Conflitos da Autonomia –
Primavera Marcelista (2)
“Em Setembro de 1944 as
crises interna e externa misturavam-se de modo a tornar pouco nítido qual delas
era a mais grave. O problema externo, a
curto e médio prazo, consistia na maior ou menor capacidade de permanência do regime num quadro de vitória das forças
democráticas e ocidentais. Internamente, as dificuldades provocadas pelo
conflito, sobretudo no que dizia respeito ao abastecimento, à descida dos
salários e ao aumento dos preços, geravam um clima de insatisfação bastante
significativo. A oposição, parcialmente consentida, alastrava aos bairros
operários dos grandes centros urbanos e ao latifúndio alentejano. Foi nestas
circunstâncias difíceis que Oliveira Salazar optou por uma remodelação
ministerial. De entre os novos personagens que passaram a compor o Executivo
destacavam-se as figuras de Júlio Botelho Moniz, indicado para ministro do
Interior, Fernando dos Santos Costa para ministro da Guerra e, por fim, Marcelo
Caetano para Ministro das Colónias. De certo modo, correspondia à proposta
apresentada pelo então comissário nacional da MP de remodelação do quadro
governativo (…) A indicação de Caetano para as Colónias indicava que, pelo
menos na esfera privada, o presidente do Conselho estava disposto a ouvir
críticas e sugestões contrárias à condução da política ultramarina adoptada até
àquele momento. A conduta de gestão de Caetano no Ministério incentivava uma
certa margem de autonomia dos seus subordinados, desde que por autonomia não se
entendesse insubordinação ou ruptura com os preceitos do regime.
Caetano criticava, por
exemplo, a eventualidade da demissão do então governador de Moçambique, José
Tristão de Bettencourt. (…).
No dia 7 de Julho de
1955, Marcelo Caetano era empossado como o novo ministro da Presidência em
substituição de João Pinto da Costa Leite, conde de Lumbrales. A decisão de
Oliveira Salazar de convidar Marcelo Caetano para o Ministério da Presidência
evidencia a sua firme perspectiva e decisão de manter o seu mais crítico e duro
aliado por perto. O Presidente do Conselho acreditava que manter Caetano à
distância constituía um sério risco de criar um campo político. O fenómeno
Humberto Delgado também teve repercussões na imprensa e na comunidade política
internacionais. E grupos oposicionistas tomaram consciência do aumento da
opinião contrária ao regime (…).
Livre de Craveiro Lopes
e garantida a eleição de Américo Thomaz, Salazar ficou à vontade para realizar
uma reforma ministerial, em Agosto de 1958, na sequência da qual pôde afastar o
sempre incómodo Marcelo Caetano. O lugar de Caetano foi ocupado pelo seu amigo,
Pedro Teotónio Pereira. A fim de manter o equilíbrio entre conservadores modernizadores no regime, Santos Costa também
foi deposto e substituído pelo general Júlio Botelho Moniz (…) No dia 14 de
Agosto Marcelo Caetano enviou uma carta a Salazar a despedir-se dos cargos que
ocupava e a reafirmar a sua fidelidade para com o presidente do Conselho, (…)
pela primeira vez, afirmou que saía definitivamente da vida pública: Ao
encerrar-se a minha vida política venho agradecer a V.ª Exª tantos favores e
atenções de que, ao longo de quase 30 anos, lhe sou devedor. Nunca os
esquecerei e recordarei sempre com orgulho a colaboração que tive a honra de
lhe prestar. Considero-me a partir desse momento exonerado da Comissão Central
da União Nacional; quanto ao Conselho de Estado, tratarei do assunto com o
Senhor Presidente da República (…)”. (In Marcelo Caetano Uma Biografia,
1906-1980, Francisco C. P Martinho).