Conflitos das Autonomias
da Madeira (18)
16 – A revolta dos madeirenses -1847: “«Os recentes e infaustos
acontecimentos do Caniço, de que foram victimas tantos desgraçados, são, na sua
fúnebre eloquência, a prova mais frizante da deplorável situação a que chegou
este districto.
Longe da ephochas eleitoraes, independentemente de todas as sugestões do
ódio ou da paixão partidária, os sucessos de que nos ocupamos assumem um
carácter extraordinário e gravíssimo, que não devemos dissimular, porque,
embora fosse um acto irreflectido e criminoso, é ao mesmo passo o protesto
sangrento das classes trabalhadoras a braço com a miséria, agravada pela
exorbitância das exigências tributárias.
Pretender ocultar as verdadeiras causas d`aquella catástrofe, com pretextos
fantasistas e capciosos, quer inspirados na lisonja do poder, quer nos rancores
partidários, é proceder desnobremente, concorrendo para a sofismação da verdade
e porventura impedindo as providências governativas que as circumstâncias
urgentemente reclamam. Poderiam existir queixas fundadas em opressões locaes de
qualquer ordem, que mais ou menos directamente contribuíssem para exaltação dos
ânimos, mas taes razões, por si sós, seriam impotentes para arrastarem os povos
do Caniço e da Camacha ao desvario que se presenceou, se outro fautor mais
imperioso e terrível – a miséria pública – não fosse n`essa tragédia o heroe
principal.
A febre que faz estuar o sangue nas artérias populares, não se localizou
apenas nas freguezias da Camacha e do Caniço, actua mais ou menos remitentemente
em todo o organismo do districto, porque é o resultado de um estado pathologico
social que está chamando as mais desveladas atenções, não só dos poderes
públicos, como de todos os homens ilustrados e sinceramente patriotas.
O povo da Madeira chegou à convicção de que elle “NÃO PODE NEM DEVE PAGAR
MAIS”, em quanto subsistirem as causas da sua lastimosa decadência, em quanto
esta terra não volver ao grau de prosperidade a que tem incontestável juz.
E os madeirenses teem razão: não sendo possível pagar os impostos
existentes, como se demonstra pelo espantoso acervo de processos de cobrança
coerciva existentes em juízo, é evidente que ninguém poderá suportar o
acréscimo dos existentes, ou a creação de novos impostos.
Uma terra que vê a sua agricultura definhada pelas epidemias que destruíram
a canna e a vinha, ÚNICAS espécies ricas da sua lavoura; que vê completamente
morta a sua ÙNICA indústria digna d`esse nome, a fabricação de açúcar; uma
terra que tem presenceado n`estes últimos dez anos uma longa e sinistra
«procissão» de falências commerciaes, arruinando o commercio e os particulares;
uma terra que importa tudo, desde a alimentação do proletário – o milho – até
os objectos de luxo dos ricos e abastados, e que pouco ou nada exporta além do
vinho, ramo de commercio que se acha na mão de 3 ou 4 casas estrangeiras; uma
terra n`estas críticas circumstâncias não pode estar de braços abertos para
receber todas as punhaladas do fisco e todos os açoites de uma política nefasta
que passará na história deixando apoz si um rasto de sangue e lágrimas.
Os governos, e não nos referimos só ao actual, não ligam à Madeira a
consideração que ella merece, não obstante ser uma das províncias portuguezas
que mais contribue para as despezas do Estado. Não sabemos se a metrópole
quererá fazer de nós uma Irlanda de Portugal»
(Dia 29 de Novembro de 1847)”, republicado no mesmo Diário de Notícias, de
29 de novembro de 1990.
(continua)
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