Pesquisar neste blogue

domingo, 29 de agosto de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (46)

 

Na parte final da intervenção no Parlamento nacional, acerca da problemática dos transportes relacionada com a Madeira, o Dr. Juvenal de Araújo salientou que a “circunstância da concorrência das Canárias tem, de resto, servido sempre de fundamento para reconhecer-se à Madeira uma situação e excepção no tocante à cobrança de impostos marítimos. Foi justamente por esta ordem de motivos que, desde a carta de lei de 23 de abril de 1880, a lei de 28 de maio de 1896, até outros diplomas recentes, se conferiram aos vapores estrangeiros que demandam as ilhas adjacentes, designadamente a Madeira, vantagens especiais.

Ainda há cerca de dez anos, criou-se o imposto de farolagem. Desde logo se reconheceu que a criação deste imposto depressa determinaria o êxodo da navegação estrangeira, e tão justos e bem fundamentados foram os clamores que em seu redor se levantaram, que a cobrança dêsse imposto teve de ser a breve trecho suspensa.

Pela força dos mesmos motivos, impõe-se neste momento a suspensão da execução do Decreto 7.822. É a doutrina do projecto de lei que tenho a honra de mandar para a meza, e requeiro para êle a urgência, na certeza de que o Parlamento, votando-o pratica um acto de bom critério e presta um serviço ao Estado e, sobretudo, à Madeira, terra que bem merece dos poderes públicos, pelo muito que é generosa e sã nos seus costumes de vida, pelo muito que contribue para o Tesouro e pelo muito e muito que tem sido esquecida. Tenho dito”.

O segundo tema que o Dr. Juvenal de Araujo refere, diz respeito à defesa da propriedade, incluída no projeto de lei discutido na generalidade no Parlamento: “A lei de 26 de julho de 1912 e o decreto de 15 de fevereiro de 1913 são os diplomas, actualmente vigentes, que fixam e regulam o processo especial da expropriação por utilidade pública.

Em conformidade com estes diplomas, - o que serve de base à determinação do valor do prédio a expropriar, para o efeito de indemnização a pagar pela entidade expropriante á entidade expropriada, é o rendimento colectavel que se acha inscrito na respectiva matriz predial. É fácil verificar os inconvenientes e as verdadeiras extorsões a que dá logar na prática a vigência de tal preceito, se consideramos que o cadastro da matriz predial foi organizado e aferido há anos, sob o imperio de determinadas condições sociais e económicas; que, neste intervalo, se modificaram de tal modo essas condições, que, substancialmente, se alterou o valor da propriedade; e que, dadas estas circustancias, nunca o valor acusado pela matriz pôde portanto constituir base para uma determinação exacta do valor da propriedade objecto da expropriação.

Diversas são as causas  que contribuem para essa não actualisação da matriz, mas  como causa fundamental aparece-nos, sem duvida, a desvalorização enorme que a moeda tem atingido entre nós e que infelizmente continuará a acentuar-se, emquanto, de um modo geral, não procurarmos  atenuar os efeitos dolorosos da guerra e, dum modo especial,  não tratarmos de restringir, em vez de ampliar, a esfera do nosso meio circulante, de diminuir os encargos infelizmente crescentes do Tesouro resultantes do aumento da nossa divida flutuante externa e interna, de entrar num período decidido de redução de despezas públicas e, finalmente, emquanto o Poder Legislativo e o Poder Executivo, trabalhando de mãos dadas, não infundirem no espírito aquela confiança que é a base de toda a obra que tenda verdadeiramente a alcançar o equilíbrio económico e financeiro do país”.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (45)

 

Em 1928 na ação política no Parlamento nacional, o Dr. Juvenal de Araújo reconhecia que a Madeira “é uma terra que vive essencialmente do turismo, que só ali póde, de mais a mais, exercer-se pela via marítima. É o turismo que sustenta uma grande parte do seu comércio, que assegura o movimento de muitas actividades e de muitíssimos braços, que enche por esta época os seus hotéis, que anima a vida da cidade, que deixa enfim bem impressa nas várias manifestações da actividade madeirense a passagem da sua prosperidade e do seu oiro.

Todos ainda hoje na Madeira recordamos com angustia o que foram os dias tristes da guerra, em que a linda baía do Funchal deixou de reflectir na limpidez das suas águas tranquilas a linha donairosa dos grandes transatlaticos que até então nos visitavam com frequência, e em que a miséria bateu à porta de muitos lares e as dificuldades maiores assoberbaram a manutenção do comercio e daquelas industrias que são fundamentalmente dependentes da concorrência do estrangeiro.

