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domingo, 26 de setembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (50)

 

Em França, é a lei de 3 de maio de 1841 que vigorava nos primeiros vinte anos do século XX, regulando as expropriações. Esta lei consigna um processo muito importante para a avaliação da propriedade expropriada, com as seguintes linhas gerais: “são convocados, além dos proprietários, os arrendatários e todos os que teem qualquer direito de usufruto, servidão, etc., sobre o prédio que vai ser expropriado; o expropriante declara aos expropriandos qual a quantia que oferece pela propriedade, e, quando não cheguem a acordo, é a indemnisação fixada por um júri especial, composto de dezasseis membros e presidido por um magistrado, que procede à fixação dessa indemnisação por intermédio de peritos que melhores qualidades possuam para bem avaliar do valor real do prédio.

Na Inglaterra, é um juízo arbitral que fixa essa indemnisação; na Belgica, recorre-se igualmente ao arbitramento. Na Russia, antes do vendaval terrivel e sinistro que ali sopra hoje e que é desgraçadamente a negação de todo o direito, também a lei mandava recorrer a árbitros que fizessem, livremente, a determinação do valor da propriedade exproprianda, notando-se que, quando o prédio fôsse urbano, fazia por lei parte da comissão avaliadora o arquitecto do departamento e, quando o prédio  fosse rustico, era ouvida sempre a opinião de proprietarios rurais, para que no primeiro caso o prédio fosse avaliado em todo o seu valor de construção, arquitectonico, etc., e no segundo caso fosse avaliado por aqueles que, devido à sua situação especial, melhor conhecimento podiam ter da verdadeira situação da propriedade”.

O Dr. Juvenal de Araújo destaca: “Diz-se que a fonte da nossa legislação sobre expropriações foi a lei italiana, de 25 de Julho de 1865, que, como se sabe, é uma das leis europeias mais perfeitas sobre a matéria. Pena foi que não a seguíssemos inteiramente, pois não reproduzimos precisamente a sua parte mais justa, referente ao modo de fixação do valor da propriedade. Realmente, segundo essa lei, tratando-se de expropriações totais, o valor da propriedade é aquêle que ela atingiria antes da expropriação num contrato livre de compra e venda, e, tratando-se de expropriações parciais, o valor é aquele que há entre a diferença do valor do prédio antes da expropriação e aquele que passa a ter, depois da expropriação, a parte que fica ao proprietário.

Como se vê, ha sempre, o recurso não a um elemento de ordem social, não a um elemento de estatística, não a qualquer dado que possa fornecer-nos o sistema de repartição do imposto, - mas o recurso ao valor real e efectivo da propriedade, no momento da expropriação.

Este é o princípio que baseia todas as legislações europeias modernas, como acaba de ver-se.

A lei portuguesa, abandonando esse critério que é o unico defensável e justo, para determinar que a base do valor da propriedade expropriada seja fornecida pelo rendimento colectavel acusado na matriz, consignou um preceito que não tem paralelo lá fóra, e por isso bem andou a comissão de legislação civil, denominando de anacrónicas e injustas essas disposições da lei que urge alterar.

Na prática, todos nós sabemos o resultado da vigência de tais preceitos:  - é o Estado, o corpo administrativo a expropriar uma propriedade, pagando apenas uma parte do seu valor verdadeiro, que é aquêle que se determina pelos dados duma matriz não actualisada. Todavia, esta legislação iníqua vai de encontro à natureza do instituto da expropriação (…).

(continua)

 

sábado, 18 de setembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (49)

 

No dizer do Dr. Juvenal de Araújo, um conflito terminado com a vitória de um interesse sobre o outro, quando a verdade num caso especial da expropriação o que há, o que deve haver é a conciliação de direitos. “Esse equilíbrio é que o Estado tem de saber estabelece-lo, por meio duma legislação criteriosa e justa, que afaste e evite precisamente esse conflito que é falsamente pressuposto pelo argumento produzido. E assim deve ser, porque a função do Estado é, essencialmente, unificadora ou moderadora, e para o exercício desta função o Estado não tem apenas o dever de assegurar as condições de existência e desenvolvimento da sociedade, mas também o bem estar moral e material dos indivíduos que a compõem e procurar o equilíbrio  de todas as suas manifestações de actividade e de riqueza.

