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sábado, 30 de julho de 2022

 Conflitos da Autonomia – Antecedentes da «Revolta do Leite»-1936

 

No ano seguinte à carta-resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral, foi publicado o Decreto-Lei nº 26.655, de 4 de junho de 1936, que instituiu a Junta dos Lacticínios da Madeira (JLM), que foi o rastilho para a «Revolta do Leite».

 A passividade dos madeirenses nem sempre determina a sua subserviência a qualquer preço, perante os governantes, como foram a «Revolta da Farinha», quando o Poder retirou água de rega na Calheta a 20 de junho de 1953, e na Ponta do Sol, a 21 de agosto de 1962.

Todas aquelas revoltas tiveram a ver, direta ou indiretamente, com atividades do setor primário da economia madeirense, o que torna claro que o povo que trabalha a terra não consente que lhe retirem direitos e bens essenciais.

 

Em termos práticos, a criação da Junta dos Lacticínios da Madeira (JLM) teve como fim principal acabar com a concorrência dos 51 industriais de derivados do leite, bem como fixar apenas em 320 os 1301 postos de recolha espalhados por toda a Região. O argumento do poder político foi o de que o “industrial invasor” fazia baixar o preço do leite, bem como a indústria madeirense encontrava-se em 1935 num estado desolador: “péssimas instalações, pessoal incompetente, e na grande maioria dominava uma falta de higiene inacreditável”.

Com a criação da JLM foram desenvolvidas algumas ações com vista à melhoria da agropecuária, nomeadamente: arrolamento do gado bovino; conselhos aos criadores; análises no seu Laboratório; assistência técnica; qualidade higiénica do leite; higiene do vasilhame; fiscalização junto dos postos de desnatação e da indústria; cursos de formação rural (até 1964, promoveu 10 cursos); vacinação e rastreio à tuberculose; assistência médico-veterinária, incluindo subsídios, através do Fundo de Previdência Pecuária; apoio técnico aos criadores de gado que participaria nas feiras de gado (desde a primeira Feira de Gado do Porto Moniz-1955, a I Feira de Gado de Santana-1962, a I Feira de Gado na Ponta do Sol -1963, a I Feira de Gado em São Vicente-1963)

A criação da JLM, por si só, não pôs termo aos problemas decorrentes da criação de gado, distribuição de leite e industrialização dos derivados deste. Alguma legislação foi publicada ao longo de anos, tendo em vista a reorganização da indústria de laticínios da Madeira.

Por volta de 1950/1951, os criadores de gado criaram cooperativas para recolha e fabricação de manteiga. Em toda a Região foram criadas cinco cooperativas: Cooperativa Agrícola Lacticínia dos Lavradores da Madeira, com sede na freguesia dos Canhas, abrangendo os criadores de gado da Calheta; Cooperativa Agrícola dos Lavradores do Santo da Serra, com sede no Santo da Serra (Santa Cruz); Cooperativa de Lacticínios do Norte, com sede em São Vicente; Cooperativa de Lacticínios do Porto da Cruz, com sede no Porto da Cruz; Cooperativa de Agricultores de São Jorge, com sede em São Jorge.

Foi relevante o papel destas cinco cooperativas para o desenvolvimento da pecuária madeirense, que funcionavam bem na recolha do leite desnatado e produziam verdadeira manteiga para consumo regional e para exportação. Recordo que a «cooperativa de manteiga dos Canhas», como era popularmente chamada, num qualquer ano da sua laboração pagou vinte centavos ($20), como prémio (uma espécie de dividendos), por cada litro de leite entregue pelos criadores de vacas da área de ação da cooperativa

segunda-feira, 25 de julho de 2022

 

Conflitos da Autonomia -Resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral - F

 

No que diz respeito à Filial do «Banco de Portugal», Salazar passa as culpas à Madeira: “(…) Tenho feito o que tenho pedido para se começar a construção da Filial e devo dizer que a culpa de ainda nada se ter feito é só da Madeira. O Governador e o Meira estiveram aí a tratar do caso pelo Natal e ficou assente com a Câmara o que devia fazer-se: alargamento duma rua, expropriação duma casa. O projecto está pronto, dinheiro existe, boa vontade de ser agradável ao Governo e à Madeira toda. Simplesmente mudou de opinião, Já não mantém o contratado e a Filial não pode faze-se.