Os bordados e os vinhos, nomeadamente, são industrias cujo exercício se prende hoje, directa e indirectamente, desde a capital da ilha até o mais recuado logarejo, à vida da quase totalidade da população madeirense, e é difícil prever o que seria amanhã, não digo já tranquilidade do seu viver, mas das suas próprias condições de vida, se os navios estrangeiros que ali tocam, transportando toda uma população de gente rica e de bom gosto, deixassem de fazer escala  pelo porto do Funchal”.

Mais salienta que o Estado não prescinde da cobrança das suas receitas regulares, “mas lembremo-nos que elas àmanhã estancarão, se continuarmos a ter em tão pouca conta os elementos que alimentam e engrandecem a riqueza pública, base de toda a matéria colectavel. Há, todavia, ainda, sr. Presidente, uma circunstância particular que coloca a Madeira em uma situação especial perante o Decreto 7.822. É a sua vizinhança das ilhas Canarias e a concorrência que encontra neste arquipélago, dotado hoje de excelentes portos de abrigo e de motivos de atracção para o forasteiro.

E todos sabemos, sr. Presidente, que esses elementos naturais não bastam hoje de modo algum pra que o turista, cada vez mais rodeado lá fora de conforto e de facilidades, vá à Madeira para que simplesmente atraído pelas suas condições naturais.

A Madeira, sem um cais acostável, sem um porto de abrigo, sem uma estação de telegrafia sem fios, sem viação electrica, sem um caminho de ferro, sem predicados para bem receber o turista que não sejam aqueles que derivam naturalmente da índole bôa do seu povo e da iniciativa do comercio de produtos regionais, - a Madeira vê-se, assim, em luta com a rivalidade das Canarias, simplesmente entregue às belezas da sua paisagem e às doçuras do seu clima

O decreto 7.822 constitue, neste ponto, precisamente antítese, o inverso daquilo que seria necessário legislar-se, pois por um lado a cobrança que preceitua «em ouro e ao par» para as taxas que incidem sobre os navios estrangeiros e, por outro, os impostos novos que cria sobre os preços das passagens tomadas nos vapores, só teem como resultado o abandono do porto do Funchal por parte dos navios estrangeiros e a sua imediata substituição pelos das ilhas Canarias, onde o estrangeiro encontra aquelas facilidades e aquelas diversões para o seu espírito com que nós outros, infelizmente, não sabemos ou não queremos atraí-lo.

(continua)

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (44)

 

Na primeira vez que Dr. Juvenal de Araújo fez uma intervenção na sessão legislativa de 1922 a 1925 do Parlamento, apresentou uma iniciativa legislativa acerca dos transportes marítimos.

Na sua intervenção referiu: “Sr. Presidente: Vou ter a honra de mandar para a mesa um projecto de lei, em que colaboraram todos os deputados pelo círculo do Funchal e que vai, portanto, assinado também pelos nossos ilustres colegas nesta Camara, srs. Américo Olavo, Carlos Olavo e Pedro Pita, suspendendo na ilha da Madeira a execução do Decreto nº 7.822 de 22 de novembro de 1921 sobre navegação”. Aquele diploma fixa a forma especial de pagamento dos impostos de comercio marítimo, pese embora se tratasse de um verdadeiro e pesado imposto sobre os navios estrangeiros, cuja consequência seria o afastamento cada vez mais acentuado dessa navegação dos nossos portos.

 O artigo 3º do referido Decreto preceitua que “os impostos, licenças, despachos, dum modo geral, todas as taxas a que estão sujeitos os navios nos portos nacionais serão pagos em escudos quando se trate de navios portugueses e, em libras ao par, tratando-se de navios estrangeiros”.

Por força do mesmo Decreto foi lançado um imposto de 20, 15, 10 e 5% sobre os preços das passagens marítimas vendidas no território da República conforme essas passagens são de luxo, de primeira, de segunda ou de terceira classe, como se cria também um imposto especial de 20% sobre o preço das passagens em navios estrangeiros para as colónias, desde que para elas existam carreiras portuguesas.

“Estas disposições foram, é certo, determinadas pelo patriótico e elevado intuito de protecção à marinha mercante nacional, mas o que não é menos certo é que, com essas medidas de caracter protecionista, se foi criar uma situação de tal modo custosa à navegação estrangeira que há-de reflectir-se, fatalmente, como se está reflectindo já, no movimento do nossos portos e, portanto, na balança económica do país.

