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segunda-feira, 31 de março de 2014

A «Comarca da Madeira» sem o «Tribunal de S. Vicente»

Com a recente publicação do decreto-lei da organização judiciária, ficaremos sem o Tribunal de S.Vicente a partir do próximo dia 1 de setembro. A ministra da Justiça deveria acompanhar o carro das «Mudanças» do espólio processual para o Tribunal do Funchal que passa a ser o Tribunal competente para os concelhos de S. Vicente, Porto Moniz e freguesias da Ilha, S. Jorge e Arco de S. Jorge do concelho de Santana, as quais pertecem, hoje, à comarca de S. Vicente.
Sem juiz, S.Vicente passa a ser uma «secção de proximidade». Trata-se de um erróneo e pomposo nome para acabar com o Tribunal, fazendo crer que a proximidade da justiça fica garantida. A «secção de proximidade» é um pouco mais que uma caixa de correio, ficando na dependência da secretaria da «Comarca da Madeira»: pode prestar informações de carácter geral e processual; receber papéis, peças processuais, documentos e requerimentos destinados a processos de qualquer secção da comarca; assegurar os depoimentos prestados através de teleconferência; acolher as audiências de julgamento ou outras diligências processuais cuja realização aí seja determinada; praticar os atos que venham a ser determinados pelos órgãos de gestão, incluindo o apoio à realização de audiências de julgamento.

O Tribunal Judicial da Comarca da Madeira integra dois tipos de secções: «secções de instância central» (cível, criminal, instrução criminal, família e menores, trabalho, comércio e de execução), todas com sede no Funchal; «secções de instância local» (de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede no Funchal, bem como secção de competência genérica com sede na Ponta do Sol, Porto Santo e Santa Cruz). Com estas novas designações, veremos onde se enquadrará e como funcionará a atual Vara de Competência Mista do Funchal.
A nova ordem orgânica determina que a matéria de família e menores passa para a secção de instância central do Funchal, antes da competência das comarcas, salvo casos muito especiais que eram da competência do Tribunal de Família e Menores.
Além disso, existirá uma única secretaria em cada comarca, que assegura o expediente das secções de instância central e de instância local, onde existirá um “núcleo que assegura as funções da secretaria”.

A nova orgânica é mais que uma revolução estrutural para aplicar imediatamente a seguir às férias judiciais do corrente ano. Mais cedo do que tarde chegar-se-á ao reconhecimento de que foi um disparate político deste insensível governo acabar com o Tribunal de São Vicente, o que revela ignorância da realidade geográfica da Madeira. Aliás, melhor seria apelidar os governantes de terem a visão política do início do século XX, por quererem fazer o que, em 1926, fez o Governo, ao extinguir a comarca de São Vicente, que tinha sido criada em 1875. A esta comarca estavam adstritos os Julgados do Porto Moniz, Ponta Delgada, São Jorge e Santana.
Uma vez extinta a comarca de São Vicente em 1926, a população das localidades abrangidas foi mandada para a comarca da Ponta do Sol (tribunal para onde, inicialmente, esta ignorante ministra queria transferir os processos), criada na mesma altura da de São Vicente. Tal decisão provocou sérios descontentamentos no povo, não faltando queixas e apelos para ser retomada a comarca. Um dos fundamentos era o facto de ser “excessivamente distante a Comarca da Ponta do Sol e demasiado fragoso atingi-la, a pé, pelo caminho mais curto, o da travessia da Serra do Planalto do Paul, sobretudo no inverno, coberto de granizo, exposto a frios insuportáveis e ventanias desabridas” (in Ilhas de Zargo).
Apesar de, em 1931, ter sido restabelecido o Julgado Municipal de São Vicente, somente em 1962 foi recriada a Comarca pelo Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei 44 278, de 14 de Abril de 1962.
A partir daquele ano, a comarca de São Vicente manteve o seu funcionamento, sobrevivendo aos últimos 12 anos do Estado Novo e a 40 do atual regime democrático. Foi preciso aparecer na cena política o nefasto atual Governo para extinguir aquele Tribunal.

Vem de longos anos o princípio da proximidade que levou à criação de comarcas em localidades afastadas dos grandes centros urbanos. Foi o que aconteceu com a criação da Comarca de São Vicente e, mais recentemente, com a do Porto Santo. Aquele princípio não impede que seja feita uma reestruturação adequada à atual realidade. Mas essa realidade não poderá ser a que é imaginada do Terreiro do Paço, com base em estatísticas.
Se concordo com alguns aspetos da actual reforma, por razões de melhor aproveitamento de recursos, acabando com a personalidade jurídica das atuais comarcas que teem contabilidade própria e respetivo número fiscal de Pessoa Coletiva e demais burocracia e anquilosamento e males congénitos do sistema de justiça, fico, no entanto, com sérias reservas em alguns passos a dar, especialmente quanto à data da entrada em vigor da nova lei.





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