As cinzas do Parque Ecológico do Funchal
O designado Parque Ecológico do Funchal (PEF),
criado em 1994 por transformação do Montado do Barreiro e ampliado após a
aquisição de terrenos envolventes pela Câmara Municipal do Funchal (CMF), não
resistiu ao desastre ecológico e ambiental provocado pelo incêndio de 13 de agosto
de 2010. Da área de 1
012 hectares que compõe o PEF, 92 por cento
(sensivelmente 1/7 da área total do concelho do Funchal) foram transformados em
cinzas.
Ao longo dos anos, o PEF foi reflorestado e sujeito
a recuperação ambiental, e até foram colocados os tradicionais burros - que muito serviram nos anos cinquenta do
século passado em toda a ilha para transportar carga (exemplo da areia do
calhau e mercadorias para as zonas altas). Desde 1994 até março de 2010, a CMF plantou no PEF
mais de 200 000 árvores e arbustos indígenas e, em julho de 1995, estava vedado
ao longo de aproximadamente 13
Km , tendo em vista evitar a entrada de gado que pastava
nos montados limítrofes, uma vez que estava em curso o processo conflituoso da
retirada do gado que pastava no PEF.
O PEF era e é propriedade da CMF, o que lhe deu o
direito de, em 8 de junho de 1995, publicar na imprensa regional um
“ESCLARECIMENTO À POPULAÇÃO” informando as “CAUSAS DA NECESSIDADE DE RETIRAR
800 CABEÇAS DE GADO DO MONTADO DO BARREIRO”
O “Esclarecimento” trata de matérias que,
analisadas após o incêndio de 2010, conclui-se que não passaram de meros
argumentos falaciosos, por não terem sido postas em prática para evitar a
propagação de incêndios. O PEF, sem gado e sem cuidado, transformou-se, isso
sim, num barril de pólvora atreito a desaparecer ao mínimo ânimo de qualquer
pirómano.
Se fosse verdade que a invocada “intensidade da
pastorícia” fosse um fator importante para a “intensa erosão”, pondo em perigo
a “vida dos cidadãos do Funchal”, então, com o desaparecimento do gado, estaria
garantida a preservação do PEF, o que não aconteceu em 2010.
A intolerância da CMF ao invocado “pastoreio
desordenado” apenas releva para o facto de não tolerar qualquer animal na sua
propriedade, apesar de referir no “Esclarecimento” que “Desde o início do
processo de implementação do Parque Ecológico do Funchal, na propriedade
municipal informámos os donos do gado da nossa disponibilidade para manter, de
forma ordenada, um rebanho de 250 ovelhas, devidamente gerido pela Cooperativa
dos Criadores de Gado do Monte”.
Em fértil e clara contradição, o “Esclarecimento”
salienta que “A partir de Janeiro, do corrente ano (1995) todos os donos do
gado foram contactados no sentido de retirarem até Maio, os animais que
possuíam em pastoreio livre, mediante uma indemnização fixada pela Secretaria
Regional da Agricultura Florestas e Pescas, no valor de 15.000$00 por cabeça de
gado, cujo abate seja controlado, beneficiando o proprietário ainda da
respectica carne”.
Depois de referir que “Durante o ano lectivo de
94/95 foram plantadas, na área do Parque Ecológico, cerca de 5000 novas
árvores”, mas “infelizmente muitas dessas árvores, plantadas por centenas de
jovens, das nossas escolas e das Associações de Escuteiros, foram já destruídas
pelo gado, atrasando a regeneração da natureza”, o “Esclarecimento” termina com
esta lição-chavão, gasta e repetida, do “interesse público”:
- “Quando estão em causa a salvaguarda de pessoas e
bens e os superiores interesses da cidade e da sua população, a Câmara tem de
nortear-se, conforme é sua obrigação, pelos critérios prevalentes do interesse
público”.
Viu-se o que aconteceu ao PEF desde o
“Esclarecimento” de Junho de 1995: uma Câmara desordenada na gestão do PEF,
desleixada na prevenção e limpeza necessárias para que o lume não propagasse a
92 por cento em 2010. E nem pediu desculpas às centenas de jovens que
plantaram árvores!
Por mais tanques que a CMF tivesse construído, por
mais árvores que tivesse plantado, por mais gado que tivessem retirado, o certo
é que a “espectacular regeneração da flora típica de altitude” do Parque
Ecológico ficou em cinzas em meia dúzia de horas.
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