Agora em vez da rua projectada querem largas avenidas e com esse projecto, como V. Exª. sabe, já é impossível a construção do Banco de Portugal. Se aí tivessem um plano definido e bem estudado de melhoramentos em que não pudessem mexer as câmaras que se sucedem, este caso não se verificaria, e os senhores teriam já em andamento as obras. Este caso, como outros, provarão a V. Exª. que a culpa do que acontece não é daqui, é quase sempre daí”.

 

«Lotaria»: “há certamente confusão no que vejo escrito acerca da lotaria. As misericórdias do continente, salvo a de Lisboa, não têm qualquer participação nos lucros das lotarias. Recebem apenas o que lhes cabe na divisão da verba de alguns milhares de contos inscrita no orçamento para subsídios às instituições privadas de assistência. Ninguém compreenderia o porquê duma medida para o do Funchal que no estado actual apenas significaria subsídio aparte saldo do tesouro.  Diz-se V. Exª. ser urgente resolver o problema da assistência. É tanto aí como aqui, mas

estamos bastante longe de o poder fazer, a não sere com a solução simplista de dar tanto dinheiro quanto seja necessário para bastar a todas as precisões de população, o que reputo impraticável.

Parece-lhes que só há miséria na Madeira, esquecidos de que a crise trouxe por toda a parte acréscimo de miséria, e isso se nota igualmente em todas as terras do continente. As Misericórdias e asilos vivem muito mal e a caridade e a caridade particular vai fazendo prodígios para aguentar as instituições porque o estado sozinho não o pode fazer.

Desde que se vê que a centralização das instituições existentes pode -e eu o creio – trazer grandes reduções de despesa, porque se não estuda aí o problema e se não propõem já soluções concretas? Aqui existem os mesmos males e vai-se tomar esse caminho, mas V. Exª compreende

que tais problemas não podem ser resolvidos com fórmulas abstratas”.

 

«Portos»: “Não julgo desinteressante de que a Junta Autónoma do Porto do Funchal se encarregue também das pequenas obras necessárias nos portos da ilha. Vou estudar com o Ministro das Obras Públicas o problema, a ver se por esse lado se encontra solução para as deficiências apontadas. Em todo o caso, deve V. Exª. notar que antes de completadas as obras do porto, a Junta não terá meios para fazer coisa que se veja, e aquelas devem tardar três ou quatro anos, segundo creio. Como se desviaram da Junta para a Câmara receitas na importância aproximada de 1.000 contos, para se concluírem as obras do porto há-de ser preciso autorizar a Junta a contrair um empréstimo de alguns milhares de contos. Os encargos deste devem absorver quase todas ou todas as receitas da Junta Autónoma do Porto, se estas não aumentarem”.

 

«Porto Santo»: “Tomei conhecimento do programa para Porto Santo, com hotéis e campos de golfe, etc. Entendo que é preciso tratar primeiro das coisas da Madeira, sem nos dispersarmos, demasiadamente (…).

 

[Ass. António Oliveira Salazar]

 

Conflitos da Autonomia -Resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral - E

 

Salazar escreve acerca do «Turismo da Madeira» nos seguintes termos: “Tenho feito todos os esforços por criar as condições suficientes para a resolução do problema, e até agora em vão, porque daí não tem havido ninguém nem ajuda nenhuma. Mantive na posse do Estado as duas quintas que já pertenciam à Fazenda na esperança de vir a adquirir a terceira, o que fiz com suma prudência e grande dispêndio, só porque estava convencido de que as três quintas ligadas seriam a base do jogo e turismo da Madeira. Nenhuma sociedade se tem formado em condições de fazer alguma coisa séria. Mandaram-se, como V. Exª sabe, à Madeira dois delegados do Ministério do Interior para estudar a questão in loco e aguardo os elementos que trouxerem. Por mim estou disposto a fazer as melhores condições possíveis com cedência das quintas e do exclusivo do jogo, mas não a fazer-se empresário do jogo. As ideias que por aí há de o Estado construir o casino não terão sequência. Se o negócio é bom, custa a crer que não haja quem em condições razoáveis se lance ao empreendimento. Para já estou convencido de que umas dezenas de contos gastas no casino existente, a limpeza e ordenamento das quintas e a construção de um campo de golfe satisfariam enquanto não se pudesse avançar mais e não se pudesse construir um casino novo.

