Conflitos da Autonomia -Resposta de Salazar ao Presidente
da Junta Geral-A
Em 23 de
maio de 1935, o Dr. Oliveira Salazar, Presidente do Governo, enviou uma carta
ao Presidente da Junta Geral, Dr. João Abel de Freitas, respondendo à carta
deste, de 28 de março daquele ano. Não podia ser mais clara a visão do
Presidente do Governo quanto ao mal-estar vivido na Região e quanto ao conceito
de autonomia. Era também corolário de uma exposição da Junta Geral, de 5 de
Abril, de um ofício do Governador Civil, da mesma data, e de um memorial, de 21
de Abril, assinado por Pestana Reis, Juvenal Araújo e Favila Vieira.
Salazar
inicia a carta afirmando: “Esta carta é uma carta particular embora trate de
questões da Madeira que a V. Exª. interessam por se encontrar à frente da Junta
Geral. Escrevo-a despreocupadamente, sem a menor ideia de que redijo alguma
coisa parecida com documentos oficiais, e apenas para corresponder à
amabilidade da carta de V. Exª. e às gentilezas de que usou para comigo e para
com o Douor Mário de Figueiredo, quando aí passamos duas semanas.
Nestas
duas semanas não perdi o meu tempo: não só apreciei as belezas naturais da ilha
e a hospitalidade de muitos amigos ou simples contemporâneos de Coimbra, mas
pude fazer ideia in loco de certos problemas e da mentalidade madeirense. Isto
me tem servido no Governo para estudar as reclamações que me vêm daí e não
perder a serenidade ou a paciência adiante de tudo o que, por dever do cargo,
sou obrigado a ouvir e a ler – e posso dizer que leio tudo quanto daí vem há
bastantes anos a esta parte.
(…) vou
tentar dizer-lhe alguma coisa do que penso acerca dos principais pontos tocados
na carta de V. Exª.e no resumo dos deputados”.
A carta de
Salazar aborda dezanove temas, tais como
a) Mal Estar Geral; b) Situação Financeira da Junta; c) Câmaras Municipais; d)
Regime Sacarino; e) Bordados; f) Frutas e Géneros Hortícolas; g) Vinhos; h) Lacticinios;
i) O Mesmo Quanto à Industria de Vimes; j)Turismo; k) Sanatório para
Tuberculosos; l) Liceu; n) Bairro Económico; o) Lotaria; p) Portos; q) Fundo de
Desemprego; r) Empréstimo da Junta; s) Juros de mora; t) Imposto de Viação e
Turismo; u) Outras Receitas.
Quanto ao
Mal Estar Geral, destaca: “Antes disso porém farei breve referência ao “mal estar
geral” da Madeira traçado com negras cores tanto na carta de V. Exª. como na
exposição da Junta. O abandono da Madeira por parte do Poder Central» entrou na
formação da consciência madeirense e vejo que os dirigentes da situação
política não podem rebater essa falsa ideia. Como disse acima, leio tudo o que
vem da Madeira há bastantes anos e já tenho experiência do Governo suficiente
para não me irritar ou sequer para me importar além de certa medida com o que
se diz aí da acção do Governo.
Apenas
porque é preciso rectificar os erros, mesmo comuns e gerais, e fazer sempre a
política da verdade, é preciso dizer que há muitas dezenas de anos não tem a
Madeira quem tanto a tenha protegido e defendido como eu. São factos históricos
que não vale a pena estar a citar, mas com alguma ilustração ou memória (eu os
povos não têm mas as pessoas cultas devem possuir) quem quer pode fazer a
comparação de antes e depois, os problemas abandonados e os resolvidos e o
quanto em dinheiro que isso tem custado. Repito-lhe que não me importa
continuar a ler o contrário: desde os meus amigos mais queridos ou inimigos
confessos, desde a extrema direita à extrema esquerda, se ainda há disso na
política daí, desde os bons conservadores aos revolucionários ou conspiradores
de profissão, desde os católicos aos indiferentes e aos ateus – todos em
comovedora unanimidade, assentaram ou estão assentando em que a Madeira é uma
“filha enjeitada”. E não tenho visto que ninguém, com os factos, só com os
factos, tenha contrariado a campanha.
V. Exª. mesmo
está convencido de que a Madeira tem sido “completamente abandonada”. Dou
graças a Deus por me ter permitido ver o que vi, quando da minha viagem, para
compreender este fenómeno que à minha volta pouca gente compreende. E, porque
compreendo é que a Madeira continuará sendo tratado como terra privilegiada e
com paciência, ao menos enquanto se não desmandarem demais. Porque, se o
fizerem, é conveniente não esperar a doçura da repressão usada outra vez. E
podem continuar dizendo à vontade que os abandonam”
Sem comentários:
Enviar um comentário