E, assim, o Estado nunca póde aparecer diante de nós e, no caso sujeito, diante da classe dos proprietários, como uma entidade discrecionaria, impondo o arbítrio. O Estado, como sujeito de direitos, está preso pela força da lei, está obrigado pelas regras jurídicas, e nenhuma regra jurídica deve perdurar quando não esteja em estricta harmonia com as condições sociais do momento e quando não seja imposta pelo espírito de justiça. Que o interesse pessoal de cada indivíduo deve ceder ao interesse comum – é incontestável, mas temos de usar de todas as cautelas na aplicação deste principio. Há uma méta, um limite que o interesse comum não póde transpor: é o ponto em que termina a defesa do interesse comum, para começar o abuso e a delapidação.

Ataca-se ainda, Sr. Presidente, o parecer em discussão, argumentando-se que o Estado tem o direito de expropriação, e não é legítimo que se lhe levante dificuldades para o exercício dêsse direito incontestável, fazendo-se com que êle vá indemnizar o proprietário duma propriedade expropriada com um valor superior àquêle que consta da matriz. Ora, não é bem assim. A premissa está mal posta. O direito fundamental, essencial, que aqui ha a atender, é inteiramente outro: é o direito de propriedade, que é o mais extenso de todos os direitos reais.

A expropriação não é mais do que uma delimitação ao exercício pleno e absoluto desse direito e, por isso, tem de sêr considerada e interpretada nos seus precisos termos, e nunca em termos tão amplos que se confunda com o confisco. E é por isso que o que distingue o instituto jurídico da expropriação não é apenas o ser uma privação forçada da propriedade: ela é, de facto, uma privação forçada da propriedade, mas mediante justa indemnização.  – Esta é que constitui, completamente, a característica do instituto da expropriação.

Percorram-se todas as legislações modernas, e ver-se-ha que é êste  o principio consignado em todas elas. Tenho ouvido, muitas vezes, dentro e fóra desta Camara, apelar-se para a legislação francesa, principalmente para aquela que foi promulgada ao influxo dos ideais novos semeados pela Revolução. Pois eu aceito, transitoriamente, para efeitos de argumentação, esse ponto de vista, e coloco-me no campo para que me arrastam, analisando o que se passa em França em materia de legislação sobre expropriações. E o que se verifica então? Que a lei de 1807, que durante certo tempo foi a que vigorou em matéria de expropriações, não resistiu aos golpes da campanha terrivel que lhe foi movida, precisamente por colocar o interesse dos cidadãos em absoluta dependência do poder administrativo. E a lei, que hoje vigora, é a de 3 de maio de 1841 (…)”.

(continua)

domingo, 12 de setembro de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (48)

 

O Dr. Juvenal de Araújo reitera que “há uma razão de ordem moral que terá, talvez, uma importância secundária como argumento isolado, mas que subsidiariamente não poderá deixar  de pesar no nosso espírito: - é que muitas vezes o Estado, a Camara ou a Junta Geral vai expropriar a leira de terra que é o único património dum lavrador humilde, muitas vezes para realizar uma obra de verdadeiro benefício público, outras vezes para executar uma obra de favoritismo ou de compadrio, e não é justo que para essa courela de terra que se vai expropriar se estabeleça um valor por critério diferente daquele por que se vai indemnizar o proprietário dum prédio urbano.

Por estas razões, e ainda porque o projecto da autoria do sr. Alvaro de Castro parece tender mais a regular o modo de nomeação de louvados no processo de expropriação do que a regular a forma de avaliação dos bens, encerra doutrina mais aceitável e ampla o contra-projecto apresentado pela comissão, onde vejo remediados, até certo ponto, tais inconvenientes e lacunas.

Como tal o votarei, por o reputar conveniente e oportuno e, principalmente, por vêr nêle a revogação e substituição de preceitos que, como disse à Camara, teem dado logar a verdadeiras iniquidades e extorsões, com que se tem profundamente lesado a propriedade e ofendido direitos absolutamente respeitáveis.

Voto, pois, na generalidade o contra-projecto referido, reservando-me o direito de, na especialidade, propor-lhe as emendas que entender como mais convenientes e ajustadas ao seu espirito de preceitos reformador e inteiramente moralizador”.

Ainda em relação à defesa da propriedade, o Dr. Juvenal de Araujo apresentou na Mesa do Parlamento a seguinte moção: “«A Camara – reconhecendo a necessidade de serem alteradas as disposições da lei de 26 de Julho de 1912, que mais directamente ofendem e inutilizam as garantidas inerentes ao legitimo  exercício do direito de  propriedade, e entendendo que essas garantias tanto devem envolver a propriedade rústica  como a propriedade urbana, não havendo razões para que, nos casos de expropriação por utilidade pública, se adopte para a determinação do valor da primeira um criterio diferente daquêle que se segue para a fixação do valor da segunda – passa à ordem do dia»”.

