A «Comarca da Madeira» sem o
«Tribunal de S. Vicente»
Com a recente
publicação do decreto-lei da organização judiciária, ficaremos sem o Tribunal
de S.Vicente a partir do próximo dia 1 de setembro. A ministra da Justiça
deveria acompanhar o carro das «Mudanças» do espólio processual para o Tribunal
do Funchal que passa a ser o Tribunal competente para os concelhos de S.
Vicente, Porto Moniz e freguesias da Ilha, S. Jorge e Arco de S. Jorge do
concelho de Santana, as quais pertecem, hoje, à comarca de S. Vicente.
Sem juiz,
S.Vicente passa a ser uma «secção de proximidade». Trata-se de um erróneo e
pomposo nome para acabar com o Tribunal, fazendo crer que a proximidade da
justiça fica garantida. A «secção de proximidade» é um pouco mais que uma caixa
de correio, ficando na dependência da secretaria da «Comarca da Madeira»: pode
prestar informações de carácter geral e processual; receber papéis, peças
processuais, documentos e requerimentos destinados a processos de qualquer
secção da comarca; assegurar os depoimentos prestados através de
teleconferência; acolher as audiências de julgamento ou outras diligências
processuais cuja realização aí seja determinada; praticar os atos que venham a
ser determinados pelos órgãos de gestão, incluindo o apoio à realização de audiências
de julgamento.
O Tribunal
Judicial da Comarca da Madeira integra dois tipos de secções: «secções de
instância central» (cível, criminal, instrução criminal, família e menores,
trabalho, comércio e de execução), todas com sede no Funchal; «secções de instância
local» (de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com
sede no Funchal, bem como secção de competência genérica com sede na Ponta do
Sol, Porto Santo e Santa Cruz). Com estas novas designações, veremos onde se
enquadrará e como funcionará a atual Vara de Competência Mista do Funchal.
A nova ordem
orgânica determina que a matéria de família e menores passa para a secção de
instância central do Funchal, antes da competência das comarcas, salvo casos
muito especiais que eram da competência do Tribunal de Família e Menores.
Além disso, existirá
uma única secretaria em cada comarca, que assegura o expediente das secções de
instância central e de instância local, onde existirá um “núcleo que assegura
as funções da secretaria”.
A nova
orgânica é mais que uma revolução estrutural para aplicar imediatamente a
seguir às férias judiciais do corrente ano. Mais cedo do que tarde chegar-se-á
ao reconhecimento de que foi um disparate político deste insensível governo
acabar com o Tribunal de São Vicente, o que revela ignorância da realidade
geográfica da Madeira. Aliás, melhor seria apelidar os governantes de terem a
visão política do início do século XX, por quererem fazer o que, em 1926, fez o
Governo, ao extinguir a comarca de São Vicente, que tinha sido criada em 1875. A esta comarca
estavam adstritos os Julgados do Porto Moniz, Ponta Delgada, São Jorge e
Santana.
Uma vez
extinta a comarca de São Vicente em 1926, a população das localidades abrangidas
foi mandada para a comarca da Ponta do Sol (tribunal para onde, inicialmente,
esta ignorante ministra queria transferir os processos), criada na mesma altura
da de São Vicente. Tal decisão provocou sérios descontentamentos no povo, não
faltando queixas e apelos para ser retomada a comarca. Um dos fundamentos era o
facto de ser “excessivamente distante a
Comarca da Ponta do Sol e demasiado fragoso atingi-la, a pé, pelo caminho mais
curto, o da travessia da Serra do Planalto do Paul, sobretudo no inverno,
coberto de granizo, exposto a frios insuportáveis e ventanias desabridas” (in
Ilhas de Zargo).
Apesar de, em
1931, ter sido restabelecido o Julgado Municipal de São Vicente, somente em
1962 foi recriada a Comarca pelo Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei 44 278 , de 14 de
Abril de 1962.
A partir
daquele ano, a comarca de São Vicente manteve o seu funcionamento, sobrevivendo
aos últimos 12 anos do Estado Novo e a 40 do atual regime democrático. Foi
preciso aparecer na cena política o nefasto atual Governo para extinguir aquele
Tribunal.
Vem de longos
anos o princípio da proximidade que levou à criação de comarcas em localidades
afastadas dos grandes centros urbanos. Foi o que aconteceu com a criação da
Comarca de São Vicente e, mais recentemente, com a do Porto Santo. Aquele princípio
não impede que seja feita uma reestruturação adequada à atual realidade. Mas
essa realidade não poderá ser a que é imaginada do Terreiro do Paço, com base
em estatísticas.
Se concordo
com alguns aspetos da actual reforma, por razões de melhor aproveitamento de
recursos, acabando com a personalidade jurídica das atuais comarcas que teem
contabilidade própria e respetivo número fiscal de Pessoa Coletiva e demais
burocracia e anquilosamento e males congénitos do sistema de justiça, fico, no
entanto, com sérias reservas em alguns passos a dar, especialmente quanto à
data da entrada em vigor da nova lei.