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domingo, 4 de setembro de 2022

 

Conflitos da Autonomia – Água Revolta Povo da Calheta

 

Eram dez horas da manhã do dia 20 de junho de 1953 quando repicou o sino da capela de S. Pedro, no Lombo do Atouguia (Calheta). Não se tratava de sinal de qualquer cerimónia religiosa, mas para Revolta Popular contra a usurpação de água por parte da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM).

A Revolta desenrolou-se junto da Ribeira do Luís, onde passava a nova levada que conduzia água da Central Hidroelétrica para irrigar a parte leste do concelho da Calheta. A água da revolta era a que corria no leito da Ribeira, mas que tinha sido desviada pelos serviços públicos para a nova levada que fazia parte do primeiro ciclo do Plano de Fomento da Madeira (Plano Hidroagrícola).

 

Passados sessenta e nove anos, parece irrealista admitir que, em plena pujança do regime salazarista, algumas dezenas de pacíficas pessoas se tivessem revoltado contra o Poder instituído, cuja rebelião causou a prisão de meia dúzia de mulheres, de entre as quais a que tocou o sino.

Se as revoltas populares parecem desenrolar-se sempre nas cidades, o certo é que o povo, ao sentir-se lesado, não escolhe lugar nem regime político para agir em defesa dos seus direitos.

 

Primeiro no calaboiço e depois, durante cerca de um mês, a cadeia dos Viveiros encarcerou aquelas mulheres que mais ativamente destruíram a levada que desviou a água da ribeira para a outra levada do grande empreendimento da época: uma central hidroelétrica e uma grandiosa conduta. Mas não havia plano público, por mais importante que fosse, que tivesse mais interesse do que a sua água. E o povo acabou por perder a “batalha”, cujas armas foram as enxadas com que cavavam a terra! Mas, apesar disso, aquele facto ficou na história daquele sítio da Calheta, e que merece relembrar sempre, até pelo local da revolta era tão natural como naturais eram as necessidades de água para a agricultura.

 

O regime hidroagrícola da Madeira nunca foi pacífico. A água, aparentemente abundante, sempre criou conflitos pelo direito de propriedade e utilização. Nascentes várias brotavam água que motivou a construção de levadas que passaram por locais inacreditáveis. Foi uma obra útil e necessária para a realidade agrícola de então e para o consumo domiciliário, neste caso retirada dos fontenários públicos ou diretamente das nascentes. Ainda hoje se discute, investiga, projeta e constrói obras com vista à captação e condução de tão precioso líquido. E cada vez mais ela é escassa! A luta pela água de rega é cada vez mais acentuada.

A questão das águas foi de tal ordem complexa que já D. João II tomou medidas de caráter legislativo fixando princípios de direito que serviram de orientação para as entidades públicas que vieram a ser as Levadas. Pelos séculos adiante, nunca mais pararam as medidas reguladoras desta matéria, mesmo reconhecendo direitos adquiridos em épocas passadas.

 

A Revolta tem a sua mais direta relação na criação, em 1943, da CAAHM que ficou com a competência de promover e orientar a execução dos novos empreendimentos hidroagrícolas e hidroelétricos da Madeira.  Legislação de 1947 e de 1952 completou o regime jurídico daquele plano que incluía a construção das centrais hidroelétricas e levadas de maior dimensão e capacidade, cuja despesa seria suportada metade pelo Estado e metade pela Junta Geral.

A levada em questão ficou incluída na primeira fase do grande projeto e foi classificada “Levada da Calheta-Ponta do Pargo”, irrigando os terrenos a partir da Madalena do Mar até a Ponta do Pargo, numa extensão de 67 km.

 

 

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