Bem avisados andaremos certamente, animando e fomentando o desenvolvimento da nossa marinha mercante, como em toda a parte se faz. Mas o que é indispensável é conciliar as medidas que nesse sentido se venha a tomar com o interesse máximo que a Nação tem em assegurar o movimento dos seus portos e chamar a si a maior corrente de navegação estrangeira que lhe for possível atrair, mórmente num momento como aquêle em que estamos, em que ainda não possuímos, infelizmente, uma marinha mercante que, de momento, possa substituir e desempenhar o papel que na vida do nosso país a navegação estrangeira desempenha.

É talvez por esta ordem de motivos que se entende – e ainda recentemente no Congresso Económico de Coimbra foi presente uma proposta nesse sentido – que o Decreto 7.822 não deve entrar em execução sem sofrer uma revisão cuidadosa e inteligente, por forma a que se expurgue do conjunto dos seus preceitos aqueles que só em prejuízo da nacionalidade redundam (…) desejo apenas salientar , como justificação do meu projecto, quando êle vem agravar, especialmente, a ilha da Madeira, que em condições tão particulares e especiais se encontra em relação aos outros portos portugueses e que justamente vê no Decreto de que trato uma das mais sérias ameaças da vida e da prosperidade da sua população.

A Madeira é uma terra que vive essencialmente do turismo, que só ali póde, de mais a mais, exercer-se pela via marítima. É o turismo que sustenta uma grande parte do seu comércio, que assegura o movimento de muitas actividades e de muitíssimos braços (…)”.

(continua)

sábado, 7 de agosto de 2021

 

Conflitos das Autonomias da Madeira (43)

 

No período histórico dos atos eleitorais da I República, para a sessão legislativa de 1922 a 1925 pelo círculo da Madeira o Dr. Juvenal de Araújo foi eleito deputado pelo Centro Católico Português. Dos mais relevantes discursos e iniciativas legislativas em prol da Madeira publicou-os no livro «Trabalhos Parlamentares», Funchal, 1928, com prefácio de Domingos Pereira.

Na introdução o Dr. Juvenal de Araújo refere que “Dentre os vários discursos que tive a honra de proferir na Câmara dos Deputados, na sessão legislativa de 1922 a 1925, figuram alguns, sobre assuntos de caracter financeiro e económico, que me mereceram particular cuidado, quer no estudo dos elementos em que os baseei, quer na forma como procurei expo-los à Nação (…) Humilde, desvalioso mas desinteressado esforço – ofereço-o àqueles que, comungando nos mesmos princípios que me levaram à Câmara numa época de tão viva turbação política, puderam ver que me foi permitido acrescentar uma página, embora despretensiosa e sem brilho, à história do Centro Católico Português nas suas lutas pela defesa dos verdadeiros interesses morais e Sociais da Nação”.

No final do prefácio, Domingos Pereira salienta: “Util e autorizada lição de liberalismo, a simples publicação desta obra! O seu ilustre autor dará um dia, ao Parlamento livre, uma cooperação mais larga, no serviço da Nação, do Direito e das regalias inerentes a um regime de liberdade. É a imposição dos seus merecimentos e o corolário da resolução de lançar à publicidade alguns discursos parlamentares”.

No enquadramento histórico da época, o “Centro Católico Português foi um partido político, fundado em Braga em 8 de agosto de 1915. O Apelo de Santarém de 22 de janeiro de 1915, apela para a ação política da União Católica, do qual deriva o Centro Católico Português. Aprovado o programa redigido por Diogo Pacheco de Amorim e José de Almeida Correia. Eleita uma comissão central com Alberto Pinheiro TorresJosé Fernando de Sousa (Nemo) e Diogo Pacheco de Amorim. Participam 36 leigos e 30 eclesiásticos, a maior parte deles oriundos da diocese de Braga (…) em maio de 1920, divergências entre os católicos, no conflito entre A Época de Fernando de Sousa (Nemo) e A União, de António Lino Neto. Lino Neto tinha escrito «A Igreja é a mais bela democracia que tem visto o mundo e a primeira democracia de todos os tempos». Nemo contesta, baseando-se em Charles Maurras. Também Pequito Rebelo em A Monarquia, jornal do Integralismo Lusitano havia contestado o presidente do Centro Católico Português, em março desse ano. Nas eleições de 10 de julho de 1921, um jovem assistente universitário de CoimbraAntónio de Oliveira Salazar, chegou a ser eleito por Guimarães, pelo CCP. Nas eleições de 1925 Salazar voltou a participar e teve uma intervenção ativa da campanha, como membro da comissão diocesana de Coimbra, escrevendo sete artigos sobre a matéria eleitoral no Correio de Coimbra e sendo candidato no círculo eleitoral de Arganil, mas ficou em sexto, isto é, em penúltimo lugar.

