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domingo, 29 de janeiro de 2023

 

Conflitos da Autonomia – Primavera Marcelista (2)

 

“Em Setembro de 1944 as crises interna e externa misturavam-se de modo a tornar pouco nítido qual delas era  a mais grave. O problema externo, a curto e médio prazo, consistia na maior ou menor capacidade de permanência  do regime num quadro de vitória das forças democráticas e ocidentais. Internamente, as dificuldades provocadas pelo conflito, sobretudo no que dizia respeito ao abastecimento, à descida dos salários e ao aumento dos preços, geravam um clima de insatisfação bastante significativo. A oposição, parcialmente consentida, alastrava aos bairros operários dos grandes centros urbanos e ao latifúndio alentejano. Foi nestas circunstâncias difíceis que Oliveira Salazar optou por uma remodelação ministerial. De entre os novos personagens que passaram a compor o Executivo destacavam-se as figuras de Júlio Botelho Moniz, indicado para ministro do Interior, Fernando dos Santos Costa para ministro da Guerra e, por fim, Marcelo Caetano para Ministro das Colónias. De certo modo, correspondia à proposta apresentada pelo então comissário nacional da MP de remodelação do quadro governativo (…) A indicação de Caetano para as Colónias indicava que, pelo menos na esfera privada, o presidente do Conselho estava disposto a ouvir críticas e sugestões contrárias à condução da política ultramarina adoptada até àquele momento. A conduta de gestão de Caetano no Ministério incentivava uma certa margem de autonomia dos seus subordinados, desde que por autonomia não se entendesse insubordinação ou ruptura com os preceitos do regime.

Caetano criticava, por exemplo, a eventualidade da demissão do então governador de Moçambique, José Tristão de Bettencourt. (…).

No dia 7 de Julho de 1955, Marcelo Caetano era empossado como o novo ministro da Presidência em substituição de João Pinto da Costa Leite, conde de Lumbrales. A decisão de Oliveira Salazar de convidar Marcelo Caetano para o Ministério da Presidência evidencia a sua firme perspectiva e decisão de manter o seu mais crítico e duro aliado por perto. O Presidente do Conselho acreditava que manter Caetano à distância constituía um sério risco de criar um campo político. O fenómeno Humberto Delgado também teve repercussões na imprensa e na comunidade política internacionais. E grupos oposicionistas tomaram consciência do aumento da opinião contrária ao regime (…).

 

Livre de Craveiro Lopes e garantida a eleição de Américo Thomaz, Salazar ficou à vontade para realizar uma reforma ministerial, em Agosto de 1958, na sequência da qual pôde afastar o sempre incómodo Marcelo Caetano. O lugar de Caetano foi ocupado pelo seu amigo, Pedro Teotónio Pereira. A fim de manter o equilíbrio entre conservadores  modernizadores no regime, Santos Costa também foi deposto e substituído pelo general Júlio Botelho Moniz (…) No dia 14 de Agosto Marcelo Caetano enviou uma carta a Salazar a despedir-se dos cargos que ocupava e a reafirmar a sua fidelidade para com o presidente do Conselho, (…) pela primeira vez, afirmou que saía definitivamente da vida pública: Ao encerrar-se a minha vida política venho agradecer a V.ª Exª tantos favores e atenções de que, ao longo de quase 30 anos, lhe sou devedor. Nunca os esquecerei e recordarei sempre com orgulho a colaboração que tive a honra de lhe prestar. Considero-me a partir desse momento exonerado da Comissão Central da União Nacional; quanto ao Conselho de Estado, tratarei do assunto com o Senhor Presidente da República (…)”. (In Marcelo Caetano Uma Biografia, 1906-1980, Francisco C. P Martinho).

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