Da reestruturação da dívida
aos defensores do empobrecimento
Bastou a
clarividência de cerca de setenta portugueses divulgarem um manifesto contendo
o seu entendimento acerca da necessidade de reestruturar a dívida pública de
Portugal para, imediatamente, os defensores do empobrecimento, que estão na
mentecapta maioria que nos governa e outros parasitas do sistema que giram à
volta desta, entrarem numa euforia contrária.
Até com o conceito do termo «reestruturação» chegaram alguns idiotas a
considerar que ele significa não pagar a dívida.
O Boletim
Estatístico, do passado dia 3, do Banco de Portugal revela bem como a dívida
pública, em geral, onde se encaixa a da Administração Central, aumenta em cada
ano que passa, com reflexo óbvio no elevado volume do serviço da dívida a
despender todos os anos (à volta de 8 mil milhões de euros). De entre os
empréstimos, títulos de dívida, certificados de aforro e outras responsabilidades
do Tesouro, a dívida da Administração Central, no final de 2013, era cerca de
241 mil milhões de euros.
Independentemente
do termo que se queira aplicar, não seria inédito em Portugal e noutros países
da Europa e do resto do Mundo haver acordos para reestruturar/negociar/renegociar/reformular
a dívida junto dos seus credores, quer estes sejam Estados, quer sejam instituições
públicas e privadas. Os dois exemplos paradigmáticos são a renegociação da
dívida de Portugal, em 1902, com os bancos britânicos, e a dívida da Alemanha,
negociada a 27 de Fevereiro de 1953, em Londres com os países credores.
* Em 1892,
Portugal entrou em incumprimento, devido não só aos elevados investimentos havidos
nas infraestruturas ferroviárias, com crédito junto de bancos britânicos, mas
também devido à globalização da economia no modelo e âmbito então verificada.
Para ultrapassar a grave situação financeira e económica a solução foi
renegociar, em 1902, a
dívida para ser paga num prazo muito longo de 99 anos. Apesar dos
condicionalismos pouco favoráveis ao recurso à dívida externa, foi possível
recorrer a financiamento para as obras da Ponte Salazar (hoje Ponte 25 de
Abril), sendo a última tranche daquela dívida paga em 2001.
* Depopis da II
Guerra Mundial, a Alemanha
estava dividida em duas, ocupada por potências estrangeiras e tinha uma brutal
dívida para pagar, avaliada em 32 biliões de marcos. O serviço da dívida pago
nos tempos normais era incompatível com as enormes tarefas de reconstrução da
Alemanha com simultâneo crescimento económico. A maior parte da dívida estava
concentrada nos EUA, Reino Unido, Suíça e Holanda.
A dívida foi dividida
em parte iguais entre a que foi originada antes e depois da II Guerra. Os EUA
pretendiam perdoar a dívida contraída após a Guerra, mas os restantes países
credores não concordaram, pelo que seguiram-se negociações até ser atingido o
seguinte entendimento:
- Houve perdão de cerca de 50% da dívida,
tendo concordado com este perdão a Espanha, Irlanda e Grécia, pelo que foi
promovido um reescalonamento da dívida restante para um período de 30 anos.
- Com aquele longo prazo, foi assegurado o
crescimento económico da Alemanha e a sua capacidade efetiva de pagamento.
- O pagamento
devido em cada ano não podia exceder a capacidade da economia alemã.
- Em caso de
dificuldades, foi prevista a possibilidade de suspensão e de renegociação dos
pagamentos.
- Os montantes
afetos ao serviço da dívida não poderiam ser superiores a 5% do valor das
exportações alemãs.
- As taxas de
juro variaram entre 0 e 5%.
- O
escalonamento dos pagamentos foi planeado para os anos entre 1953 e 1983, sendo
que entre 1953 e 1958 foi concedida uma carência em que a Alemanha apenas pagou
os juros.
- Foram impostas
condições aos credores, obrigando-se a garantir, de forma duradoura, a
capacidade negociadora e a fluidez económica da Alemanha.
Apenas em
Outubro de 1990, logo após a reunificação das duas alemanhas, o Governo emitiu
obrigações para pagar a dívida contraída nos anos de 1920.
Não estamos em
1902 nem em 1953, mas estamos piores no plano de negociar dívidas. Está à vista
de todos que a grave questão de hoje é estarmos a ser mandados por
incompetentes dirigentes da União Europeia e pelos subservientes políticos de
Portugal aos ditames neoliberais dos «Mercados». E quando a Alemanha de hoje,
esquecendo o ano de 1953, impôs a assinatura do «Tratado Orçamental» que obriga
a défices impossíveis de atingir, o panorama económico e financeiro português
tornar-se-á numa grande catástrofe económica e financeira, com agravante ameaça
de destruição do regime democrático, sobre o qual espreitam sorridentes
populistas.
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