[…] Quanto ao mais que se refere a turismo, o relatório da Junta parece-me perfeitamente razoável e creio que com a organização duma comissão local com poderes latos muitas coisas entrarão na ordem sem dificuldade nem dispêndio de dinheiro. Parece terem especial interesse em que seja dada à Madeira a receita do jogo. Não me oponho a isso, quer dizer, a que a receita aí fique ou lhe seja dado o equivalente mas para melhoramentos concretos ligados ao turismo.

 

Quanto ao «Sanatório para Tuberculosos» está escrito que “A Madeira deve ter já receitas para começar as obras do Sanatório, mas tem de convencer-se de que o óptimo é inimigo do bom.

Pediram a quinta de Santana para isso e para um vastíssimo e grandioso plano que não estará realizado nalgumas dezenas de anos. As cedências de propriedades do Estado obedece hoje a este princípio: cede-se o que é necessário e pode ser imediatamente aproveitado, mas não mais do que isso. De modo que quando a entidade peticionária tem um plano e os seu projectos devidamente aprovados e meios financeiros para os realizar, o pedido é deferido. Caso contrário não é. Ora a cedência imediata de uma porção de hectares de terreno e grande valor não está justificada. A Assistência Nacional aos Tuberculosos falou no plano a realizar, mas não o  precisou ainda, nem é capaz de dizer onde está o dinheiro para o pôr de pé. DE modo que lhes aconselhava a pedir o necessário para o Sanatório, o que será imediatamente dado, e a começar as obras que em pouco mais de um ano podem estar concluídas. De mais a quinta não foge, não faço tenção de a vender nem de a ceder a outrem. Porquê essa febre de passar do património do Estado para o da Junta ou de outras instituições valores enormes sem qualquer utilidade pública? A resolução da dificuldade depende agora apenas da A.N.T.

 

«Liceu»: “Sabe que veio daí um projecto para 6.000 contos. É uma loucura, como algumas das que também aqui se fizeram e nos custaram isso também. Felizmente, parece que podemos mudar de rumo e organizamos projectos parar menos de metade daquela quantia. O projecto foi devolvido para ser modificado e embaratecido. Quando voltar e mereça aprovação, o Estado comparticipará na despesa e poderá manter-se o que primitivamente fora proposto quanto aos meios para construção (…)”

domingo, 3 de julho de 2022

 

Conflitos da Autonomia -Resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral - D

 

As «Frutas e Géneros Hortícolas» fizeram parte da carta de Salazar em resposta à carta do Presidente da Junta Geral, salientando que “Estão também prontos para publicação dois decretos – um que estabelece no Funchal uma delegação da Junta Nacional de Exportação de Frutas e outro que cria o Grémio dos Exportadores de frutas e produtos hortícolas da ilha da Madeira. Os dois organismos devem introduzir um pouco de ordem na produção e comércio daqueles géneros, de modo que se evitem no futuro os lamentáveis factos a que faz referência a exposição da Junta. A Madeira tem ali possibilidades enormes que convém não desbaratar, antes devem ser aproveitadas em benefício e para enriquecimento da ilha”.

Os «Vinhos» mereceram bastante realce na carta de Salazar ao referir: “Estão assentes as bases da organização da produção e comércio dos vinhos da Madeira, mas tenho dúvidas sobre a sua publicação imediata, porque o espírito público não está preparado para as providências a tomar, segundo o que se depreende das conversas havidas com alguns madeirenses. Nós não podemos, a mexer no assunto, continuar permitindo que a exportação seja aviltada em qualidade com os produtores directos, com o fabrico artificial, e com os vinhos por envelhecer. A solução razoável

está em permitir apenas o produtor directo em certas zonas onde outra vide se não dá, mas só para consumo interno, e ir obrigando à enxertia os demais, por dois meios:

1º pagando por melhor preço o vinho de castas nacionais;

2º fixando a percentagem decrescente num período talvez de 5 anos em que o vinho exportado podia conter vinho do produtor directo.

Em curto espaço de alguns anos, o necessário para a adaptação o problema estaria satisfatoriamente resolvido. Semelhantemente ao que se dá com o vinho do Porto, os exportadores seriam obrigados a determinado stock em relação com a sua necessidade de exportação. Como digo acima, os melhores ainda não entenderam que é este o caminho da salvação e desejam continuar produzindo e fazendo o que nós sabemos. O resultado final será a ruína completa do viticultor e a perda dos mercados externos. Deviam convencer-se aí de uma coisa Madeira bom, não há em parte nenhuma do mundo; mas Madeira ordinário encontra-se por toda a parte, sem ser necessário ir daí. Estou convencido de que a reforma acabará por impor-se, tão lógico é, mas não sei se aguardará a oportunidade de haver mais convencidos da sua benemerência.

