Padres pediram «Mais Democracia, Melhor Democracia»
Estávamos no dia 20 de Agosto de 1992, quando um documento de reflexão, subscrito por 9 jovens padres e um diácono, foi divulgado na Região a exigir «Mais Democracia, Melhor Democracia».
Os padres subscritores foram: Agostinho Bonifácio, Edgar Silva. Francisco Caldeira, Anastácio Alves, Tolentino Mendonça, Manuel Carlos Gouveia , Paulo Silva, Ricardo Oliveira, Rui Sousa e o diácono José Luís Sousa.
Que eu saiba, apenas dois daqueles dez padres desistiram da missão evangelizadora: o Edgar Silva e o Ricardo Oliveira
Quando os autores do documento, com seis páginas, reflectindo acerca da qualidade da democracia - a existente e a pretendida para a Região Autónoma da Madeira - se abalançaram na divulgação de tal reflexão, fizeram-no de forma fundamentada em documentos da própria Igreja, nomeadamente no apelo do Papa Pio XII “mais democracia, melhor democracia”.
Bem pensaram os padres em lançarem tal reflexão. O que talvez não pensaram era que a sua “reflexão” viria a cair em saco roto. Precisamente porque, 17 anos depois, o documento está de tal modo actualizado que, muito bem deveria ser republicado, com subscrição não por dez, mas por vinte, trinta ou cem padres.
Se, naquela altura a qualidade da democracia, na Madeira, era de qualidade menor, hoje, é péssima. Meramente formal. Aparente porque apenas baseada na existência de eleições, que parecem livres, a que concorrem uns tantos partidos políticos e uns grupos de cidadãos, tipo caciques locais, para enformarem uma espécie de democracia participativa.
O que os autores pretendiam com a reflexão era que a democracia “deve ser entendida, concebida e vivida, antes de mais, como processo: um processo sempre inacabado, mas em que se proporciona e estimula uma participação dos cidadãos cada vez maior e mais intensa, a vários níveis e em espaços diversos (e não apenas nos espaços instituídos, como é o caso do voto)”.
Com toda a propriedade no entendimento do que deve ser a democracia, os padres achavam, e bem, que “os direitos de oposição e discordância sejam considerados como aspectos essenciais da Democracia e não como elementos anómalos, indesejáveis ou transitórios; que, em consequência, a unanimidade não seja erigida em valor ou objectivo final de uma sociedade democrática”.
Mais adiante salientam: “Nesta linha de pensamento, consideramos que urge pôr termo às tentativas, cada vez mais insistentes, de se identificar o “ser madeirense” com o facto de se apoiar determinada corrente partidária, ideológica ou de acção governativa. Mentalizar a opinião pública numa perspectiva tão redutora é dar um mau contributo para a tal formação democrática dos cidadãos”.
Quando os padres lançaram a sua oportuna reflexão decorriam 16 anos de poder autonómico da Madeira. O Poder Local estava já a ser dirigido prepotentemente pelo poder regional, principalmente pela via da força dos subsídios e outras formas de castrar a autonomia das autarquias. Por isso mesmo os padres estavam apreensivos com o “esvaziamento da legítima e necessária autonomia do poder autárquico, o qual, por ser aquele que tem um contacto mais directo com as populações, é também o que melhor pode responder aos seus anseios”. Essa apreensão era real. Daí em diante tornou-se mais profundo o controlo das autarquias pelo poder regional. Não mais houve um laivo de esperança quanto ao deixar cada órgão autárquico decidir sem a subjugação superior. Ainda hoje é assim. E pior!
Reacções públicas? A favor dos padres esteve o Secretariado Diocesano da Acção Católica, por considerar que o documento reflectia a realidade regional, bem como algumas (muitas?) pessoas individualmente consideradas.
Com o Bispo calado, não deixaram alguns “tarefeiros” de divulgar posições, aparentemente individuais, questionando a legitimidade dos padres em virem publicamente questionar a realidade regional no campo da democracia.
Hoje, a democracia, na Madeira, está mais degradada. De menor qualidade do que em Agosto de 1992. Quantos padres arriscariam voltar a subscrever um documento igual ou semelhante?
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