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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (18)

16 – A revolta dos madeirenses -1847: “«Os recentes e infaustos acontecimentos do Caniço, de que foram victimas tantos desgraçados, são, na sua fúnebre eloquência, a prova mais frizante da deplorável situação a que chegou este districto.

Longe da ephochas eleitoraes, independentemente de todas as sugestões do ódio ou da paixão partidária, os sucessos de que nos ocupamos assumem um carácter extraordinário e gravíssimo, que não devemos dissimular, porque, embora fosse um acto irreflectido e criminoso, é ao mesmo passo o protesto sangrento das classes trabalhadoras a braço com a miséria, agravada pela exorbitância das exigências tributárias.

Pretender ocultar as verdadeiras causas d`aquella catástrofe, com pretextos fantasistas e capciosos, quer inspirados na lisonja do poder, quer nos rancores partidários, é proceder desnobremente, concorrendo para a sofismação da verdade e porventura impedindo as providências governativas que as circumstâncias urgentemente reclamam. Poderiam existir queixas fundadas em opressões locaes de qualquer ordem, que mais ou menos directamente contribuíssem para exaltação dos ânimos, mas taes razões, por si sós, seriam impotentes para arrastarem os povos do Caniço e da Camacha ao desvario que se presenceou, se outro fautor mais imperioso e terrível – a miséria pública – não fosse n`essa tragédia o heroe principal.

A febre que faz estuar o sangue nas artérias populares, não se localizou apenas nas freguezias da Camacha e do Caniço, actua mais ou menos remitentemente em todo o organismo do districto, porque é o resultado de um estado pathologico social que está chamando as mais desveladas atenções, não só dos poderes públicos, como de todos os homens ilustrados e sinceramente patriotas.

O povo da Madeira chegou à convicção de que elle “NÃO PODE NEM DEVE PAGAR MAIS”, em quanto subsistirem as causas da sua lastimosa decadência, em quanto esta terra não volver ao grau de prosperidade a que tem incontestável juz.

E os madeirenses teem razão: não sendo possível pagar os impostos existentes, como se demonstra pelo espantoso acervo de processos de cobrança coerciva existentes em juízo, é evidente que ninguém poderá suportar o acréscimo dos existentes, ou a creação de novos impostos.

Uma terra que vê a sua agricultura definhada pelas epidemias que destruíram a canna e a vinha, ÚNICAS espécies ricas da sua lavoura; que vê completamente morta a sua ÙNICA indústria digna d`esse nome, a fabricação de açúcar; uma terra que tem presenceado n`estes últimos dez anos uma longa e sinistra «procissão» de falências commerciaes, arruinando o commercio e os particulares; uma terra que importa tudo, desde a alimentação do proletário – o milho – até os objectos de luxo dos ricos e abastados, e que pouco ou nada exporta além do vinho, ramo de commercio que se acha na mão de 3 ou 4 casas estrangeiras; uma terra n`estas críticas circumstâncias não pode estar de braços abertos para receber todas as punhaladas do fisco e todos os açoites de uma política nefasta que passará na história deixando apoz si um rasto de sangue e lágrimas.

Os governos, e não nos referimos só ao actual, não ligam à Madeira a consideração que ella merece, não obstante ser uma das províncias portuguezas que mais contribue para as despezas do Estado. Não sabemos se a metrópole quererá fazer de nós uma Irlanda de Portugal»

(Dia 29 de Novembro de 1847)”, republicado no mesmo Diário de Notícias, de 29 de novembro de 1990.           

 

(continua)

 

 

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