Para já tem pelo menos que regularizar-se a exportação que tem sido uma vergonha. Conseguimos a muito custo reservar para a Madeira no acordo com a França um contingente muito superior à sua exportação e esse facto permitia o negócio normal em óptimas condições.

Pois a falta de seriedade de alguns teve a arte de complicar o problema que naquelas condições nem chegava a ser problema. Agora é preciso intervir e fixar o critério das quantidades a exportar por cada exportador. Para a falta de juízo e de seriedade é que é muito difícil o Governo arranjar remédio”.

Quanto aos «Lacticínios» e «Vimes», Salazar apenas refere que “Está em estudo a organização para que já há bases suficientes, mas neste momento nada posso ainda dizer-lhe”.

Relativamente ao «Bairro Económico», salienta: “Nada sei dizer-lhe, porque nada consta acerca do problema, além do vejo na exposição da Junta”.

E do «Imposto de Viação e Turismo»: “Vou estudar a questão a ver se define qual a entidade a quem pertencem as receitas”.

 

Conflitos da Autonomia -Resposta de Salazar ao Presidente da Junta Geral - C

 

A carta de Salazar responde à situação das câmaras municipais, salientando: “O que fica dito da Junta pode aplicar-se mutatis mutandis às Câmaras Municipais. As verbas anuais para despesas de anos findos mostram a irregularidade da vida administrativa, porque ou os pagamentos andam muito atrasados em relação aos compromissos ou – e isto é que é mais natural - são feitas muitas despesas por fora do orçamento. Empréstimos para regularizar estas situações é contra os nossos princípios autorizá-los. As Câmaras que não se endividam ou já se endividaram para além do conveniente, também aqui têm as maiores dificuldades e vivem em grande aperto. Julgo isso mais benéfico que o contrário, desde que as necessidades fundamentais da população vão sendo suficientemente satisfeitas. Apesar da boa vontade em dar para a Madeira – e já isso é contra o princípio da solidariedade nacional que pretendemos manter – todo o produto do Fundo de desemprego e de serem importantes as participações já concedidas, a verdade é que as obras não se fazem e o governo não pode dar o dinheiro.

A média no continente entre as participações e as despesas realmente efectuadas é de 50%, quando aí na Madeira é apenas de 15%. Isto é sinal de que se pedem participações em obras para que as Câmaras não têm dinheiro, ou que os dirigentes mudam constantemente de plano, pedindo mais e mais comparticipações, simplesmente para efeitos públicos, sem que as realizações correspondam ao que se promete. Isto quanto a orientação geral. Vou tentar agora dar a V. Exª. uma ideia do estado em que se encontram alguns problemas concretos.

-REGIME SACARINO

O regime a executar deve ser o decretado em Maio do ano findo. Foram feiras muitas reclamações que examinei com cuidado; apenas duas me pareceram susceptíveis de deferimento e não sinda assim como era pedido:

1)-Como a Alfândega não pode fazer as comunicações a que a lei se referia sobre a graduação da cana em certos locais, tenho trabalhado um decreto a publicar imediatamente em que se prorroga por mais um ano o regime transitório estabelecido para 34-35 do citado decreto;

2)-no mesmo decreto se permite a renovação ou substituição dos canaviais até 60% dos pés substituídos e da área ocupada. Estão no relatório do decreto do ano findo as razões porque se não permite a substituição integral. Se o consumo do açúcar não aumentar temos de baixar de 15% a 20% a produção de cana, e ainda é preciso que esta seja tão rica como é este ano, por causa da escassez das chuvas;

3)-Os pedidos ou pretensões ou cálculos dos industriais de aguardente não podem ser tomados em consideração. É preciso convencê-los desta verdade: fabricam um artigo que se não vende. Não é caso para qualquer indemnização por arte do Estado, nem para se consentir outra vez o envenenamento dessa gente, como era de antes.

-BORDADOS

Tenho trabalhado estes dias com o Ministro do Comércio neste e outros decretos referidos abaixo. A organização da indústria em moldes que aqui têm dado resultado, embora tendo em conta todas as especialidades da ilha, está gizada nesse decreto que vai ser publicado já, talvez nos jornais dias antes para provocar a crítica, e depois no Diário. Esperemos que aí sejam capazes de o executar e tirar dele algum proveito”.

(continua)