o papel de controlo e supervisão do processo. Foi reduzida a intervenção do juiz no processo executivo mas passou a ser uma espécie de fiscal controlador da atividade do agente de execução.
O preâmbulo daquele dec-lei, aprovado em Conselho de Ministros de 20/12/2002 e subscrito por Durão Barroso, Manuela Ferreira Leite, Celeste Cardona e Bagão Félix, refere que “Os atrasos do processo de execussão tem-se traduzido em verdadeira denegação da justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça (…) e os factores de bloqueio do processo executivo (…)”.
Se a privatização do processo executivo teve como fundamento torná-lo mais célere, o certo é que obrigou a mais leis criadoras de nova burocracia, em vez de reformular e atribuir mais meios humanos e técnicos aos tribunais. Por estranho que pareça, o novo modelo acabou por ser pior do que existia nos tribunais naquele domínio, tendo sido necessário criar um sistema informático de suporte da atividade dos agentes de execução (SISAAE).

A degradação constante do novo figurino obrigou o Governo do PS, em 2008, a uma intervenção para reformular a reforma de 2003. Depois de um consenso político na Assembleia da República, concretizado pela Lei 18/2008, de 21/4, estavam em causa garantir três objetivos: simplificar e desburocratizar; promover a eficácia das execussões, através de uma comissão para o efeito – a CPEE; evitar ações judiciais desnecessárias, tendo sido criada a Lista Pública de Execuções.

A CPEE, com 11 membros, inicou as suas funções no dia 31/03/2009, dispondo do poder de acesso a todas as informações sobre a ação executiva. Emite recomendações, garante a qualidade técnica dos agentes de execução e faz relatórios da sua atividade. Desde 31/03/2009 até final do ano de 2010, a CPEE destituiu 6 agentes de execução, suspendeu de funções 21, com bloqueio das contas-clientes, como medida cautelar; suspendeu 5 de receberem novos processos, como medida cautelar; instaurou 258 processos disciplinares; expulsou 3 de funções; fiscalizou 731 agentes de execução. Nos anos subsequentes, a sua atividade não parou, até ser substituída pela CAAJ – Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, criada pela Lei 77/2013, de 21/11, abarcando aqueles auxiliares os agentes de execução e os administradores judiciais, bem como outros auxiliares da justiça que a lei determine.



segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O PS-Madeira de 1 de setembro de 1974

Com a «Revolução de Abril de 1974», não tardou muito tempo para o Partido Socialista estender a sua acção à Madeira. Gil Martins, um dos fundadores do partido na Alemanha, regressou à Madeira em junho de 1974, tendo a tarefa política de encontrar aderentes junto das pessoas mais identificadas com a esquerda. Os primeiros contactos levados a cabo por Gil Martins teriam sido junto dos padres progressistas do Pombal.
Com reuniões, primeiro em casas particulares e depois na sua sede da Rua de João Tavira, o certo é que o recrutamento foi avançando até que, no dia 01/09/1974, o grupo dinamizador fez a inscrição oficial dos primeiros aderentes ao Partido Socialista. Poder-se-á, assim, considerar que a data oficial da criação do PS-M foi naquele primeiro dia de setembro do ano da Revolução.

Mas o papel desenvolvido pelo grupo dinamizador do PS não se limitou a encontrar e inscrever aderentes. Teve também a função de participar em reuniões com as entidades oficiais com vista a definirem a estratégia administrativa regional na fase de transição. Não se poupou a manifestar-se publicamente sobre a situação política então vivida, preocupando-se com a realidade madeirense e do futuro da Autonomia. Daí, no dia 08/11/1974, a Secção do Funchal (assim era designada a estrutura regional) assinou e fez publicar no Diário de Notícias do dia 10 um memorando que analisa a problemática sócio-económica da Região e propondo algumas medidas gerais para a sua resolução. Aliás, não só foi o primeiro documento em defesa da descentralização do Poder Político e da Autonomia, como também o primeiro Partido a fazê-lo.
O PS, no memorando de Novembro de 1974, teve em conta:
- “O Estado fascista nunca tratou os madeirenses como portugueses de pleno direito”;
- reclama  “a anulação do estatuto de autonomia fascista e colonial de Marcelo Caetano”;
- propôs “a construção de uma nova autonomia baseada numa Assembleia Regional”;
- critica os “ grupos ligados à burguesia parasitária madeirense”;
- defende a “reforma administrativa e financeira e o planeamento total do arquipélago com vista a ultrapassar a  falta de estruturas e a incapacidade das existentes”;
- “dar  garantias de autonomia financeira e administrativa com um Plano Regional controlado politicamente por uma Assembleia eleita por sufrágio regional”;
-  refere que  “a economia madeirense continuava a ser uma economia de sobrevivência”;
- utilizando o conceito de economia planificada, então vigente no programa e discurso do PS,  afirma com  convicção  que “Vive-se ainda com demasiada fé nos mecanismos de mercado, sem dar atenção à planificação com finalidade social das actividades”;
- propunha-se “acabar com o regime da Colonia defendendo uma reforma agrária e a reestruturação do artesanato (bordados e obra de vimes) e a implementação da construção civil”;
- propôs que “ A economia da Madeira necessita de soluções especiais devido à sua tipicidade e à sua unidade geográfica que só devem ser limitadas no que vierem a contrariar os interesses nacionais (...)”, acrescentando que “o PLANO ECONÓMICO DO PAÍS não é a simples soma dos planos das suas regiões”;
- propõe que “a Madeira seja declarada zona piloto de planificação regional”.

O PS continuou a sua campanha de implantação na Região solicitando escolas para sessões de esclarecimento e encontro de jovens no Ginásio da Escola Industrial e fazendo comunicados sobre vários aspectos da vida social e económica madeirense.
Dois anos depois, a Autonomia constitucionalmente consagrada determinou uma via que, em muitos planos de ação, abarcou algumas propostas do PS-M.