Conflitos
da Autonomia -Carta do Presidente da Junta Geral a Salazar - A
A 14 de janeiro de 1935, o Dr. João Abel de
Freitas foi nomeado presidente da Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito
Autónomo do Funchal, já com Salazar a acelerar as políticas ditatoriais do
Estado Novo, baseadas na Constituição da República submetidas a plebiscito em
19 de março de 1933, entrada em vigor no dia 11 de abril do mesmo ano.
Por decisão do órgão executivo da Junta Geral,
reunido no dia 31 de janeiro do ano da tomada de posse, proceder-se-ia à
elaboração de um relatório expondo ao Governo de Salazar “as necessidades do
distrito que careciam de mais urgentes soluções”. Naquele ano, a Madeira sofria
os efeitos da crise económica nacional e mundial.
Foi tendo em conta a decisão do executivo da Junta
Geral, após a solicitação a todas as câmaras municipais da Madeira que
informassem as necessidades mais urgentes, que o Dr. João Abel de Freitas
subscreveu, em 28 de março de 1935, a carta personificada ao Doutor Oliveira
Salazar, que respondeu a 23 de maio do mesmo ano.
O texto das duas cartas está publicado na íntegra
na edição de setembro de 2001 de «História da Madeira», pag. 335 a 340,
coordenada pelo Dr. Alberto Vieira, do qual transcrevo as passagens mais
significativas e reveladoras da dialética conflitual entre governação da Madeira
e Governo Central.
Dr João Abel: “A Madeira atravessa uma crise
terrível. O horizonte está toldado com nuvens muito negras, não se divisando ao
longe uma luz por mais pequena que seja que nos faça pensar em melhores dias, a
não ser a grande esperança do auxílio de V.Exª.. É uma crise que nos persegue
principalmente desde 1930, data da derrocada do banco Henrique Figueira, com
todas as suas tristes consequências, e que tem continuado sempre, por vezes a
curtos passos, por vezes a passos de gigante, mas que não pára nunca estando
quase a esmagar todos
A grande maioria do povo da Madeira está
convencida de que o Governo Central nos tem abandonado como castigo da
revolução da Madeira, de bem triste memória. Não quero crê-lo porque estou
certo que V. Exª. hoje sabe tão bem como eu que os madeirenses foram os menos
culpados desses acontecimentos.
As culpas cabem principalmente: aos vários
Governos que autorizaram a vinda dos deportados para a Madeira, de todos os
lugares o menos indicado para esse fim; à publicação do decreto alterando o
regimen cerealífero que à data vigorava na Ilha. As pessoas que pensam um pouco
vêem perfeitamente que o regímen é mau; sabem que não faz sentido a Madeira
estar a despender tanto ouro na compra de trigos e farinhas no estrangeiro,
havendo trigo nacional em abundância que poderia e deveria abastecer o nosso
mercado. Sabem tudo isto muito bem. Mas o facto é que esse regímen foi
conquistado à custa de muito sangue e só poderá ser modificado com muita
cautela, de contrário correrá ainda mais sangue.
Cabem ainda as culpas ao Governador Civil de então
que num lamentável discurso quase incitou o povo à revolta mandando alguns dias
depois dispersar esse mesmo povo à saibrada a cavalo marinho, quando
ordeiramente o procurava para ver se conseguia do Governo a anulação do
referido decreto; ainda culpa do mesmo Governador, que à data era também
Comandante Militar, por não ter o prestígio necessário para fazer com que os
seus subordinados impedissem o levantamento popular, conhecido pelo movimento
das farinhas; foi por último a desgraçada acção do delegado Especial enviado
pelo Governo (…)”.
(continua)
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