Conflitos da Autonomia -Resposta de Salazar ao Presidente
da Junta Geral -B
“A AUTONOMIA
NÃO É A AUTONOMIA DE GASTAR (…)”
A carta de Salazar responde à situação
financeira da Junta Geral, escrevendo: “Não entro em pormenores acerca da situação
financeira da Junta mas ponho apenas o problema central. É curioso que a forma
por que a Junta daí vem pondo a questão das suas finanças é rigorosamente igual
àquela que vejo nos documentos das Juntas Autónomas de Ponta Delgada e de Angra
e até de serviços autónomos do estado. Todos os partidários de autonomia supuseram
que esta consistia simplesmente na liberdade de gastar, dando o Poder Central
quanto fosse necessário para isso. Admitido este princípio e generalizado com
muita razão às Câmaras Municipais, nós tínhamos dentro de muito pouco a maior
catástrofe de que há memória. Aí, nos Açores e mesmo aqui puseram-se todos a
formular projectos e planos, às vezes interessantes mas ousados, caríssimos e
na maior parte adiáveis para outras oportunidades, arbitraram-lhes o custo e dizem pelos mesmos termos ao Poder Central:
Queremos fazer isto ou aquilo e as receitas não chegam.
Portanto
aumente-se as receitas ou tire-se o encargo de algumas despesas. Eu não posso
aceitar o problema assim posto.
A
autonomia não é a autonomia de gastar mas a de administrar um património ou uma
receita, tirando de um ou de outra o maior rendimento. Do facto de a receita
não chegar para tudo o que apetece ou há mesmo necessidade de fazer, não se que
é ao Governo que incumbe cobrir as diferenças. E este sobre quem as havia de
lançar?
Com ou sem
autonomia, no fundo o que temos é sempre o problema da distribuição dos rendimentos
públicos pelas necessidades gerais. De modo que eu só posso aceitar o princípio
da rectificação das receitas e despesas atribuídas à Junta, quando esteja
demonstrado que os mesmos serviços estão no continente mais bem dotados do que
nas ilhas. Nesta hipótese devo tirar daqui para aí mas não tenho que fazê-lo
necessariamente - nem mesmo devo visto serem todos iguais – só
porque as receitas não bastam para todos os melhoramentos e obras, algumas das
quais esperaram já não digo anos mas séculos. Tenho repetido isto mesmo algumas
vezes aos açorianos, ainda que com pouco resultado. Vêm uns tantos a Lisboa e
não passam de Sintra ou dos Estoris; e é com as ruas asfaltadas ou cimentadas
da Baixa e com um ou outro palácio em reconstrução que se fazem as comparações.
É conveniente para fazer melhor ideia das coisas visitar as aldeias de
Trás-os-Montes ou da Beira. Se em meios de comunicação, em obras de assistência
pública, em instrução, instalações de serviços, etc. se estiver melhor aqui, o
meu dever é corrigir o que não está bem e atribuir mais receitas ou lançar
menores despesas sobre as Juntas ou serviços autónomos. Quero dizer, tem de ser
rectificada a distribuição actual. Antes disso não. Em resumo: não é porque
lhes falta isto ou aquilo, ou porque desejam isto ou aquilo que há razão para
reclamar; mas porque lhes falta o que porventura já temos aqui. Eu creio que
apesar de tudo estão melhor na Madeira, mas porque não tenho ideias
preconcebidas rendo-me à demonstração dos factos (…).
(…) a
minha opinião acerca de administração das Juntas é má: muito pessoal,
remunerações por vezes superiores às do Estado, serviços demais com duvidosa
eficácia, contratos ruinosos, administração improvisada, falta de planos de
conjunto, bastas mudanças de orientação, etc. Isto tenho eu observado e há-de
ter algum remédio, se os próprios lho não darem. E não é só nas Juntas: aqui
temos o mesmo problema e as mesmas faltas nas Câmaras Municipais. O entusiasmo
das grandes realizações desvairou a muitos, e se o Governo não se mete a
providenciar e a dirigir superiormente, travando o destemperado espírito de
grandezas da nossa gente, a falência seria temerosa. (…)”