“Sr. Presidente: Os princípios consignados na minha moção são aqueles que, creio eu, devem orientar a Camara na discussão e na votação do parecer que neste momento apreciamos. Os argumentos até aqui apresentados em ataque ao parecer e em defesa da conservação dos preceitos actualmente vigentes sobre o modo absolutamente injusto de avaliação da propriedade expropriada, não me lograram convencer, como não convenceram, segundo espero, a maioria da Câmara. Para fundamentar o criterio de que o valor da propriedade deve continuar a ser determinado segundo o rendimento colectavel acusado pela respectiva matriz, diz-se, como argumento fundamental, que os interesses particulares devem subordinar-se aos interesses do Estado.

Tal argumento não resiste à mais ligeira análise, pois que envolve, no caso sujeito, uma noção falsa: é a de um conflito terminado com a vitória de um interesse sobre o outro, quando a verdade é que, neste caso especial da expropriação, o que há, o que deve haver é a conciliação  de direitos, e, no dizer autorizado de alguém, a substituição dum direito em benefício doutro, para a coexistência de ambos.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (47)

Na continuação do segundo tema em que o Dr. Juvenal de Araújo participou, salienta: “Não se achando, pois, actualizadas as matrizes e vigorando por outro lado os preceitos legais que mandam em casos de expropriação liquidar-se os prédios conforme o rendimento colectavel inscrito nessas matrizes, o proprietário vê-se diante desta situação verdadeiramente iníqua e absurda: não pôde fazer aumentar o rendimento do seu prédio, especialmente se êle é urbano, porque a isso se opõe o Decreto de 17 de abril de 1919 que regula as relações entre senhorios e arrendatários;  tem de pagar, ou expontaneamente, ou coercivamente, os tributos mais pesados ao Estado; tem de satisfazer, para a conservação do seu prédio, despezas que são cada vez mais excessivas; e, como cúpula de toda esta situação de dificuldades, está na contingência de, dum momento para outro, surpreendido pela instauração dum processo de expropriação, ver-se na obrigação dura de alienar a sua propriedade por um preço que representa a décima ou vigésima parte do seu valor real e efectivo!

Verdadeiras extorsões se teem praticado, Sr. Presidente, à sombra desta legislação iníqua, por todo esse país fóra, em que o Estado, a Camara ou a Junta Geral nos aparece exercendo um autêntico papel de delapidador, aliás à sombra duma disposição que a lei sanciona e regula.

Foi para obviar a estes inconvenientes e evitar a repetição destas injustiças que surgiu o projecto de lei que neste momento se acha em discussão, estabelecendo que, nos casos de expropriação por utilidade pública de prédios urbanos, o seu valor seja fixado por arbitramento, segundo o rendimento do predio nesse momento, e nunca conforme o rendimento celectavel na matriz.

Este projecto, embora tendendo a fixar doutrina justa e moralizadora, tem ainda assim certos defeitos na sua estrutura e, mesmo, no seu pensamento, defeitos que a comissão de legislação civil e comercial remedeia no seu contra-projecto que conjuntamente apreciamos.

Com efeito, o primeiro defeito do projecto do sr. dr. Alvaro de Castro é fazer restringir à propriedade urbana a sua doutrina, deixando que a avaliação da propriedade rústica se faça, como até aqui, conforme o rendimento colectavel constante da matriz. É preciso que as providencias que o poer legislativo faça promulgar, aproveitem tanto à propriedade urbana com à rústica, visto que as razões que existem para que se tomem medidas de defesa para com uma, são justamente as mesmas que subsistem para que se defenda e garanta a outra.

É certo que, nos centros mais populosos, a propriedade urbano tem atingido um valor extraordinário, e é por isso que em relação a ela se torna mais frizante a desproporção que há entre o seu valor real de hoje e aquele que possa determinar-se tomando como base o rendimento colectavel acusado pela matriz.

Mas a propriedade rústica acha-se também sensivelmente valorizada, por não ter conseguido escapar à regra geral dos efeitos da depreciação da moeda, e não é portanto justo que se siga para com ela um critério diferente daquele que para a propriedade urbana devemos seguir, deixando-a sem garantia e sem defesa perante o Estado que, aliás, não deixou de acautelar os seu interesses, quando pela lei de 24 de setembro de 1921 regulou a liquidação dos direitos de transmissão, quer por título gratuito, quer por título oneroso, mandando que o rendimento colectavel inscrito na matriz fosse multiplicado por 80, para a determinação do valor dessa propriedade”.

(continua)