Em 29 de setembro de 1922 foi publicada uma pastoral coletiva do episcopado, sobre as desinteligências que ameaçam dividir o campo católico, declarando-se confiança na direção do CCP. A carta de Pio XI de 13 de maio de 1923 secunda a pastoral coletiva do episcopado português que apoiava o CCP. Em 15 de dezembro de 1923, reaparece o jornal Novidades, agora como órgão da hierarquia católica, em apoio do CCP. O A União cessa a sua publicação em abril de 1924 (…)”. (Wikipedia).

(continua)

 

               Conflitos das Autonomias da Madeira (42)

 

A razão fundamental para desenvolver o combate a favor da autonomia teve por base o artigo intitulado «Se a Madeira quisesse» da autoria de José Bruno Carreira, publicado no jornal da ilha de São Miguel, Correio dos Açores, do dia 22 de junho de 1922. O texto lançou um forte apelo à união de açorianos e madeirenses “na busca de soluções para o alargamento da autonomia das ilhas”. A resposta a este desafio foi dada por Manuel Pestana Reis no artigo “A Madeira quer”, publicado no Diário de Notícias, do Funchal, em Setembro desse mesmo ano.

Antes, porém, Pestana Reis havia iniciado um processo de preparação da opinião pública com uma série de artigos, publicados no Correio da Madeira. Assim a 23 de Março, no artigo “Em louvor do povo e da terra” faz-se um panegírico ao povo madeirense, defendendo-se a ideia de independência da Madeira, pois aquilo que liga o povo madeirense ao continente é apenas um sentimentalismo patriótico, já que possui uma identidade própria.

No dia 19 de Agosto desse ano, no artigo “Palavras que o vento leva”, insiste na idiossincrasia do povo madeirense e clama pela necessidade de “uma larga autonomia administrativa”, tornando-se para isso necessário “desviar a Madeira das engrenagens da política portuguesa”, apagando “a fisionomia de campanários eleiçoeiros, de estreitas sucursais de S. Bento e Terreiro do Paço”, já que as reivindicações da Madeira “são sempre tidas e resolvidas a título de favor, que nos vexa e prejudica”, concluindo com um apelo a todos os madeirenses  “de sangue e de coração”. Embora revelando uma clara aversão aos partidos políticos e falando mesmo na “balda da política portuguesa”, Pestana Reis, num novo artigo uma semana depois, a 25 de Agosto, elogiou a acção dos deputados madeirenses, já que compreendia, como António Pestana, que sem eles seria difícil conseguir avanços significativos no estatuto autonómico.

Deste modo no dia 7 de Novembro, alertando para a necessidade de passar das intenções à acção, sugeria que se reunissem os advogados para elaborar um estatuto de Autonomia, esclarecendo, dois dias depois, que este estatuto teria que ser original e não copiado dos estatutos das colónias, pois que “a Madeira é terra de brancos, de civilização europeia, que dispensa missões civilizadoras ou tutores vindos de Lisboa”. Por outro lado, o regime autonómico, que vinha defendendo, não se limitava a uma maior atribuição de receitas à Junta Geral como pretendiam alguns regionalistas, pois visava-se a autonomia até aos limites, isto é, “uma autonomia dentro da pátria portuguesa “a conquista do governo completo da nossa casa” e por essa via, poder mudar de um regime parlamentar para um regime corporativo, que propunha. A especificidade do povo madeirense justificava esta reivindicação pelo facto de ter atingido a maioridade, pelo que “não precisamos que nos dêem a emancipação. Havemos de fazer com se quebre por nossas mãos a tutela abusivamente imposta e avaramente regateada”.

Ramon Rodrigues insistia na necessidade de substituição do regime parlamentar pelo corporativo, evitando assim o perigo de criar um “Terreiro do Paço da Madeira, quando nos queremos livrar do Terreiro do Paço de Lisboa”. (História da Madeira, coordenação de Alberto Vieira, setembro 2001).

Em 1923 era renovada a esperança na criação de partidos regionais, nomeadamente na hipótese de criar um Partido Regional ou Acção Regionalista.

 

(continua)